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PSICOMETRIA E TESTES PSICOLÓGICOS A SERVIÇO DO JUDICIÁRIO

Jacó-Vilela (2002) aponta que a Psicologia Jurídica, possuía uma ligação muito próxima com os estudos empreendidos por Franz Gall na área da Frenologia11 e com os estudos de

Lombroso na área de Antropologia Criminal. Apesar de não serem psicólogos, os estudos desses cientistas foram por um tempo, apropriados pela Psicologia Jurídica por buscarem explicações para os comportamentos e a degenerescência dos criminosos, bem como sua propensão em cometer crimes e demais comportamentos delituosos, baseados em suas características antropométricas, relacionadas à condição social e a seu porte físico. Por conta disso, no entendimento de Oliveira e Vicentin (2012), o campo jurídico se converte para a Psicologia em uma instância privilegiada para o emprego de técnicas de exame e avaliação, extrapolando os limites dos laboratórios.

Em instituições como as escolas, as prisões, os hospitais psiquiátricos e os asilos, um elaborado sistema de técnicas passa a ser organizado, reunindo um saber sobre o corpo, sobre suas potencialidades, suas habilidades individuais, suas capacidades e que, remetidas a uma média construída por uma comparação entre os indivíduos, indicará o quanto ele distancia-se da média de seu grupo, demarcando o terreno da normalidade ou da anormalidade de cada um. Nesse sentido, é possível de se falar em uma tecnologia científica de avaliação psicológica, a qual foi se desenvolvendo ao longo do século XX.

Para Filho (2012, p. 110), a psicometria científica dará consistência a todo um conjunto de instrumentos científicos da Psicologia, que são social e institucionalmente reconhecidos como laudos, perícias, pareceres e psicodiagnósticos. A aplicação dos saberes e técnicas psicológicas vão propiciar uma aproximação entre a Psicologia e as práticas jurídicas, demarcando formas de enunciação, marcação, subjetivação e governo cotidiano de condutas. Nesse sentido, pode-se falar em um aumento na demanda por esses instrumentos e técnicas pelas instâncias judiciais, demarcando o papel da Psicologia como uma “justiça paralela”, atuando no refinamento de técnicas de julgamento, correção e punição.

A esse respeito, Legendre (1994) faz um alerta interessante de que os técnicos psis estejam sempre atentos para que suas ações na feitura dos laudos e pareceres não os configurem como 11De acordo com Ciasca e Rodrigues (2010), essa era uma doutrina formulada por Franz Gall segundo a qual, o

cérebro seria constituído por 35 regiões, que conteriam as faculdades intelectuais e os comportamentos emocionais (tais como generosidade, coragem, instintos matrimoniais, amor sexual, etc). De acordo com essa teoria, o maior desenvolvimento de um (ou mais) desses comportamentos resultaria em proeminências no cérebro que, por sua vez, possibilitaria identificar as diferenças individuais e propensões a cometer delitos, através da observação direta dessas proeminências na configuração externa do crânio.

um juiz oculto para o qual são solicitadas as redações de sentenças. Alerta também para o fato de que suas ações não se encaminhem a ponto de esgotarem as possibilidades de dúvidas dos magistrados a respeito do caso em julgamento, diminuindo sua capacidade de decisão. Para ele, os pareceres e laudos psicológicos devem manter seu caráter técnico, o qual será reunido às demais informações que compõem o processo, sendo de incumbência do juiz a avaliação e análise dessas informações que, em conjunto com o sistema de leis, serão as bases para se julgar e proferir a sentença sobre um determinado litígio.

Diante disso, parece primordial refletir a respeito de modos de atuação profissional dentro do espaço jurídico que extrapolem a mera produção de laudos e pareceres, questionando o lugar de especialista que é direcionado ao psicólogo jurídico na contemporaneidade.

A reflexão passa também por problematizar o espaço do TJES como uma estrutura de manutenção do status quo a partir de um posicionamento crítico, pautado nos projetos ético- políticos da Psicologia, ou seja, um projeto de atuação que esteja em sintonia com as demandas psicossociais da população (saúde, educação e inclusão, dentre outras).

Temos então que a atuação do psicólogo jurídico no TJES tem seu exercício profissional atravessado por uma realidade na qual são demandadas a ele ações que, por vezes, visam à manipulação da realidade através de documentos e de ações que expressam, muitas vezes, os interesses das classes dominantes em vigor.

Nesse aspecto, segundo Ferrari (2015, p. 12)

Torna-se comum, assim, a formulação de requisições aos profissionais do Serviço Social e da Psicologia, inscritos no campo sociojurídico, em favor de atuações de cunho tecnicista e cientificista que possibilitem a compreensão da realidade, frequentemente auferida pelo direito a partir de avaliações e intervenções guiadas por modelos idealizados pela sociedade burguesa [...].

Ainda de acordo com a pesquisadora, é desafiador manter uma prática profissional que não incorpore as verdades jurídicas e ideais políticos dos detentores do poder, mas manter uma prática potente e inventiva que seja compatível com os compromissos éticos e políticos da Psicologia.

Dessa forma, podemos entender a organização do campo da Psicologia Jurídica como uma forma sutil de governo das condutas humanas, uma instrumentalização psicológica do exercício do poder característica do fenômeno de judicialização da vida.

Cientes deste diagnóstico, parece urgente pensarmos em outras psicologias na interface com o Direito, que caminhem na direção de uma atuação profissional que contribua para a ampliar as

análises dos casos e, não apenas, em funcionar como uma mera repetição da realidade, que presta-se a reprodução de uma psicologia tecnicista, comportamentalista, restritiva ao biológico e preocupada com padrões e medidas estatísticas.

A partir desses apontamentos, cabe-nos refletir: até que ponto as cobranças por produção e aferição da verdade são imputadas aos psicólogos jurídicos do TJES atualmente? Como produzir uma prática que escape das concepções historicamente construídas de atuação do psicólogo jurídico, na qual muitas vezes eles são identificados atuando como uma justiça paralela e como mais um ponto de correção e punição dos indivíduos?

3 CLÍNICAS DO TRABALHO COMO MODO DE ANÁLISE DA ATIVIDADE DOS PSICÓLOGOS DO TJES

Este capítulo tem como objetivo apresentar as principais ferramentas de análise da atividade dos psicólogos jurídicos do TJES, como a Ergonomia, clínica Psicodinâmica do Trabalho e Clínica da Atividade e alguns conceitos utilizados na análise.

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