• Nenhum resultado encontrado

A Reforma Psiquiátrica em Discursos de Cuidadores de Serviços Residenciais Terapêuticos na Cidade de Recife - PE

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A Reforma Psiquiátrica em Discursos de Cuidadores de Serviços Residenciais Terapêuticos na Cidade de Recife - PE"

Copied!
154
0
0

Texto

(1)1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA MESTRADO EM PSICOLOGIA. A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM DISCURSOS DE CUIDADORES DE SERVIÇOS RESIDENCIAIS TERAPÊUTICOS NA CIDADE DE RECIFE - PE. Isaac Alencar Pinto. Recife – PE Fevereiro – 2011.

(2) 2. Isaac Alencar Pinto. A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM DISCURSOS DE CUIDADORES DE SERVIÇOS RESIDENCIAIS TERAPÊUTICOS NA CIDADE DE RECIFE - PE. Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia.. Orientador: Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho. Recife – PE Fevereiro – 2011.

(3) 3.

(4) 4.

(5) 5. A todos aqueles que buscam inventar novas formas de lidar com a loucura..

(6) 6. AGRADECIMENTOS. Desejo, em primeiro lugar, agradecer aos meus pais, Edna e Cícero, e aos meus irmãos, Lucas e Davi, por terem sempre me apoiado e auxiliado nas minhas empreitadas. Apesar de me considerar um andarilho, sempre terei minha casa. A Pedro, por me aceitar como orientando e por acreditar, até o último momento, na realização deste trabalho, apesar de todas as dificuldades institucionais e pessoais. Mais do que orientador, lhe tenho como um grande amigo. A Ary, pelo companheirismo e por ter me dado força para plantar várias sementinhas nos últimos dois anos. Tenho certeza de que colheremos belas flores nesse jardim. Meus sinceros agradecimentos aos meus amigos de longa data: Vanina e Julian (sem o apoio de vocês não teria chegado aonde cheguei), Juliana, Nayara, Jorge, Deco, Larissa, Einstein, Alessandra, Natércia, Halline, Fabiana, Carla, Francisco e Laís. Vocês moram no meu coração!! Todo o meu carinho aos novos amigos que fiz durante o Mestrado: Pedrinho, Fernanda, Juliana Catarine, Ludmila, Márcio, Estácio e, em especial, à Amanda e Simone. Recife se tornou uma cidade mais colorida com vocês! À Profª. Thelma e à Profª. Jaileila por terem aceito o convite para participar da banca, na certeza de que as suas contribuições enriquecerão o trabalho. À Alda, João e Alexandre, por terem quebrado diversos galhos durante esses dois anos. À Christianne Macêdo, que trabalha no DGGT da Prefeitura do Recife, por ter auxiliado (e encontrado meu Projeto diversas vezes quando ele se encontrava perdido no meio da burocracia institucional) na aprovação do meu projeto de pesquisa pela Gerência de Saúde Mental. À CAPES, por ter financiado o desenvolvimento da pesquisa. E aos meus mentores espirituais, por me orientarem e por me demonstrarem que a vida é sempre mais!.

(7) 7. Minha casa é meu reino “Meu Reino”, Biquíni Cavadão.

(8) 8. LISTA DE SIGLAS CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CONASP - Conselho Consultivo da Administração Pública Previdenciária DSM III - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders III INPS – Instituto Nacional de Previdência Social SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SRT – Serviço Residencial Terapêutico SUDS – Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde TR – Técnico de Referência.

(9) 9. SUMÁRIO 1.. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12. 2.. DE PACIENTES A MORADORES: OS SERVIÇOS RESIDENCIAIS TERAPÊUTICOS15. 3.. 2.1. Abordagens Teóricas e Modalidades de Serviços Residenciais Terapêuticos ............ 19. 2.2. A reabilitação psicossocial .......................................................................................... 25. 2.3. A Reforma na cidade de Recife – PE .......................................................................... 32. PSICOLOGIA DISCURSIVA ............................................................................................ 35 3.1. Função ......................................................................................................................... 43. 3.2. Variabilidade ............................................................................................................... 51. 3.3. Construção................................................................................................................... 56. 3.4. Retórica ....................................................................................................................... 61. 4.. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................................ 65. 5.. SOBRE CARÊNCIA, CRISES E AUSÊNCIAS: POSICIONANDO OS MORADORES 70. 6.. OS POSICIONAMENTOS CONTRUÍDOS SOBRE OS CUIDADORES ........................ 82. 7. DESCREVENDO O SERVIÇO: AS DIFICULDADES DE TRABALHAR COMO CUIDADOR .............................................................................................................................. 103 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 142.

(10) 10. RESUMO. Em sua versão mais recente, a Reforma Psiquiátrica brasileira tem objetivado a desinstitucionalização, a qual tem sido compreendida enquanto a desconstrução de saberes, discursos e práticas psiquiátricas que reduzem a loucura à doença mental e que reforçam o modelo hospitalocêntrico. Nesse sentido, a elaboração da Portaria nº 106/2000, do Ministério da Saúde, introduz os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) no âmbito do SUS. Os SRTs seriam moradias ou casas inseridas na comunidade que teriam como principal foco o cuidado com os egressos de longas internações psiquiátricas que não possuem laços sociais e familiares, viabilizando, assim, sua inserção social e reabilitação psicossocial. Nesse sentido, a referida portaria estabelece que os SRTs possuam equipe técnica composta, no mínimo, pelos seguintes profissionais: a) 01 (um) profissional de nível superior da área de saúde com formação, especialidade ou experiência na área de saúde mental, denominado de Técnico de Referência (TR); b) 02 (dois) profissionais de nível médio com experiência e/ou capacitação especifica em reabilitação psicossocial, denominados de cuidadores, os quais devem atuar no sentido de viabilizar o processo de reabilitação psicossocial dos moradores. Nesse sentido, os cuidadores podem ter uma função dúbia nos SRTs: podem tanto funcionar enquanto facilitadores do processo de reabilitação psicossocial através da organização de atividades dos moradores junto à comunidade, por exemplo; ou podem exercer uma função coercitiva: os cuidadores podem funcionar enquanto agentes que ditam o que é permitido ou proibido na casa, instituindo suas próprias regras. Tendo em vista tais questões, realizamos uma pesquisa com onze cuidadores que atuam nos SRTs masculino e feminino localizados no Distrito Sanitário V da cidade de Recife – PE, tendo como objetivo analisar discursos dos cuidadores dos Serviços Residenciais Terapêuticos na cidade de Recife - PE sobre a Reforma Psiquiátrica. Para análise dos dados utilizamos o referencial teórico da Psicologia Discursiva, a qual compreende que a linguagem não é um mero reflexo, um espelho da realidade, mas que a linguagem constrói a realidade. Dessa forma, os cuidadores posicionaram os moradores como sujeitos infantilizados, que são dependentes da atenção dos cuidadores. Já em relação ao posicionamento construído sobre os próprios cuidadores, eles se apresentaram como sujeitos atenciosos, que dispensavam todo o carinho e amor que os moradores necessitavam, por serem sujeitos dependentes. Vale ressaltar que eles também construíram um posicionamento dialético na relação cuidador-morador: eles afirmaram que os moradores teriam se tornado sua segunda família, ao mesmo tempo em que eles teriam se tornado a família dos moradores, os quais não possuiriam ou teriam vínculos bastante fragilizados com seus familiares. Em relação à descrição construída sobre o serviço, eles afirmaram que receberam uma capacitação muito superficial, bem como relataram que o SRT é a segunda casa dos moradores. Consideramos, então, que os os cuidadores necessitam de uma capacitação mais adequada para evitar a reprodução de velhas práticas psiquiátricas dentro dos serviços substitutivos. PALAVRAS-CHAVE: serviços residenciais terapêuticos; cuidadores; psicologia discursiva; análise de discurso.

