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4 A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA COMO ALTERNATIVA DE

4.1 PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

A Psicologia Sócio-Histórica começou a ser constituída na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nos anos de 1970. Segundo Bock et.al. (2007), a Psicologia Sócio-Histórica surgiu em um processo de revisão e crítica com vistas à produção de conhecimento comprometido com a transformação social. Essa perspectiva teórica consiste em um conjunto de elaborações teóricas afinadas com a ideia de desnaturalização dos fenômenos sociais, sendo os seus fundamentos epistemológicos, metodológicos e ontológicos afinados com o materialismo histórico e dialético.

Do ponto de vista histórico, é importante destacar a produção teórica da professora Silvia Tatiane Mauer Lane nesse movimento. Docente na PUC-SP, Silvia Lane trabalhou na revisão crítica da produção teórica em Psicologia Social no Brasil. Em sua pesquisa de doutorado intitulada “Significado psicológico de palavras em diferentes grupos sociais”, Lane estudou o diferencial semântico de Charles Osgood4, aliado a leituras sobre a obra de Skinner, especificamente a materialidade skinneriana (BOCK, et al., 2007). A obra de Skinner acabou

4 Charles E. Osgood (1916-1991) foi um psicólogo norte-americano que se tornou conhecido pelo

desenvolvimento de uma técnica de aferição do significado dos conceitos, conhecida como Diferencial Semântico. Sua obra mais conhecida no Brasil é Método e Teoria Experimental em Psicologia, da Editora Fundação Calouste Gulbekian, 1953.

38 por aproximar Silvia Lane (1933-2006) da produção teórica da Psicologia Social Soviética. Neste caminho, a Psicologia Social Soviética, em particular a obra de Vigotsky (1896-1934), forneceu ferramentas para o desenvolvimento da compreensão da realidade material, já que essa se apoiava no materialismo histórico dialético de Karl Marx (1818-1883).

A proposta de trabalho de Silvia Lane era fazer uma revisão crítica dos conceitos, tendo como ponto de partida a realidade material. Seu projeto pretendia tornar a realidade material como parâmetro para fazer uma análise crítica das teorias e partir disto, construir novas teorias comprometidas com uma perspectiva de compreensão da dimensão social do fenômeno psicológico, com as práticas de intervenção e produção de conhecimento voltadas para a diminuição das desigualdades sociais no âmbito da realidade brasileira e de países da América Latina. Silvia Lane inaugurou um estilo de intervenção, pesquisa e produção teórica aspirando a unidade entre o saber e o fazer, conhecimento científico como práxis.

O trabalho de Silvia Lane iniciado na PUC-SP com o desenvolvimento de pesquisas na graduação e pós-graduação, somado ao trabalho realizado em comunidades e através da comunicação que sempre tentou manter com outros pesquisadores da América Latina, fizeram- na perceber a necessidade de uma nova concepção de homem para a Psicologia: um homem social e histórico. Desta forma, conseguiria superar o positivismo na forma de fazer ciência:

Se o positivismo, ao enfrentar a contradição entre objetividade e subjetividade, perdeu o ser humano, produto e produtor da História, se tornou necessário recuperar o subjetivismo enquanto materialidade psicológica. A dualidade física x psíquico implica uma concepção idealista do ser humano, na velha tradição animística da psicologia, ou caímos num organicismo onde o homem e computador são imagem e semelhança um do outro. Nenhuma das duas tendências dá conta de explicar o homem criativo e transformador. Tornou-se necessária uma dimensão espaço-temporal para apreender o Indivíduo como um ser concreto, manifestação de uma totalidade histórico-social – daí a procura de uma psicologia social que partisse da materialidade histórica produzida e produtora de homens (LANE, 1984, p. 15).

Diante do exposto, compreendemos que a Psicologia Sócio-Histórica, tomando como base a Psicologia de Vigotsky, tem a intenção de superar os reducionismos das concepções empiristas e idealistas que demarcam fortemente o campo da Psicologia (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2009). A concepção de homem para a Psicologia Sócio-Histórica é de um ser ativo, social e histórico; ou seja, de um homem social e historicamente multideterminado. Deste modo, a psicologia Sócio-Histórica não concebe o homem como um ser passivo em relação ao meio no qual está inserido. O comportamento e a ação do homem no mundo são influenciados e determinados, em todo o tempo, pelos aspectos sociais, culturais, econômicos e históricos do seu contexto (BOCK, et al., 2007).

39 Nessa perspectiva não se compreende o homem como um ser universal, homogêneo, a- histórico, e que vive isolado de um contexto. Ao contrário, os homens são compreendidos a partir da concretude das suas produções materiais e históricas. Eles se constituem e são constituídos pela relação com outros homens em contextos sociais específicos e pelas tradições da historicidade e da cultura dos povos. Dessa forma, nesta perspectiva teórica, o objeto da psicologia é a interação do homem com a realidade. Molon (2011, p. 48) afirma que “o homem é construído a partir das relações sociais”. A subjetividade surge como uma conquista humana que é resultante da atividade deste indivíduo sobre o mundo. E, nesta interação a subjetividade do sujeito é formada.

Dessa forma, o sujeito passa a ser concebido como aquele que vive em constante modificação no desenvolvimento de sua identidade/individualidade. Logo, o sujeito não é passivo na internalização de seus conteúdos individuais, ao contrário, ele se torna corresponsável pelo próprio processo de formação.

Seguindo esse entendimento, a desenvolvimento do indivíduo não depende apenas das características filo e ontogenética. O processo de apropriação do mundo consiste na modificação deste e de si mesmo, através, principalmente pela mediação da linguagem e do trabalho, sob o viés dialético. Com isso, os indivíduos são os próprios agentes de transformação de si e do mundo. E a partir da sua ação direta, o seu contexto e suas relações são modificados. Nesse sentido, a partir desta compreensão entende-se que o sujeito vive em constante transformação; construindo e reconstruindo ao longo de sua vida sua identidade, suas relações sociais e seus projetos de vida.

Vigotsky (1991) propôs que a psicologia Histórico-Cultural buscasse estudar os fenômenos psicológicos a partir do viés material, compreendendo seu papel histórico cultural. Entendendo que os fenômenos psicológicos são consequências de um processo de construção do ambiente social deste indivíduo, em que a construção subjetiva do sujeito é constituída através da interação indivíduo-meio. Deste modo, o fenômeno social não é algo natural e abstrato, ele é diante das experiências do sujeito no meio social em que ele vive, onde este sujeito é produto e produtor deste meio e do momento histórico do qual fazem parte. Nessa perspectiva, podemos compreender que a subjetividade é organizada por meio das mediações sociais; as quais são produzidas nas relações do cotidiano do sujeito.

Para a Sócio-Histórica, falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. Falar da subjetividade humana é falar da objetividade em que vivem os homens. A compreensão do "mundo interno" exige a compreensão do "mundo externo", pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o

40 homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. (BOCK; GONÇALVES; FURTADO, 2009, p. 22).

Deste modo, compreendemos que o fenômeno psicológico envolve a relação entre a realidade externa (mundo objetivo/concreto) e a realidade interna (mundo subjetivo). Ou seja, o fenômeno psicológico se relaciona com o modo pelo qual cada pessoa significa e dá sentido aos fatos do cotidiano, da sua realidade social e cultural. A subjetividade não é algo apenas interno, mas, se “constrói” na dialética entre o externo e o interno, entre o real e o simbólico.