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Psicoterapia fenomenológica existencialista

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

3.3. Psicoterapia fenomenológica existencialista

Apresentaremos aqui resumidamente a metodologia da psicoterapia existencialista, procurando expor parte do universo conceitual por nós utilizado na aplicação das dinâmicas, e para possibilitar a compreensão da técnica rede de relações “eu e o outro”, extraída deste método e

ampliada para a rede de relações “eu e a natureza”, por nós desenvolvida visando o alcance da episteme dos alunos sobre os sistemas de SB por eles aprendidos, identificando a fundamentalidade ou não para o seu viver. Nossa preocupação detém-se na não fragmentação do conteúdo exposto, sendo assim, procuramos sempre contextualizar em seu corpo conceitual, a técnica desenvolvida.

A psicoterapia fenomenológica existencialista é fundamentada na fenomenologia existencialista moderna, apresentada através dos trabalhos de Jean Paul Sartre (1905 − 1980), e estruturada enquanto metodologia de por Pedro Bertolino. Propõe que o homem é aquilo que cada um faz de si mesmo, de sua vida, nos limites das determinações físicas, políticas e histórico-sociais que pesam sobre ele.

A psicoterapia existencialista se propõe a um trabalho de assessoramento à pessoa, localizando-a19 de seu movimento no mundo, e esclarecendo, em nível reflexivo crítico, seu projeto e

desejo-de-ser. É um trabalho de “educação de ser”. A psicoterapia é sempre desenvolvida em relação a uma personalidade que se constrói num movimento histórico, sendo capaz de transformar e reestruturar uma personalidade. Utiliza-se da descrição como um dos instrumentos capazes de captar o entendimento que a pessoa faz das situações por ela vividas. O processo descritivo é como um relato discursivo e subjetivo, valorizador das emoções e do conhecimento que a pessoa possui de si própria. O processo de psicoterapia acontece basicamente em três etapas: a compreensão histórica; a compreensão crítica e a compreensão política. Todas sendo cognitivas, ou seja, oportunizando um aprender com o operar.

A compreensão histórica tem por objetivo esclarecer, através da descrição e localização, a problemática social, psicológica, administrativa e jurídica da pessoa, contextualizando-a de seu movimento no mundo. Através da compreensão crítica levantam-se as funções das ocorrências na história da pessoa (rompimento da reflexão cúmplice) e, para isso, utiliza-se de reflexão crítica feita dentro da problemática vivida pela pessoa. Levantam-se estratégias imediatas de futuro, oferecendo visão de conjunto à pessoa, possibilitando à ação, e uma nova inteligibilidade de seu problema. Possibilita novas totalizações (reflexões críticas a respeito de algo), trabalhando-se o projeto e desejo- de-ser (para onde ele vai). A compreensão crítica objetiva responsabilidade ontológica, com visão das conseqüências de suas ações para si e para a humanidade. Por fim, a compreensão política compreende como atuar politicamente em relação à humanidade. Para que os outros não inviabilizem seu projeto e nem ele inviabilize o projeto dos outros. Passa-se à psicoterapia grupal com outras pessoas que estão no mesmo momento que ele. É necessário agir com responsabilidade social, pois somos construtores e construídos num mesmo mundo por nós criado.

19 Localização: condição oferecida à pessoa de tomar posição de si, diante de sua problemática, utilizando-se de consciência reflexiva crítica.

- Técnica rede de relações:

Uma das técnicas utilizadas durante o processo de psicoterapia fenomenológica existencialista é a rede de relações. Esta técnica objetiva localização da pessoa nas suas relações com os outros, e como conseqüência evidencia outras pessoas que são mediação ou não para realização de seu desejo e projeto-de-ser.

O viver cotidiano geralmente implica passarmos a maioria do tempo por nós vividos em presença de uma reflexão espontânea (sem posição de si). Em meio a emoções, nos relacionamos com o mundo, com os outros, com as coisas, com o tempo, sem questionarmos nosso existir, ou mesmo o caminho por nós percorrido. A força das exigências diárias nos impõe agir em função de determinadas ações em detrimento de outras. Geralmente não paramos para identificar que pessoas são meios para que realizemos nosso fim (ser quem desejamos ser). Vivemos no espontaneismo. Em presença de uma cultura e de uma educação que nos leva ao individualismo, não refletimos que estamos e somos relação a todo instante e que através delas somos constituídos e constituímos um eterno vir-a-ser.