(11) 11. ABSTRACT In its latest release, The Psychiatric Reform has aimed at deinstitutionalization, which has been understood as the deconstruction of knowledge, discourses and practices that reduce psychiatric madness to mental illness and strengthen the hospitalcentered model. In this sense, the elaboration of Ordinance No. 106/2000, the Ministry of Health introduces the Therapeutic Residential Services (SRT) under the SUS. The SRTs were entered homes or homes in the community who have mainly focused on the care of the graduates of lengthy psychiatric hospitalizations that lack social and family networks, enabling thus their social and psychosocial rehabilitation. In this sense, that decree states that the technical team SRTs have at least the following professionals: a) 01 (a) higher level professional in the health field with training, expertise or experience in the mental health field, called Technical Reference (TR), b) 02 (two) mid-level professionals with experience and / or specific training in psychosocial rehabilitation, called caregivers, who must act to facilitate the process of psychosocial rehabilitation of the residents. Accordingly, the caregivers may have a dubious role in SRT: can either operate as facilitators of the process of psychosocial rehabilitation through the organization of activities of the residents in the community, for example, or may have an enforcement function: the caregivers can act as agents that dictate what is allowed or prohibited in the house, setting up their own rules. Considering these issues, we conducted a survey of eleven caregivers who work in male and female SRTs located in the Sanitary District V of the city of Recife - PE, with the aim of analyzing the discourses of the caregivers of residential therapeutic services in Recife - PE on Psychiatric Reform. For data analysis we used the theoretical Discursive Psychology, which understands that language is not a mere reflection, a mirror of reality, but that language constructs reality. Thus, caregivers positioned infantilized residents as subjects, which are dependent on the attention of caregivers. In relation to the positioning built on the caregivers themselves, they presented themselves as caring individuals, that dismissed all the love and care that residents need, because they are dependent subjects. It is noteworthy that they also built a dialectical position in the resident-caregiver relationship: they said that residents would become his second family, while they would become the family of residents, which does not possess or have links rather fragile with their families. Regarding the description built on the service, they said they received a very superficial training, and reported that the SRT is the second house of residents. We consider, then, that the caregivers need a more adequate training to prevent the reproduction of old practices within the psychiatric services in replacement. KEY WORDS: residential care, caregivers, discursive psychology, discourse analysis.

(12) 12. 1. INTRODUÇÃO Participei, durante minha graduação em Psicologia, na Universidade Estadual da Paraíba em Campina Grande, do grupo de pesquisa Psicologia da Saúde através da minha inserção na linha de pesquisa Saúde, Identidade e Práticas Discursivas. Na época de meu desligamento do referido grupo (devido à incompatibilidade entre o horário de reunião do grupo e o meu novo emprego), as pesquisas se voltavam para a questão da Reforma Psiquiátrica naquela cidade. Nesse mesmo período, também foquei minha atenção sobre a Reforma Psiquiátrica a partir do anteprojeto de pesquisa que escrevi para me submeter à seleção do Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, o qual buscava compreender o posicionamento dos vigias e cuidadores dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) nas cidades de Campina Grande – PB e Recife - PE. Uma vez selecionado, continuei com a mesma temática, porém com duas diferenças. Uma primeira diferença foi a proposta de pesquisar apenas na cidade de Recife – PE. A segunda mudança que ocorreu no projeto foi a redução dos sujeitos da pesquisa: seriam entrevistados apenas cuidadores, posto que os SRTs de Recife, ao contrário dos que funcionam em Campina Grande, não possuem vigias. Os SRTs são casas inseridas na comunidade para egressos de longas internações psiquiátricas que possuem condição de retorno ao convívio social. Esta é uma estratégia que vem sendo ampliada no Brasil: em 2004, existiam 1.363 moradores em SRTs e em 2009 esse número sobe para 2.829. Simultaneamente ocorre a expansão de SRTs implantados no país: em 2004 encontramos 262 SRTs, dos quais 5 operavam em Pernambuco. Já em 2009 encontramos um total de 533 SRTs em funcionamento no país, dos quais 14 SRTs estão localizados em Pernambuco, todas na cidade de Recife. Ainda no tocante à Pernambuco, cabe ressaltar que no final de 2010 foi aberta a primeira residência de Olinda e que, no início de 2011, foram abertas três residências no município de Paulista, a partir do fechamento do Hospital Alberto Maia. Porém, se faz necessário problematizar a abertura de SRTs, como se isso, per si, bastasse para construir novas formas de lidar com a loucura: as residências seriam.

(13) 13. locais que proporcionariam um novo olhar sobre a loucura ou, ao contrário, seriam um local de (re)produção do modelo psiquiátrico utilizado nos hospitais? É nesse sentido que os cuidadores, profissionais de nível médio encarregados de realizar a reabilitação psicossocial dos moradores, podem tanto facilitar o processo de reabilitação psicossocial dos moradores, através do exercício da autonomia dos moradores, bem como podem exercer uma função coercitiva, ditando o que é permitido ou proibido na casa, instituindo suas próprias regras. Perguntamo-nos, então: Esses sujeitos conhecem o discurso reformista? Se conhecem, como definem o processo de Reforma Psiquiátrica? Como se posicionam em relação ao processo? Se percebem implicados nesse processo? Quais as posições identitárias que constroem sobre si mesmos, sobre os moradores e quais as descrições que constroem sobre o serviço? Estabelecemos, assim, como objetivo geral dessa pesquisa: analisar discursos dos cuidadores dos Serviços Residenciais Terapêuticos na cidade de Recife - PE sobre a Reforma Psiquiátrica, e possuindo como objetivos específicos: analisar descrições do serviço, de si mesmos e dos moradores, procurando identificar posicionamentos em relação ao serviço, definições do papel do mesmo no processo de reforma e as posições identitárias construídas para si mesmos e para os moradores; identificar e analisar, nos posicionamentos identitários construídos discursivamente para os moradores, exemplos de combate à imagem tradicional do louco em nossa sociedade ou de reprodução da mesma; e identificar e analisar os argumentos mobilizados para apoiar ou combater a Reforma Psiquiátrica. Na medida em que estudaamos a produção de sentidos sobre a Reforma Psiquiátrica em discursos de sujeitos tão importantes para o bom funcionamento de um de seus serviços, a pesquisa realizada procurou contribuir para uma maior compreensão das dificuldades no caminho de um conjunto de políticas públicas de indiscutível impacto social, políticas que procuram definir um novo lugar para a loucura em nossa sociedade. Dito de outra forma, a pesquisa em questão mostra toda a sua relevância quando se considera que é importante, para o aperfeiçoamento de uma política pública essencial para o desenvolvimento social do estado de Pernambuco, saber se e como cuidadores reproduzem ou combatem o modelo hospitalocêntrico. Para tanto, estruturamos essa dissertação em seis capítulos. No capítulo inicial, abordamos os SRTs dentro do contexto da Reforma Psiquiátrica. Além disso, também.

(14) 14. apresentamos alguns tipos de dispositivos residenciais utilizados em outros países, as principais abordagens utilizadas para promoção da reabilitação psicossocial e a Reforma Psiquiátrica no contexto da cidade de Recife. No segundo capítulo, apresentamos o referencial teórico da Psicologia Discursiva, utilizado na análise das entrevistas. O terceiro capítulo aborda as questões metodológicas da pesquisa: instrumento utilizado, participantes, procedimentos para análise das entrevistas, etc. Já os capítulos quatro, cinco e seis apresentam a análise realizada a partir dos discursos construídos pelos cuidadores sobre a Reforma Psiquiátrica, buscando compreender os argumentos mobilizados para combater e/ou apoiar a Reforma, as descrições de si mesmos, dos moradores e do serviço. Por fim, apresentamos algumas considerações a título de reflexão, apontando sugestões na tentativa de implementar o processo de Reforma Psiquiátrica no país, através de melhor capacitação dos trabalhadores que atuam na saúde mental e, em especial, os cuidadores dos SRTs..

