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Após este resgate histórico acerca da questão da loucura em nossa sociedade e de como tem se mostrado este encontro da temática com o campo da Justiça, passando pela breve apresentação da instituição Defensoria Pública, palco da presente pesquisa, neste capítulo o intuito é focar nas especificidades da Psicologia e nas contribuições de suas/seus profissionais para esta área.

Sabe-se que a Psicologia foi inserida no Sistema de Justiça com a expectativa de que contribuísse no campo da psicopatologia, nos manicômios judiciários (MITSUKO, 2003, p. 58). Assim, neste contexto, da mesma forma que a Psiquiatria foi chamada a atuar nesta interface com o Direito na produção de perícias e pareceres sobre os sujeitos, da Psicologia também era esperado que realizasse avaliações psicológicas e diagnósticos que amparassem as decisões judiciais. Desta forma, a entrada de psicólogas/os nesta área se deu no papel da/o perita/o, avaliador/a supostamente neutra/o, que com o seu saber-poder vai dizer da/o outra/o, seu “objeto de estudo”.

Foucault (1999) já havia relacionado estas formas de exame, utilizadas inclusive pela Psicologia, a controles políticos e sociais. Se pensarmos nas instituições judiciárias, controles estes ligados e legitimados pelo poder do Estado. Nos capítulos anteriores deste trabalho já se refletiu acerca destas alianças – suposto saber científico “quase que inquestionável” que se junta ao poder da “justiça” e aplica medidas de controle, segregação, violência a algumas pessoas indesejadas, tendo como justificativa uma suposta manutenção da organização, defesa, bem-estar social e até tratamento (mas que, conforme exposto, não costuma ocorrer nestes modelos). Também já foram levantados aspectos acerca de instituições como os manicômios judiciários, por exemplo, e apresentadas críticas a este modelo, violador de direitos e da saúde mental das pessoas ali internadas. Pois bem, e foi justamente neste “papel” que a Psicologia foi inserida no Sistema de Justiça: no lugar de avaliar, categorizar, diagnosticar, para embasar decisões que, muitas vezes, serão voltadas a práticas que segregam, violentam, adoecem.

Posteriormente, as possibilidades de atuação foram se ampliando, e a Psicologia também passou a ser inserida nas Varas de Família e da Infância e Juventude (BERNARDI, 1999). Mas esta “marca” histórica do lugar de avaliador/a se faz presente até hoje. A avaliação – no sentido de se utilizar o olhar da Psicologia para analisar a dinâmica de uma pessoa, uma família, um grupo, suas relações, sua(s) história(s) não é um problema em si. A

questão é o modo como esta avaliação é feita, como é apresentada, a maneira como pode ser utilizada e – o mais importante, penso eu – os impactos que esta avaliação pode ter para a vida das pessoas envolvidas.

Muitos estudos (OLIVEIRA, 2011; LIMA, 2007; MIRANDA JÚNIOR, 1998) apontam que tais avaliações são, na maioria das vezes, realizadas sem crítica, com análises subjetivas individuais descontextualizadas dos aspectos sociais, e acabam endossando medidas meramente classificatórias, estigmatizantes e de controle às pessoas, trazendo graves consequências e privações de direito.

Patto e Mello (2012) no artigo “Psicologia da violência ou violência da Psicologia”, refletiram acerca da atuação de psicólogas/os na interface com a justiça e verificaram que este lugar de “poder dizer” sobre as pessoas pode acabar seduzindo as/os profissionais, as/os quais, muitas vezes, tecem documentos que acabam se reduzindo a julgamentos e descrições das pessoas atendidas. Com este recorte, a preocupação e atenção da/o psicóloga/o não parece estar no cuidado, na garantia de direitos ou possíveis violações sofridas pelas pessoas avaliadas/ atendidas, mas sim volta seu trabalho para a produção de conclusões sobre a personalidade das pessoas. Nessa linha, tem-se um grande problema: além do risco às pessoas atendidas, a ciência com profissionais capazes de colaborar com o cuidado e a construção da cidadania acaba ficando comprometida e ameaçada.