A técnica, rede de relações, coloca a possibilidade de visão desta rede de mediações que nos constrói ou destrói, contribuindo para a saída da condição de passividade oferecida pela manutenção de uma vivência a nível pré-reflexivo. A pessoa precisa identificar o seu projeto, localizando-se no mundo, em meio a relações. Como existe espaço dos outros na construção de nosso ser, e vice-versa, não podemos resolver os nossos problemas, sem resolver os problemas dos outros também. Estamos todos ligados como em uma rede. Como afirma Sartre (1987): “meu ato individual engaja toda a humanidade”.

Os projetos são coletivos, pois o ser humano só constitui-se enquanto uma personalidade, coletivamente. O indivíduo existe apenas abstratamente, não havendo coletivo sem indivíduo e vice- versa. Nascemos em um coletivo e, a um certo momento através da reflexão, vamos nos vendo neste coletivo e demarcamos nosso lugar no mundo. Demarcando um espaço no tempo, vamos nos singularizando. À medida que escolho ser determinada pessoa, existe o outro que deseja ser outra coisa, que viveu outra história, que nasceu em outro lugar, que aprendeu a ser em outro contexto diferente do meu. Vivemos diante da contradição e das singularidades, todas construídas através de um universal e coletivo. Assim é a realidade humana, política e contraditória. À medida que nos deparamos com as diferenças, nos demarcamos e nos construímos.

Por isso, surge o desejo, essa força resultante da nossa relação com os outros. Sempre que somos exigidos, desejamos o reconhecimento dos outros que são para nós mediação. Ir para o futuro é sempre ir com alguém, para alguém ou por alguém. É corresponder às expectativas dos outros que são meio para realizarmos nosso fim (futuro).

Através da rede de relações, a pessoa consegue compreender a força que “certos outros” possuem em sua vida. Aprendendo a ser, à medida que acha seu lugar no mundo, escolhendo-se: optando por certas pessoas, certos caminhos e renunciando a outros. Localizando-se em relação a construção de seu ser, reconhece como legítimo o outro, vendo-se construtor e construído num todo transcendente, tornando-se, assim, responsável pelo mundo que cria e do qual é criatura.

A técnica rede de relações utilizada na pesquisa seguiu dois momentos: eu e os outros, ou seja, rede de pessoas (outras pessoas que são mediação para o meu ser no mundo); e num segundo momento, rede de relação eu e a natureza (outros elementos da natureza que são fundamentais para minha existência). A primeira rede de relações, foi desenvolvida em um encontro no mês de dezembro de 2002, objetivou em primeiro lugar levantar com os alunos, as pessoas que contribuíam na construção de seu ser no mundo. Buscou identificar a rede de mediação de cada aluno, fazendo-o ver- se construído e construtor, provocando assim uma atitude reflexiva. Em segundo lugar procurou colocar os participantes em contato com a técnica e com o universo conceitual próprio da fenomenologia.

O segundo momento de aplicação da técnica rede de relações, aconteceu também em um encontro no mês de dezembro de 2002, sendo aplicada a rede de relações “eu e a natureza”, na tentativa de captar o grau de importância e fundamentalidade dos elementos da natureza para o existir deste aluno e implicitamente identificar sua episteme sobre os sistemas de SB.

Ressaltamos, porém que a rede de mediação “eu e os outros” é mais profunda e significativa, pois nossa personalidade é construída na relação com esses outros que nos dizem quem somos e para os quais representamos um significado de construtor de nosso existir. Por vivermos imersos em uma cultura antropocêntrica, as maiores mediações para nosso ser no mundo, são as pessoas, ficando a natureza em segundo plano, enquanto instrumentos para o nosso existir. Tentamos estender essa rede de mediações de pessoas, para a natureza, deixando claro, porém que esta técnica foi por nós desenvolvida, visando ampliar nosso instrumento de pesquisa, alcançando com maior precisão a realidade pesquisada.

A visão excludente dos elementos da natureza precisa ser mudada. O significado dos outros e da natureza para a existência humana, precisam estar em um mesmo nível de complementariedade, relacionados e compondo uma totalidade dialogicamente construída. Somos natureza, portanto a valorização dos outros seres do ambiente deve ser tão significativa quanto é a das outras pessoas em nossa existência.