(15) 15. 2. DE. PACIENTES. A. MORADORES:. OS. SERVIÇOS. RESIDENCIAIS. TERAPÊUTICOS. De acordo com Amorim e Dimenstein (2009), a Reforma Psiquiátrica brasileira é um processo em construção e um projeto com diferentes versões. Para as autoras, em sua versão mais recente, a Reforma brasileira, a qual fundamenta as políticas de atenção em saúde mental, tem objetivado a desinstitucionalização. No bojo dessas discussões, a desinstitucionalização tem sido compreendida como um processo de desconstrução de saberes, discursos e práticas psiquiátricas que reduzem a loucura à doença mental e que reforçam o modelo hospitalocêntrico, no qual a principal referência na atenção à saúde é o hospital. No caso da atenção em saúde mental, o hospital psiquiátrico (AMARANTE, 1996). Amarante (1994) afirma que, em nosso país, durante a década de 1960, a doença mental é transformada em mercadoria, posto que o Estado começa a comprar serviços psiquiátricos particulares a partir da criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Durante esta época, ocorre a expansão de hospitais psiquiátricos privados nos grandes centros urbanos a partir do investimento do capital privado. Tal expansão acarretou uma sobrecarga financeira para o Estado, que se viu obrigado a adotar, a partir de 1980, algumas medidas reguladoras e disciplinadoras do capital privado. Para tanto, foi implantado a Co-Gestão entre os Ministérios da Saúde e da Previdência Social e foram criados o Conselho Consultivo da Administração Pública Previdenciária (CONASP), os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde e o Sistema Unificado de Saúde (SUDS e SUS, respectivamente). Neste momento, inicia-se o processo de descentralização e municipalização da saúde, além da participação de setores representativos da sociedade na formulação e gestão do sistema de saúde, tal como o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, o qual lança, em 1987, o lema “Por uma sociedade sem manicômios” (AMARANTE, 2007). Outro momento que destacamos foi a realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, ocorrida em 1992. Nessa Conferência foi discutida a importância estratégica, para o avanço da Reforma, da implantação dos denominados “lares abrigados” (BRASIL, 2004)..

(16) 16. Durante. esse. período,. ocorrem. algumas. iniciativas. que. visavam. à. desinstitucionalização dos pacientes de hospitais psiquiátricos. De acordo com Suyiama, Rolim e Colvero (2007), os Lares Abrigados, como eram conhecidos na época, surgiram nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul e possuíam como objetivo a saída dos usuários das enfermarias para a sua participação na cidade. Furtado (2006) também aponta experiências de desinstitucionalização em Porto Alegre (RS), Campinas (SP), Santos (SP), Ribeirão Preto (SP) e Rio de Janeiro (RJ). As experiências supracitadas serviram como base para a elaboração da Portaria nº 106/2000, do Ministério da Saúde, a qual introduz os SRTs no âmbito do SUS (BRASIL, 2004), constituindo o que Amarante (2007) denomina de estratégias de residencialidade. De acordo com a referida Portaria, os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) seriam moradias ou casas inseridas na comunidade que teriam como principal foco o cuidado com os egressos de longas internações psiquiátricas que não possuem laços sociais e familiares, viabilizando, assim, sua inserção social e reabilitação psicossocial (BRASIL, 2000). No tocante à estrutura física e funcionamento, os SRTs devem estar localizados fora de unidades hospitalares, possuindo como estrutura mínima: sala de estar com mobiliário adequado; dormitórios com cama e armário; copa e cozinha equipadas; e devem oferecer um mínimo de três refeições por dia. Eles devem comportar, no máximo, 08 usuários, distribuídos na proporção de até 03 por dormitório. Um ponto a se destacar, no tocante aos moradores dos SRTs, é que estes devem estar vinculados a um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Aqui residem duas questões. A primeira é que os SRTs devem funcionar como moradias e não como espaços terapêuticos em si. Apesar de receberem o nome de terapêuticas, o objetivo maior dos SRTs não é promover um espaço terapêutico, tal como se define usualmente (MOREIRA; ANDRADE, 2007; FURTADO, 2006). Os SRTs devem, principalmente, funcionar como espaço de moradia, como uma nova forma da loucura se relacionar com a cidade a partir do habitar (BRASIL, 2004). O termo “terapêuticas” é usado devido à necessidade de vincular o serviço ao Ministério da Saúde, garantindo verbas para seu funcionamento: No que diz respeito ao financiamento desses serviços substitutivos, cabe destacar que a verba destinada à.

(17) 17. manutenção de pacientes em hospitais psiquiátricos devem ser redirecionadas aos SRTs a partir do encaminhamento do usuário a esses novos serviços. Vasconcelos (2008a, p. 98) aponta que a estratégia de referencialidade entre as alternativas de moradias para os usuários que necessitam de cuidado contínuo e os serviços de atenção psicossocial, como os CAPS, “constituem elementos-chave na substituição dos leitos asilares e de enfermarias psiquiátricas convencionais”, evitando que tal população seja simplesmente transferida para outras instituições, como delegacias, penitenciárias, asilos, etc, bem como impede a simples desospitalização e negligência social, principalmente ao levar em consideração a grande parcela dessa população que se encontra sem vínculos familiares. Já o segundo ponto se refere à relação estabelecida entre os moradores dos SRTs e o CAPS de referência. Nesse sentido, vale destacar que os moradores que buscam os serviços do CAPS devem ser tratados como qualquer outro usuário, pois a idéia de promover a cidadania dos moradores perpassa a idéia de serem tratados como usuários comuns (MOREIRA; ANDRADE, 2007; FURTADO, 2006). De acordo com Gonçalves e Sena (2001, p. 51) “espera-se, muito mais, o resgate ou o estabelecimento da cidadania do doente mental, o respeito à sua singularidade e subjetividade, tornando-o sujeito de seu próprio tratamento sem a idéia de cura como o único horizonte”. Para a implantação dos SRT, o Ministério da Saúde repassa uma verba no valor de R$ 10.000,00 objetivando a realização de pequenos reparos no imóvel, compra de móveis, eletrodomésticos e demais utensílios necessários. Juntamente com esses recursos, há um repasse mensal que pode atingir o valor de R$ 7.000,00 a R$ 8.000,00, advindos do repasse financeiro acarretado pelo fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos a partir da inserção dos usuários nos SRTs. Dessa forma, Vasconcelos (2008a) aponta que os SRTs possuem o papel fundamental de evitar o simples fechamento dos leitos em hospitais psiquiátricos e a extinção dos recursos destinados à manutenção dos serviços de saúde mental.. Nessa direção, o atual contexto de políticas sociais neoliberais, com um vertiginoso desinvestimento nos programas sociais, revelou um caráter até então pouco reconhecido nas análises do sistema asilar, tradicionalmente centradas mais no caráter segregador e de controle social da instituição psiquiátrica: a de que estas geralmente enormes instituições constituem uma forte.