Crochík e Patto (2012) utilizam a expressão “Pedindo socorro à parede” (2012,p. 137) para descrever o (des)encontro das pessoas e famílias – envoltas nos processos judiciais, em situações quase sempre desgastantes emocionalmente, tais como violências e conflitos – com psicólogas/os que, tantas vezes, apresentam postura mais de investigadoras/es de sua personalidade do que operadoras/es do suporte, do acolhimento, da escuta e da compreensão num sentido mais amplo. Aqui, para ilustrar esta postura, retomo o conto de Machado de Assis novamente e a figura de Simão Bacamarte, “frio como um diagnóstico”(ASSIS, 1990, p.26). Interessante notar que na apresentação da 17ª ed. desta obra (1990), o crítico José Carlos Garbuglio discorre sobre a ironia com que Machado de Assis trata Simão Bacamarte, que é exatamente a ironia com a qual “o autor vê uma ciência que, mal assentada, transforma seus adeptos em cegos aplicadores dos princípios que a enformam” (ASSIS, 1990, p.7). Este crítico também compara Bacamarte aos “cegos” aplicadores da Psicanálise, quando esta é feita sem crítica ou sem considerar o contexto em que é aplicada.

Basta retomarmos os ideais éticos que regem a profissão26, com diretrizes que devem inspirar o trabalho de psicólogas/os – tais como: “I.[...]promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, “II.[...]promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuir para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, além de “III[...]atuar com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural” – para averiguarmos que a atuação pericial nos moldes acima apontados que promove – por ação ou omissão – ou embasa medidas judiciais de violência, segregação e estigmatização não está alinhada com estas bases da Psicologia.

Importante refletir acerca do contexto em que estas práticas se dão, a fim de que não se julgue, igualmente, estas/es profissionais, sem que sejam levantados elementos deste campo que, certamente, influenciam em seu trabalho. Explico: o campo jurídico é marcado por relações de poder e instituições fortemente hierarquizadas, centralizadas na figura do operador de Direito. No caso do Poder Judiciário – onde estas práticas psicológicas foram sendo desenvolvidas – centradas na figura da/o magistrada/o, autoridade máxima nestas instituições. Neste contexto, não são raros os relatos das relações de poder, que oprimem também as/os psicólogas/os, muitas vezes alvo de assédios, pressões e imposições, inclusive trazendo riscos à sua autonomia técnica e, consequentemente, podendo prejudicar a qualidade e a criticidade de seu trabalho.

Estudos como os de Arantes (2011) corroboram com esta análise. Cabe destacar que esta postura de tentativa de “dominação” de um “saber” sobre o outro se dá igualmente na relação do Direito com outras áreas, como por exemplo, com o Serviço Social (FÁVERO, MELÃO, & JORGE, 2011). Neste jogo de forças, muitas vezes as/os profissionais são oprimidas/os e acabam oprimindo também. Como se reproduzissem o modelo de opressão, “descontando” em quem é possível, contra quem têm poder: a própria população atendida (ainda mais quando se trata da população já em situação de vulnerabilidade e exclusão), através de seus laudos.

Observando os desafios que se colocam para a Psicologia neste campo de atuação, tendo também como referência denúncias éticas que são apresentadas contra muitas/os

26 Conforme o Código de Ética Profissional do Psicólogo, disponível em https://site.cfp.org.br/wp-

profissionais, os Conselhos Federais (CFP) e Regionais (tais como o CRP) têm promovido, nos últimos anos, muitos encontros, debates e elaborado publicações, tanto para ouvir as/os profissionais, quanto para produzir diretrizes de atuação, tentando conciliar os desafios da prática com os referenciais teóricos da Psicologia e os preceitos éticos da profissão. Nessa linha, só no ano de 2010 foram publicadas três resoluções que abordam temas referentes à atuação neste campo: 008/2010, que fala da atuação do perito e do assistente técnico; 009/2010, que trata da atuação de psicólogas/os no âmbito prisional e suspende a realização do exame criminológico e a 010/2010, que orienta a escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência. Não é intenção – e nem seria possível – abordar todos estes assuntos na presente pesquisa, mas daremos destaque especial à resolução 009/2010 a título de análise da relação entre Psicologia e Direito.