(18) 18. concentração geográfica de recursos patrimoniais e humanos no campo da saúde mental (VASCONCELOS, 2008a, p. 99).. Assim, o autor aponta para o fato de que o processo de desinstitucionalização exige a conversão e desconcentração dos recursos necessários para o funcionamento dos serviços de saúde mental, tendo em vista que esta é uma das formas de implementar serviços substitutivos descentralizados dentro das comunidades, evitando, assim, que tais recursos sejam simplesmente extintos (VASCONCELOS, 2008a). Os usuários devem ser encaminhados para os SRTs tendo em vista os critérios propostos pelos gestores municipal ou estadual do SUS. Também cabe às secretarias estaduais e municipais de saúde estabelecer a rotina de supervisão, acompanhamento, controle e avaliação da qualidade dos serviços prestados nos SRTs. Dentro das ações voltadas à desinstitucionalização dos internos de hospitais psiquiátricos, encontramos também o Programa de Volta para Casa. O seu objetivo é possibilitar a inserção social dos sujeitos que possuem algum transtorno mental com história de longa internação psiquiátrica (dois anos ou mais), através da instituição de um auxílio-reabilitação psicossocial, no valor de R$240,00, que deve ser pago diretamente ao beneficiário (BRASIL, s/d). Os beneficiários podem ser pessoas acometidas de transtorno mental egressos de internações psiquiátricas em hospitais cadastrados no SIH/SUS (Sistema de Informação de Hospitalares), por um período ininterrupto de, no mínimo, dois anos e com uma situação clínica e social não justifique sua permanência em regime hospitalar; assim como pessoas inseridas nos SRTs, egressos de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, por período igual ao supracitado (BRASIL, s/d). Diversos autores (MOREIRA; ANDRADE, 2007; DIMENSTEIN, 2006; SUYIAMA; ROLIM; COLVERO, 2007) que estudam a reforma psiquiátrica e, mais especificamente, os SRTs, afirmam que este é um dispositivo potente “para propiciar a inserção do portador de transtorno mental na cidade, para fazê-los circular por outros circuitos, que não os cronificantes” (DIMENSTEIN, 2006, p. 77). Em consonância com os autores supracitados, Vasconcelos (2008a) afirma que, no tocante aos interesses específicos dos usuários, os SRTs são elementos fundamentais na constituição de seu bem-estar físico e psíquico, além de ser importante referencial no campo da saúde mental. Nesse sentido, os SRTs permitem que os moradores possam se.

(19) 19. reapropriar, de maneira muito mais efetiva, das dimensões real e simbólica do corpo, do espaço e do tempo, dos usos dos objetos e da criação de vínculos interpessoais. Para o autor, já o caso inverso, ou seja, a inexistência de moradia constitui um fator altamente estressante, o qual pode acarretar novas crises e novas internações psiquiátricas. A existência de moradia, então, está no cerne da reinserção social dos moradores, possibilitando o aumento das trocas e do poder contratual dos usuários. Dessa forma, uma vez exposta as principais questões relacionadas ao funcionamento de um SRT, apresentamos as principais abordagens que orientam o funcionamento dos dispositivos residenciais.. 2.1 Abordagens Teóricas e Modalidades de Serviços Residenciais Terapêuticos Vasconcelos (2008a) identificou três abordagens existentes na literatura internacional que orientam a práxis dos SRTs: a) A abordagem da Psiquiatria Democrática Italiana - consiste na integração de idéias advindas do marxismo de Gramsci, das teorias do desvio social e, em particular, do interacionismo simbólico, de Foucault e da fenomenologia existencial. Em nosso país essa abordagem vem sendo difundida a partir da tradução das obras dos próprios autores italianos, como Basaglia e Rotelli, além de autores brasileiros que comentam e sistematizam a experiência italiana, como Delgado; b) As abordagens escandinava e anglo-saxônica da normalização e do “empowerment” – possuem várias características, das quais podemos citar: a existência de diversos grupos organizados (grupos de usuários, mistos de usuários, familiares e profissionais, usuários individuais que tentam formar grupos); defesa da organização autônoma dos usuários; a maioria dos grupos objetiva, além de modificar a relação da sociedade com a loucura, a constituição de grupos e serviços próprios e/ou dirigidos por usuários e/ou ex-usuários, como clubes, grupos de auto-ajuda, serviços residenciais ou de suporte domiciliar, etc (VASCONCELOS, 2008b); c) A epidemiologia aplicada a serviços de saúde mental – a epidemiologia se dedica ao estudo da prevalência e incidência das doenças, seus determinantes.

(20) 20. e aspectos biológicos, histórico-sociais, culturais, ambientais e demográficos associados. Mais recentemente, a epidemiologia também vem. se. preocupando em estudar a forma pela qual os aspectos supracitados incidem na qualidade dos serviços de saúde pública. Nesse sentido, a epidemiologia busca estudar, nos SRTs, o papel terapêutico, a validade assistencial, o custo e o impacto sobre a saúde dos moradores (VASCONCELOS, 2008a). Além das abordagens citadas, o referido autor afirma que os SRTs recebem contribuições teóricas de algumas abordagens disciplinares mais específicas, tais como: Intervenção terapêutica grupal e institucional em saúde mental; Fenomenologia do morar/habitar e dos processos de reconstrução do espaço pessoal, tal como desenvolvida por Bachelard; Da antropologia e do interacionismo simbólico, objetivando a análise da reconstrução da identidade pessoal; Da representação social da saúde e da doença, como em Jodelet, assim como das estratégias de enfretamento do estigma associado à loucura; Dos aspectos arquitetônicos da construção ou adaptação de prédios para acomodarem os SRTs, entre outras. Segundo esse autor, a forte tradição hegemônica de nosso país de oferecer serviços de saúde mental do tipo estatal, caracterizados por uma cultura terapêutica mantenedora de relações verticalizadas e hierarquizadas entre os profissionais e os usuários poderia levar a crer que existem apenas serviços residenciais oferecidos pelo Estado e com funcionamento atrelado aos profissionais de saúde mental. Ocorre, porém, que encontramos diversos exemplos internacionais que mostram que a estruturação dos serviços residenciais pode ser muito mais flexível do que se imagina:. O princípio básico que orienta a proposta desse leque mais amplo de opções residenciais é ofertar dispositivos adequados à variedade de quadros diferenciados de dependência e autonomia, à situação social, familiar e comunitária e ao desejo expresso, de cada cliente singular (VASCONCELOS, 2008a, p;114).. Ramon (1996, citado em Vasconcelos, 2008a), destaca os seguintes tipos de dispositivos residenciais existentes no contexto europeu:.

(21) 21. a) Esquemas residenciais adaptados dentro do ambiente hospitalar Também denominados de hospital hostels ou hospital wards in the community, possuem sua origem na Itália durante a década de 1970, sendo difundido de maneira mais ampla durante os anos 1980. Consistem em uma adaptação de alas de hospitais para suítes, apartamentos ou casas, nos quais os moradores possuiriam a chave. São destinados à moradores mais dependentes ou com comportamentos mais desafiantes, ou usuários com longo histórico de internação psiquiátrica que optam por continuar morando na instituição. Contam com o auxílio de trabalhadores que realizam supervisão e oferecem suporte aos moradores por 24 horas ou, ao menos durante o turno noturno. Esta modalidade também vem sendo utilizada para usuários com delitos penais associados, os quais exigem maior supervisão e controle. No tocante às limitações, Vasconcelos (2008a) aponta que os pontos avaliados estão relacionados à: Adaptação e similaridade com um ambiente doméstico; Grau de autonomia dos usuários para gestão da residência e participação nas decisões em conjunto com os trabalhadores; Número de usuários por quarto e por residência, além do grau de privacidade; Capacidade de circulação social; Possibilidade. dos. trabalhadores. reproduzirem. a. antiga. cultura. institucional; Grau de desvalorização e estigmatização produzido pelo ambiente e pelos trabalhadores. O autor ainda afirma que experiências desse tipo ocorreram nas cidades italianas de Trieste e Arezzo, onde foram construídas instalações adaptadas em hospitais localizados na área urbana, nos quais os moradores, denominados hospedes, escolheram continuar a viver. No Brasil, os antigos asilos tem utilizado essa estratégia de readaptação para continuarem a funcionar, principalmente ao levar em consideração a idade e as limitações físicas da maior parte dos usuários, geralmente internos de longa duração, que vivem nessas instituições..

(22) 22. b) Esquemas de recolocação em famílias Constitui uma das maneiras mais antigas de resolver problemas relacionados à saúde mental. Um dos casos mais antigos encontrados é o da cidade belga de Gheel. Esta cidade desenvolve desde o século XVIII um sistema de famílias adotivas para adultos que haviam saído do hospital psiquiátrico local. No entanto, alguns estudos, como o realizado por Roosnes (1979, citado em Vasconcelos, 2008a), apontam para a sobrevivência do estigma relacionado aos loucos. Outro exemplo está nas cidades francesas de Du-sur-Arun e Aine-le-Chateau, sendo esta última analisada em pesquisa realizada por Jodelet. Nessa pesquisa, Jodelet analisou como 1195 usuários considerados sem problemas sociais graves se relacionavam nas 439 famílias que os acolheram durante os anos de 1980. Tais famílias ganhavam uma ajuda financeira para manter os novos moradores, o que resultou na mobilização das famílias mais pobres, gerando muitos problemas, dos quais a autora destaca: A permanência do estigma, do medo e da institucionalidade legal em relação aos pacientes; A insuficiência de programas de reinserção social; A falta de privacidade e/ou do direito de receber visitas na casa. c) As experiências de “Group Homes” (casas coletivas) Tais experiências vêm sendo desenvolvidas na Europa desde a década de 1960 e exigem um grande investimento em planejamento, infra-estrutura, auxílios financeiros, seleção e preparação dos residentes e dos trabalhadores, manutenção física e investimento constante em recursos humanos na casa, possuindo como outras características relevantes: As características e localização da casa na cidade e nas redes de troca social; Número de residentes e a adequação da casa às suas necessidades e privacidade; Capacidade dos moradores gerirem individual e coletivamente a residência;.

(23) 23. O regime, a filosofia implícita e a qualidade da supervisão, tendo em vista as relações de dependência, necessidade de suporte e/ou autonomia; Acesso à rede de serviços públicos e aos serviços de atenção psicossocial. Vasconcelos (2008a) afirma que os melhores resultados dessa modalidade de residência estão relacionados ao baixo grau de reinternamento em hospitais psiquiátricos, e à melhora do poder contratual dos usuários, do autocuidado e da qualidade de vida dos mesmos. No entanto, o alto custo de manutenção tem sido apontado como o principal desafio à popularização dessa modalidade, principalmente se comparado ao custo de manutenção dos hospitais psiquiátricos, onde os internos vivem apenas de serviços considerados básicos. Outro ponto negativo destacado pelo autor é o fato de que essas residências são, de maneira geral, desenhadas para abrigar os internos mais antigos dos hospitais psiquiátricos, excluindo os denominados “novos crônicos” (usuários mais jovens e com exigências de cuidado mais desafiadoras).. d) Serviços residenciais integrados Neste tipo de experiência encontramos várias unidades residenciais com grande grau de autonomia e vida independente (apartamentos individuais, duplos, por exemplo), integrados a um serviço de suporte, aberto 24 horas por dia e 7 dias por semana. Neste tipo de dispositivos podem ser incluídos moradores que possuem transtorno mental, demência ou deficiências de vários tipos. Como aspecto positivo a ser ressaltado, encontramos o fato que estas residências permitem uma passagem mais tranqüila de um nível de autonomia para outro, assim como permite um maior contato entre os residentes. Já em relação aos aspectos negativos podemos citar a manutenção da segregação,. isolamento,. a. possibilidade. de. iniciar. um. processo. de. transinstitucionalização, principalmente se as residências não estimularem a reinserção social dos moradores.. e) Comunidades Terapêuticas.

(24) 24. Surgiram na Europa e nos Estados Unidos a partir da Segunda Guerra Mundial, quando passaram a ser utilizadas como serviços especializados para soldados, e a partir de então foram construídas no interior dos espaços hospitalares. A característica central desse modelo é o acoplamento do atendimento terapêutico e de atenção psicossocial disponíveis internamente ou acoplados ao serviço. No entanto, diante do contexto de gastos orçamentários que ocorreu durante a década de 1980, vários desses serviços foram fechados por serem considerados excessivamente dispendiosos. Além disso, esse tipo de modalidade recebeu duras críticas do grupo que liderava o movimento da Reforma Democrática Italiana por reproduzir em vários aspectos o antigo modelo hospitalocêntrico, tais como a segregação e exclusão dos usuários.. f) Aluguéis e outros esquemas individuais no mercado privado de moradias O aluguel convencional de uma residência é uma das opções que o usuário possui, mas nesse processo ele pode encontrar algumas dificuldades, tais como: dificuldades do pagamento de aluguel e/ou falta de cuidado com a moradia; reclamações dos vizinhos sobre comportamentos indesejáveis dos moradores; solidão e falta de apoio comunitário em locais hostis. Para que essa opção possa ser realmente efetivada, é necessário contar com o suporte de profissionais ou de um grupo formado por profissionais e leigos no sentido de ajudar a solucionar os impasses citados acima, além de outros, como acesso à rede de atenção psicossocial e serviços sociais e educacionais em geral. Dessa forma, encontramos em comum entre diversas modalidades de serviços residenciais o fato de sempre exigirem, em maior ou menor grau, a atenção de algum profissional da área de saúde mental. Nesse sentido, em nosso país a Portaria nº 106/2000 estabelece que os SRTs possuam equipe técnica composta, no mínimo, pelos seguintes profissionais: a) 01 (um) profissional de nível superior da área de saúde com formação, especialidade ou experiência na área de saúde mental, denominado de Técnico de Referência (TR);.

(25) 25. b) 02 (dois) profissionais de nível médio com experiência e/ou capacitação especifica em reabilitação psicossocial. Estes profissionais devem atuar na assistência e supervisão das atividades desenvolvidas nos SRTs. Vale ressaltar que os profissionais de nível médio encarregados de cuidar dos moradores são denominados de cuidadores (BRASIL, 2004). Na tentativa de inserir os moradores socialmente e de inventar uma nova forma de lidar com a loucura, os cuidadores dos SRTs devem atuar no sentido de viabilizar o processo de reabilitação psicossocial dos moradores. Mas qual o significado do termo reabilitação psicossocial no contexto da reforma psiquiátrica?. 2.2 A reabilitação psicossocial De acordo com Sidrim (2010), a prática da reabilitação surgiu relacionada à prática médica e tinha como objetivo a retomada da funcionalidade do paciente e a compensação ou eliminação de déficits ocasionados pelo adoecimento. Este modelo funcionalista e organicista foi transposto para o campo da psiquiatria, sendo denominado de reabilitação psiquiátrica ou reabilitação psicossocial. Para a autora, a doença mental, a partir desta transposição, passou a ser vista como algo naturalizado, destituído de condicionantes histórico-sociais (inclusive em seus próprios conceitos teóricos), sendo o louco considerado um ser sem subjetividade. Assim, originalmente foi a partir dessa concepção de reabilitação psicossocial de cunho organicista e adaptacionista que o conceito de reabilitação foi inserido no campo da saúde mental. Posteriormente, foram desenvolvidas outras perspectivas de reabilitação psicossocial a partir da utilização de várias técnicas de orientação cognitiva ou educacionais. Saraceno (1999), citado por Fonseca (2006), destaca os seguintes modelos de reabilitação psicossocial: Modelos de Social Skill Training, Modelos Psicoeducativos e Modelo de Spinak (de orientação comportamentalista), e o Modelo de Luc Ciompi, o qual possui uma orientação psicossocial. Modelos de Social Skill Training.