Posicionar-se contra modelos impostos e solicitações das/os juízas/es – ou de outras profissionais com formação em Direito em instituições jurídicas hierarquizadas – é um desafio recorrente. No âmbito do sistema prisional, há muito tempo se discute se é papel da Psicologia elaborar um tipo de avaliação específico, nomeado “exame criminológico”, que muitas vezes é relacionado a prever a possibilidade – ou não – de uma pessoa voltar a cometer um crime, atestando a chamada “cessação de periculosidade”, que muitas vezes é colocada como requisito para progressão de regime da pessoa presa ou mesmo trazer sua liberdade.

Psicólogas/os que atuam na área têm vários questionamentos em relação a esta prática, tais como: identificam ampla precariedade de condições e recursos no ambiente prisional, o que impede, muitas vezes, uma atuação qualificada e ética dos profissionais da Psicologia; expõem que este modelo acaba desconsiderando as condições de execução da pena, que são variáveis poderosas e que interferem em um processo de avaliação; apontam que uma avaliação psicológica pressupõe rigores éticos e técnicos, que preconizam o consentimento da pessoa avaliada e não uma submissão obrigatória, tal como se caracteriza o exame criminológico, dentre outros aspectos. Com isso, o exame criminológico acaba gerando expectativas reducionistas e simplistas quanto à possibilidade de prever o comportamento futuro da pessoa presa, visto que o comportamento é fruto de um conjunto amplo e diversificado de determinantes. O documento do CFP27 destaca que o exame criminológico, em sua previsão e essência determinada pela Lei de Execuções Penais (LEP), não se refere à análise de cessação de periculosidade e tem como fim exclusivo, de acordo com a LEP, a

27 Vide discussão do tema em no site do CRP, disponível em:

“individualização da pena”, como forma de propiciar o retorno da pessoa presa ao convívio social. Ocorre que, na prática, este sentido parece ter se deturpado. Além disso, as normativas do CFP ressaltam que o conceito de periculosidade não encontra respaldo na ciência psicológica, pois se trata de um conceito advindo do campo jurídico criminal.

O Exame Criminológico é montado a partir de fragmentos de discursos remendados pela Psicologia, Psiquiatria e Serviço Social com o objetivo de criar uma ideia sobre a pessoa que a ele foi submetida. Esses fragmentos são recortes de comportamentos, sentimentos, fantasias registrados pelos profissionais nas entrevistas para o Exame Criminológico e apresentados como se fossem a totalidade do entrevistado. Para costurar esses remendos, que linhas e agulhas são utilizadas? Ao que parece, são as mesmas linhas que tecem os valores hegemônicos da nossa sociedade: ‘configuração familiar’, ‘residência fixa’, ‘trabalho formal’, ‘padrões de normalidade’, ‘bom comportamento’, somados ao tipo do delito cometido. As agulhas direcionam esse alinhavo para o ‘mérito” do condenado e para o “livre convencimento’ dos atores envolvidos nessa tarefa de ratificar ou não a existência de uma suposta periculosidade. Esses critérios, no entanto, têm sua validade questionada [...] quando se indaga: ‘e se a pessoa não atende a esses critérios, o lugar dela será pra sempre na cadeia?’[...]”

(FREITAS, 2013, p. 64, destaques nossos).

A Resolução do CFP que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pela(o) psicóloga(o), decorrentes de avaliação psicológica (n° 007/2003), orienta no sentido de que as/os profissionais recusem o uso dos instrumentos, técnicas psicológicas e da experiência profissional da Psicologia para a sustentação de modelos institucionais e ideológicos de perpetuação da segregação aos diferentes modos de subjetivação. Quando necessário, sugerem uma intervenção sobre a própria demanda e a construção de um projeto de trabalho que aponte para a reformulação dos condicionantes que provoquem sofrimento psíquico, violação dos direitos humanos e manutenção das estruturas de poder que sustentem condições de dominação e segregação.