(26) 26. Utilizando a teoria da aprendizagem de orientação comportamentalista, tal modelo objetiva promover a aquisição, generalização e a permanência de habilidades. Busca desenvolver treinamentos, ações protetoras ou potencializadoras de habilidades específicas para enfretamento de situações estressantes. No entanto, tais treinamentos tendem a falhar fora dos settings terapêuticos, posto que a complexidade das situações que ocorrem na vida cotidiana exigem habilidades mais sofisticadas do que aquelas treinadas durante o setting. Modelos Psico-educativos Também de orientação comportamentalista, difere do anterior por utilizar contribuições da Teoria das Emoções Expressas, desenvolvida durante a década de 1960. Segundo esta teoria, o grau de tensão exposto nas expressões verbais e/ou nãoverbais entre os pacientes e as demais pessoas poderia favorecer ou não o desenvolvimento de crises psicóticas. Este modelo, no entanto, reduz o objetivo da reabilitação ao tratamento de sintomas e à prevenção de recaídas. Além disso, por esta abordagem centrar suas atenções na família, ela acaba por desconsiderar ou minimizar outros aspectos do contexto no qual o paciente está inserido enquanto espaço fundamental para sua reabilitação. Modelo de Spinak Possui como objetivo o estudo das maneiras pelas quais o sujeito se dessocializa, tendo como foco a compreensão de formas de evitar tal dessocialização. Este modelo possui como pressuposto a idéia de que os pacientes apresentam um déficit de competência social e pessoal, além de uma reação negativa ao meio. A principal intervenção está em neutralizar o processo cronificador através da articulação do sujeito com o ambiente, aumentando sua capacidade para enfrentar as normas estabelecidas socialmente. Sua principal atuação reside, dessa forma, no paciente e não no ambiente no qual ele está inserido. Modelo de Luc Ciompi Utilizando contribuições oriundas da epidemiologia, este modelo trouxe importantes contribuições na maneira de compreender a psicose enquanto um artefato social. Os aspectos cronificantes da psicose seriam, então, decorrentes de determinantes sociais e não individuais..

(27) 27. Este modelo busca atuar com todos os atores envolvidos no processo de reabilitação, rompendo com o modelo comportamentalista de atuação individual. Apesar desse avanço, ele não critica os pressupostos do modelo hospitalocêntrico. Segundo Fonseca (2006), a Reforma Italiana, a qual inspira o processo de Reforma no Brasil, não possui um modelo ou teoria sobre a reabilitação psicossocial. Para esta perspectiva, existe um conjunto de ações reabilitadoras que devem levar em consideração o poder contratual do indivíduo. Amarante (1994) afirma que Franco Basaglia, principal expoente da Reforma Democrática Italiana, desenvolve em Potere ed istituzionalizzazione uma estratégia de relacionamento, de cunho contratual, a qual apostava na idéia de que a função da psiquiatria e a situação dos enfermos deveria ser de responsabilidade comum entre técnicos e internos. Seria necessária então a invenção de novas estratégias de mediação, que iriam desde estratégias médicas ou psicológicas até estratégias culturais, sociais e políticas e que seriam posteriormente denominadas de reabilitação psicossocial (AMARANTE, 1996). Alguns autores, como Saraceno (1999), citado por Fonseca (2006), e Lussi, Pereira e Junior (2006) afirmam que o objetivo maior da reabilitação psicossocial é permitir que pacientes crônicos desenvolvam ao máximo sua autonomia em ambientes normais. Segundo Hirdes e Kantorski (2004), a reabilitação psicossocial é bastante útil no. exercício. do. cuidar. na. comunidade,. tal. como. proposto. através. da. desinstitucionalização. Segundo Saraceno (2001a), a reabilitação psicossocial não é uma tecnologia mas, isto sim, uma abordagem ou estratégia que deve objetivar mais do que simplesmente passar o usuário de um estado de desabilidade para um estado de capacidade. Nesse sentido, a reabilitação não deve ser compreendida enquanto uma técnica específica, mas enquanto uma estratégia global que mobiliza todos os atores envolvidos em seu processo: usuários, profissionais e comunidade. Desenvolvendo um pouco mais esta linha de argumentação, Kinoshita (2001) afirma que o doente mental, de maneira geral, é caracterizado a partir de sua negatividade, ou seja, daquilo que lhe falta, tornando nulo seu poder contratual. Segundo o autor, o poder contratual de uma pessoa está baseada em três dimensões fundamentais: trocas de bens, de mensagens e de afetos..

(28) 28. Assim, ao ser denominada de doente mental, uma pessoa possui seus bens postos sob suspeita, sendo considerada incapaz de se comunicar, tornando suas mensagens incompreensíveis e seus afetos são considerados desnaturados. Neste sentido, reabilitar pode ser compreendido como um processo de restituição do poder contratual do usuário, objetivando a ampliação de sua autonomia (KINOSHITA, 2001). Cabe destacar ainda que, para Kinoshita (2001), autonomia não deve ser compreendida enquanto auto-suficiência ou a total independência do usuário. De maneira diferente, autonomia, dentro do contexto da reabilitação psicossocial, deve ser compreendida enquanto capacidade que o indivíduo possui de gerar normas, ordens para a vida, de acordo com as diversas situações nas quais esteja inserido. Para tanto, faz-se necessário exercer a contratualidade dos indivíduos a partir de três eixos, como afirma Saraceno (1996), citado por Randemark (2009): o morar, a rede social e o trabalho. O morar é visto como um habitar, com todas as implicações que supõe: direito à privacidade, expressão de sentimentos, negociação para resolução de problemas cotidianos, etc. A compreensão de rede social se estende da família até a comunidade em geral. É na criação de novos vínculos que os usuários encontram a capacidade de exercerem novas relações contratuais. É no espaço comunitário que o usuário pode mobilizar diversos recursos no intuito de resolver possíveis problemas. Já o eixo do trabalho não deve ser compreendido enquanto trabalho alienante, tal como proposto por Pinel e seu tratamento moral. O trabalho deve, isto sim, ser utilizado enquanto ponto de partida, e não ponto de chegada: é através da possibilidade de trabalhar e de ganhar pelo trabalho que o sujeito se reconhece enquanto sujeito de direito e sujeito de desejo. O processo de reabilitação psicossocial exige, a partir do exercício dos três eixos, não apenas uma relação entre técnicos e moradores, mas entre os diversos atores envolvidos no desenrolar das instituições que, no caso dos SRTs, seriam técnicos, moradores, famílias e comunidade (SANTOS, 2008). Os técnicos são vistos, dessa forma, enquanto peças fundamentais na construção dos eixos supracitados, servindo como mediadores do processo entre os usuários e o contexto. É nessa medida que faz-se necessário o esforço dos técnicos no sentido de promover a singularidade dos sujeitos, adotando estratégias que viabilizem o exercício.