A partir de vários eventos e espaços de discussão entre a Categoria28, o CFP construiu uma resolução com diretrizes para a atuação da/o psicóloga/o no sistema prisional, a Resolução n. 009/ 2010, que indicava “formas de qualificar a atuação e garantir que os serviços fossem executados de maneira responsável e com qualidade, respeitando os

28 Dentre os quais destaca-se: Pré-Congressos e Congressos Nacionais de Psicologia (2004 a 2010), no I Encontro

Nacional de Psicólogos do Sistema Prisional em parceria do CFP com o Departamento Penitenciário Nacional (Brasília, 2005), no II Seminário Nacional sobre o Sistema Prisional, onde foi deflagrada a moção contra o exame criminológico (Rio de Janeiro, 2008), e no Seminário Psicologia em Interface com a Justiça e Direitos Humanos: Um Compromisso com a Sociedade (Brasília, 2009).

princípios éticos que sustentam o compromisso social da profissão” (REISHOFFER e BICALHO, 2017, p. 38). Algo que gerou discussão foi o fato desta normativa ter: “[...] vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado” (CFP, 2010, Art.4ºa).

Ocorre que, pouco tempo depois da publicação desta Resolução, o CFP teve que suspender seus efeitos da Resolução 009/2010, tendo em vista uma Recomendação da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, que requereu a suspensão da resolução, sob pena de que o CFP respondesse à Ação Civil Pública, em caso de descumprimento. Cabe apontar que, o conflito era justamente com representantes do judiciário, os quais são os mesmos a julgarem (outras pessoas, mas do mesmo universo “corporativo”, digamos assim), ou seja, darem a decisão final sobre eventuais conflitos. Diante disso, levantamos o seguinte questionamento: neste tipo de embate, há espaço para discussão, reflexão e diálogo? Reishoffer & Bicalho(2017) assim descreveram este conflito:

Um grande impasse estava instalado. De um lado, o Conselho Federal de Psicologia buscando qualificar a atividade do psicólogo dentro das prisões, afastando-o de práticas periciais que são realizadas acriticamente, buscando retirá-lo da função de reprodutor da lógica criminalizante do cárcere e que, hegemonicamente, produz atuações contrárias aos fundamentos que regem seu código de ética e aos princípios do compromisso social da profissão; e do outro, grande parcela do poder judiciário que mantém a posição de que é necessário tal respaldo “científico” no momento de uma decisão judicial que mudará a vida de diversas pessoas.

(REISHOFFER e BICALHO, 2017, p. 39) Com disso, o Conselho Federal voltou a se reunir com representantes dos Conselhos estaduais e foi aprovada uma outra Resolução (CFP 012/11), a qual revogou a 009/10. A nova resolução manteve a proibição da realização de avaliações para subsídio de decisão judicial, mas apenas “pela(o) psicóloga(o) que atua como profissional de referência para o acompanhamento da pessoa em cumprimento da pena ou medida de segurança, em quaisquer modalidades como atenção psicossocial, atenção à saúde integral, projetos de reintegração social, entre outros” (art. 4º, a), determinando que ficariam “vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito-delinquente” (CFP, 2011, art. 4º, § 1º).

Vê-se o difícil dilema que se impõe às/aos trabalhadoras/es deste campo. De um lado os princípios éticos, técnicos, bem como o compromisso social da profissão, de outro uma pressão para produzirem laudos nos moldes encomendados pelos operadores do Direito, para embasarem suas medidas punitivas. Rauter (2007, p. 43) conclui que: “Os psicólogos que atuam em prisões podem estar ameaçados caso não se proponham a reproduzir a engrenagem da instituição carcerária através de sua atuação” (RAUTER, 2007, p. 43).

Com essa situação, é possível notar que profissionais da Psicologia têm buscado construir outros modos de atuação no campo penal, que possam contribuir para a retomada da vida em liberdade para estas pessoas, reduzindo o sofrimento emocional, fortalecendo as relações, minimizando os impactos prejudiciais do encarceramento, visando à retomada de laços sociais e uma efetiva e transformativa reinserção na sociedade.

Assim também tem ocorrido em outras instituições do campo sociojurídico, onde – apesar dos obstáculos, conflitos, relações de poder/opressão e desafios impostos, como trouxemos na situação acima exposta – psicólogas/os têm construídos práticas mais alinhadas com a perspectiva do cuidado e da garantia de direitos, distanciando-se do papel desta perícia individualizante com viés de ciência positivista.