(29) 29. de suas potencialidades, objetivando a construção de uma melhor qualidade de vida para os usuários (RANDEMARK, 2009).. A contratualidade do usuário, primeiramente, vai estar determinada pela relação estabelecida pelos próprios profissionais que o atendem. Se estes podem usar de seu poder para aumentar o poder do usuário ou não. Depois pela capacidade de se elaborar projetos, isto é, ações práticas que modifiquem as condições concretas de vida, de modo que a subjetividade do usuário possa enriquecer-se, assim como, para que as abordagens terapêuticas específicas possam contextualizar-se (KINOSHITA, 2001, pp. 56-57).. A reabilitação psicossocial é compreendida, então, como um processo de estabelecimento ou de resgate de cidadania, a qual deve ser entendida enquanto admissão da pluralidade de sujeitos, com suas singularidades e diferenças, como afirma Amarante (1996). No entanto, vários autores (PITTA, 2001; SARACENO, 2001b; BERTOLOTE, 2001) apontam algumas críticas tanto na utilização do conceito de reabilitação psicossocial quanto no desenvolvimento dos serviços ao utilizarem essa nomenclatura. De acordo com Pitta (2001), a utilização do termo Reabilitação Psicossocial traz consigo alguns valores implícitos quando analisado a partir de sua etimologia. Para a autora, o prefixo RE apresenta a idéia de movimento para traz e/ou repetição. Já HABILITAÇÃO é o fato de habilitar-se através da aquisição de conhecimentos, aptidões, capacidades. Já do ponto de vista jurídico, esse termo ainda apresentaria a idéia de formalidades necessárias para aquisição de um direito ou demonstração de capacidade legal para exercício de alguma atividade.. Quando juntos na palavra Reabilitação, impõe um sentido de recobrança de crédito, estima ou bom conceito perante a sociedade. Recupera faculdades físicas ou psíquicas dos incapacitados e é este sentido “ortopédico” de reabilitação de funções físicas o que mais facilmente ocorre no imaginário brasileiro. Os serviços de reabilitação física existem concretamente e são conhecidos e utilizados pelos usuários, prevalecendo um modelo mecânico de concerto de disfunções,.

(30) 30. fraturas, buscando um retorno à fisiologia “normal” (PITTA, 2001, p. 23).. Outra crítica advém do fato de que o termo re-habilitar carrega implicitamente a idéia de um retorno a um passado considerado normal, o qual deve ser retomado a todo custo, produzindo: tensão em relação a um passado inexistente; referência à idéia de cura, revelando a insistência de normalização e de controle social; a exigência de um resgate, o qual reproduz o estigma de redimir a doença; a separação dos âmbitos da cura, reabilitação e prevenção (VENTURIN; GALASSI; RODA; SERGIO, 2003). Outra crítica que alguns autores realizam (SARACENO, 2001b; BERTOLOTE, 2001) reside no fato da reabilitação social ser uma prática à espera de teoria. Segundo Saraceno (2001b), as práticas terapêuticas derivadas da prática clínica são consideradas, atualmente, insatisfatórias, posto que as doenças mentais são uma das poucas doenças onde a morbidade não tem se modificado no curso do tempo. Para o autor, enquanto a clínica vem gerando um modelo insatisfatório, outras práticas, como a reabilitação psicossocial, vêm demonstrando alcançarem bons resultados. Apostando na idéia de negociação, a reabilitação psicossocial tem apostado no aumento da capacidade relacional do sujeito a partir das trocas sociais. No entanto, ainda que as teorias que embasam a reabilitação psicossocial possam estar em construção, o autor adverte para o perigo de velhas práticas serem retomadas:. A ideologia de capacitar os descapacitados a tomarem partido numa sociedade forte e, então, pensar a Reabilitação Psicossocial como um processo de fortalecimento de fraquezas, ou ideologias populistas que pensam que os fracos devem ser apoiados pois a sociedade, muito má, os condenou à marginalidade, que é um ranço de uma retórica reabilitivopopulista muito perigosa e ideológica (SARACENO, 2001b, p. 152)..

(31) 31. Para o autor, o desafio para a construção de uma teoria que oriente a prática da reabilitação psicossocial é justamente o de reconstruir um campo de encontro entre usuários e profissionais que produza sentido.. É a produção de sentido, em lugar da reprodução, de um encontro onde as identidades estão há muito tempo prédefinidas: “Eu sou TO, você é psicótico”. O encontro de maus profissionais, conhecimentos técnicos e identidades préestabelecidas gera reprodução de doença, reprodução de poderes, reprodução de ideologias. Reprodução no lugar de produção de sentido, ou seja, produção de saúde (SARACENO, 2001b, p.153).. Neste sentido, Bertolote (2001), em consonância com Saraceno (2001b), afirma que a reabilitação psicossocial deve estar preocupada também com questões relacionadas à linguagem, posto que a reprodução de antigas práticas hospitalocêntricas podem continuar através da utilização de determinados conceitos, por exemplo.. A linguagem da reabilitação passa ao largo da terminologia médica, e até por hábito, tradição ou vício, nós estaremos prestando um desserviço à Reabilitação Psicossocial e às pessoas que dela poderiam se beneficiar. O conceito com os quais estamos trabalhando de deficiência, incapacidade, de desvantagem, me parece que suprem e superam com grandes vantagens a terminologia médica de doença, síndrome ou transtorno (BERTOLOTE, 2001, p. 157).. Por todas as críticas expostas até o momento, e também na tentativa de estabelecer um novo sentido ao conceito de reabilitação psicossocial, passaremos a utilizar o termo habilitação psicossocial, posto que ele permite: olhar para um presente que contém os condicionamentos do passado, mas que se abre a perspectivas que avançam para além das doenças e seus determinantes; e poder voltar-se à parte saudável e não àquela doente do paciente, desenvolvendo as potencialidades e possibilitando a construção de uma identidade positiva para o sujeito. Portanto, se podemos utilizar a metáfora da remoção de barreiras para compreender a habilitação psicossocial, temos que começar a remover as barreiras.

(32) 32. lingüísticas, as barreiras comunicacionais que dificultam a vida daqueles que estão envolvidos de alguma maneira com a prática da habilitação psicossocial.. 2.3 A Reforma na cidade de Recife – PE O início do movimento de Reforma Psiquiátrica na cidade de Recife – PE data do começo da década de 1990 (COUTO et al., 2001; OLIVEIRA, 2008). Segundo Couto et al. (2001), foram criados um conjunto de propostas e dispositivos sanitários que possuíam como objetivo promover uma política de desospitalização progressiva, a medida em que eram criados recursos assistenciais extra-hospitalares e da integração da atenção em Saúde Mental ao Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Leite (2009), a política de Saúde Mental empreendida na cidade de Recife – PE, tem se configurado a partir dos questionamentos realizados diante da qualidade da assistência oferecida aos usuários de tal política. A questão posta por tal política é a de não curar a doença mas, isto sim, cuidar do sujeito, compreendendo-o a partir de sua singularidade. Dessa maneira, dentro do processo de municipalização dos serviços de saúde, foram instituídos os seguintes pressupostos para atuação na área de Saúde Mental:. redimir não apenas o sintoma, mas ir além destes, compreendendo a complexidade da existência do sujeito, seus desejos e necessidades; possibilitar a este sujeito a construção de estratégias capazes de diminuir tal sofrimento e aumentar o seu poder de contratualidade com a família e a vizinhança garantindo o seu espaço social independente de sua forma de ser e compreender o mundo (LEITE, 2009, p.15). Em relação aos seus objetivos, tal política pretendeu firmar o modelo de atenção territorial baseada na divisão da cidade em distritos, compreendendo todos os níveis de atenção em saúde; realizar a inclusão social dos usuários junto às suas famílias e comunidade, desenvolvendo o processo de habilitação psicossocial; desconstruir a atenção baseada no modelo hospitalocêntrico; discutir a idéia de transversalidade dentro da área da Saúde Mental..