Um novo lócus de trabalho para psicólogas/os na interface com a Justiça que tem mostrado práticas inovadoras, alinhadas com a perspectiva dos Direitos Humanos e saindo do papel de avaliação dos sujeitos é o Núcleo de Assessoria Técnica Psicossocial (NAT) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), instituído em 2012. O NAT – e, consequentemente as/os psicólogas/os que o compõem – tem por atribuição principal a realização de avaliações e acompanhamento de políticas públicas sociais e serviços, em detrimento das avaliações individuais. Assim, as profissionais focam o seu olhar nas políticas públicas e no que estão oferecendo – ou não – à população, com vistas à garantia de direitos e combate às eventuais violações (SOUZA et al, 2019).

Nas Varas de Infância e Juventude e de Família também é possível encontrar profissionais mostrando preocupação com esse lugar muitas vezes ocupado por psicólogas/os (de produtor/a de laudos que endossam medidas de privação e violência) e que têm construído práticas diferenciadas, indo para além da ideia de avaliação. Por exemplo, Suannes (2011), problematiza o modelo pericial e propõe uma escuta analítica que contenha uma possibilidade de ação junto a famílias que procuraram o Judiciário para resolver conflitos intrapsíquicos ou intersubjetivos. Com isso, traz uma compreensão do espaço da avaliação psicológica nas

Varas de Justiça também como lugar de cuidar para a Psicologia. Ela sustenta que, embora não seja uma instituição de saúde mental, o Judiciário acaba sendo o lugar que as pessoas procuram e, nele, acabam levando suas dores e esta demanda deve ser acolhida (SUANNES, 2011).

Em relação ao trabalho de psicólogas/os em Defensorias Públicas, na pesquisa realizada após os primeiros anos de atuação (CAVALCANTE, 2015), na qual foram entrevistadas as/os primeiras/os psicólogas/os da instituição e analisadas as práticas que estavam sendo construídas, foram apresentadas ações diferenciadas em relação às tradicionais perícias. Desde o início, via-se presente entre as/os profissionais uma preocupação em não se reproduzir este modelo de “avaliador/a supostamente imparcial, distante e científico”, que se relacionaria com a pessoa atendida como objeto, ainda mais tendo em vista a população pobre e historicamente oprimida atendida na Defensoria.

Pode-se ver que as/os psicólogas/os desta instituição têm desenvolvido atendimentos (individuais, a famílias e a grupos) - inclusive tentando fomentar diálogo em situações de conflito-, ações de articulação com a Rede de serviços e projetos de educação em direitos, dentre outras possibilidades de atuação (CAVALCANTE, 2016; BARROS,2015)29.

Retomando, mais especificamente, o foco do presente trabalho, os casos do campo da Saúde Mental, destaca-se que esta sempre foi uma das grandes expectativas das/os defensoras/es quando da entrada de psicólogas/os na instituição, em 2010: elas/es esperavam que, com as contribuições da Psicologia pudessem enfrentar de modo mais qualificado – e menos angustiante – as situações envolvendo pessoas em sofrimento mental (muitas vezes com discursos delirantes) e as famílias que, corriqueiramente procuravam a instituição desde o seu nascimento (2006). Lembro de um defensor (já bastante experiente) que me contava que estudou muito no curso de Direito e para passar no concurso na DPESP. Conseguiu! E uma das primeiras pessoas que ele – com um belo terno e entusiasmo! – foi atender na Defensoria era um senhor que se dizia com um “chip” na cabeça, implantado por um vizinho e que, a partir disso, o vizinho conseguia saber tudo que ele dizia/via e até pensava. E o vizinho podia botar vozes “dentro da cabeça dele”, devido ao “chip” também. Diante disso, ele pedia ao defensor para entrar com um processo contra o vizinho e pedir para o juiz tirar o “chip” de sua cabeça. Silêncio. Parece que foi o que se teve após o relato e o pedido inusitados. O defensor

29 Para conhecer melhor as possibilidades de atuação de psicólogas/os na DPESP, já há vários estudos e

publicações a respeito, tais como: Bernardes (2019), Cavalcante (2018), Barros et al.(2015), Gonçalves (2015), Nascimento (2014), Marra (2012).

- segundo o que me relatou – pensou: “Estudei tanto (processo civil, processo penal, Direito de família...), mas nada do que aprendi me dá instrumentos para lidar com isso”. Ele via em