(33) 33. Foram implantados, na tentativa de concretizar a política descrita acima, diversos serviços substitutivos. Em 2001, a cidade possuía apenas um CAPS público, sendo este número continuamente ampliado a partir da implantação de mais 14 CAPS, localizados em diferentes distritos, sendo sete para adultos com transtornos psíquicos (um atendendo em regime de 24 horas), dois CAPSi (voltados para os usuários infantojuvenis) e seis CAPSad (que atendem pessoas que desenvolveram transtornos causados pelo uso de álcool, fumo e drogas ilícitas). Vale destacar que cinco CAPSad possuem albergues terapêuticos, que são pensões protegidas destinadas àqueles usuários que necessitam de atenção intensiva (LEITE, 2009). Foram implantados, também, diversos ambulatórios de Psiquiatria e Psicologia distribuídos nas Políclinicas instaladas em 10 unidades de saúde e foram mantidos os seis hospitais privados e conveniados ao SUS, os quais disponibilizam 1.384 leitos. Também encontramos o Projeto ReHabitar enquanto um dos principais eixos articuladores das propostas de Saúde Mental no município de Recife - PE. De acordo com Mendonça (2007), seu principal objetivo é promover a vida autônoma aos pacientes no contexto extra-institucional, sendo constituído, de acordo com Leite (2009), pelo Projeto de Volta à Família e pelo Projeto de Residências Terapêuticas. Segundo a autora, o Projeto de Volta à Família, destinado àqueles que residem em hospitais psiquiátricos e instituições asilares que têm condições de retornar à sua comunidade e família, também compõe o projeto ReHabitar, assim como o projeto de Residências Terapêuticas, o qual é composto por quatorze SRTs, localizadas nos seguintes bairros: Cajueiro, Campina do Barreto, Tamarineira, Casa Amarela, Iputinga, Cordeiro, Afogados e IPSEP, distribuídos em cinco Distritos Sanitários (II, III, IV, V e VI). O projeto de Residências Terapêuticas foi iniciado em 12 de Novembro de 1999, quando foi implantado um Lar Abrigado dentro do espaço hospitalar. No entanto, Leite (2009) afirma que essa experiência não foi a primeira do Estado, posto que há o registro de duas experiências semelhantes no Hospital Alcides Codiceira, localizado no município de Igarassu – PE. Além disso, esta não foi a primeira experiência na qual se buscou a desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos e seu retorno à comunidade no Estado de. Pernambuco.. Segundo. Oliveira. (2008),. houve. uma. experiência. de. desinstitucionalização datada da época em que o psiquiatra Ulisses Pernambucano.

(34) 34. assumiu o cargo de diretor do antigo Hospício da Tamarineira, o qual era denominado, naquela época, de Hospital de Doenças Nervosas e Mental. Por volta da década de 1930 e sob coordenação-geral de Ulisses Pernambucano foram instituídas uma série de dispositivos de assistência aos doentes mentais: o Manicômio Judiciário, a Colônia Agrícola de Barreiros, o Serviço Aberto, o de Higiene Mental, e o Serviço de Assistência a Psicopatas de Pernambuco. Todo esse aparato tinha como função combater e estancar o aumento de casos de doenças mentais no Estado de Pernambuco através, inclusive, da realização de pesquisas e da profusão do conhecimento gerado na Academia. Dos serviços supracitados, cabe destacar aqui, devido ao nosso objeto de estudo, o Serviço Aberto. Tais serviços possuíam como premissa a idéia de assistência heterofamiliar, a qual consistia na adoção, por parte de alguma família, de algum doente mental que, comprovadamente, não oferecesse perigo a ninguém. A família que acolhesse o doente mental também receberia um determinado valor destinado à ajudar com as despesas do novo morador. Assim, todos seriam beneficiados: o próprio doente mental e sua terapêutica, a família que o acolhia, e as finanças do Estado. Dessa maneira, como podemos observar pelo exposto até o momento, os SRTs são dispositivos de fundamental importância para o avanço da Reforma Psiquiátrica e do processo desinstitucionalização no Brasil. Enquanto que em 2004, o país possuía 1.363 moradores em SRTs, em 2009 esse número sobe para 2.829. Tal fato também é apontado pelo número de SRTs implantados no país: em 2004 encontramos 262 SRTs distribuídos por 14 estados brasileiros, dos quais 5 operavam em Pernambuco (BRASIL, 2004). Já em 2009 encontramos um total de 533 SRTs em funcionamento no país, dos quais 14 SRTs estão localizados em Pernambuco, além do que estão em processo de implantação mais 10 SRTs nesse mesmo estado (BRASIL, 2009). A partir de sua implantação, os SRTs objetivam o encontro dos egressos de hospitais psiquiátricos com a cidade, tendo em vista a possibilidade de circulação das diferenças, de produção de novas subjetividades, enfim, de viver na cidade, objetivando a construção de uma inserção cidadã. Porém, tal como nos alerta Dimenstein (2007, p.26), “não se trata apenas da substituição dos hospitais psiquiátricos; é preciso desmontar dispositivos práticos e.

(35) 35. discursivos que, diferentemente daqueles presentes nas formas asilares de tratamento, apresentam-se como novas clausuras invisíveis”. Destarte, a referida autora nos instiga a questionar se realmente há uma mudança no olhar sobre a loucura ou se ocorre a reprodução de práticas de controle. Os serviços substitutivos seriam esses locais que proporcionariam um novo olhar sobre a loucura ou, ao contrário, seria um deslocamento do antigo hospital psiquiátrico subjugando ainda mais severamente os sujeitos: a prisão sem grades? Nesse sentido, os cuidadores podem ter uma função dúbia nos SRTs: podem tanto funcionar enquanto facilitadores do processo de habilitação psicossocial através da organização de atividades dos moradores junto à comunidade, por exemplo; ou podem exercer uma função coercitiva: os cuidadores podem funcionar enquanto agentes que ditam o que é permitido ou proibido na casa, instituindo suas próprias regras. Perguntamo-nos, então: O discurso reformista faz parte do repertório lingüístico dessas pessoas? Esses sujeitos conhecem o discurso reformista? Se conhecem, como definem o processo de Reforma Psiquiátrica? Como se posicionam em relação ao processo? Se percebem implicados nesse processo? Quais as posições identitárias que constroem sobre si mesmos e sobre os moradores? Para tanto, na realização dessa pesquisa, utilizamos o referencial teórico proposto pela Psicologia Discursiva. Dessa forma, consideramos necessária, nesse momento, uma breve explanação sobre os principais conceitos que embasam a teoria utilizada.. 3. PSICOLOGIA DISCURSIVA O material discursivo coletado para este estudo foi analisado a partir do referencial teórico da Psicologia Discursiva. Dessa maneira, consideramos de fundamental importância explicitarmos aqui o que é a Psicologia Discursiva, além de apresentarmos uma breve história de sua constituição e seus principais conceitos. Segundo Wiggins e Potter (2008), a Psicologia Discursiva estuda a maneira como os conceitos psicológicos são construídos, entendidos e compartilhados nas interações cotidianas e em situações institucionais..

Referências

Documentos relacionados

Excluindo as operações de Santos, os demais terminais da Ultracargo apresentaram EBITDA de R$ 15 milhões, redução de 30% e 40% em relação ao 4T14 e ao 3T15,

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

Este artigo busca problematizar a disciplina de canto orfeônico na era Vargas, situando-a como uma biopolítica estratégica na difusão do discurso positivo sobre

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) apresenta à categoria e à sociedade em geral o documento de Referências Técnicas para a Prática de Psicólogas(os) em Programas de atenção

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

São considerados por Morton (1978) “os verdadeiros capitalistas da „indústria‟ madeireira do período colonial tardio”.. investimentos por eles propostos, como as já

Dois termos têm sido utilizados para descrever a vegetação arbórea de áreas urbanas, arborização urbana e florestas urbanas, o primeiro, segundo MILANO (1992), é o

De acordo com a legislação portuguesa, estão sujeitos a receita médica os medicamentos que possam constituir um risco para a saúde do doente, direta ou