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CAPÍTULO III – CONSTRUINDO A LEI DO PISO: contradições e desafios

3.1 O PSPN ganha lugar na agenda política

Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil com apoio massivo do movimento sindical ligado à CUT e à CNTE. Entre as expectativas das duas organizações estavam a elevação do salário mínimo para o equivalente a cem dólares americanos e a instituição do piso salarial para os trabalhadores da educação básica. No entanto, o Governo Lula que, de acordo com Sader (2010), além de uma difícil situação econômica, recebera consensos construídos na vigência de políticas neoliberais, manteve alguns elementos dessas políticas e rejeitou outros. Na linha da manutenção de um rígido ajuste fiscal, promoveu a reforma da Previdência, “praticamente a primeira iniciativa política do governo que se chocou diretamente com as posições do movimento social organizado” (p. 27). Essa iniciativa levou a Confederação a organizar a primeira grande mobilização nacional – a “Marcha a Brasília”, que reuniu 40.000 pessoas –, cujo caráter foi o de resistência à perda de direitos previdenciários pelo setor público. Essa temática, além de confrontar a CNTE com outros segmentos do campo popular, retardou o debate sobre o Piso e sobre outras questões relacionadas com a valorização profissional.

Quando se restabeleceram as condições para uma agenda positiva, a Confederação percebeu que deveria abordar o assunto não só com consistência política, mas, também,

técnica. Por isso, começou a pensar nas bases materiais que pudessem dar suporte a uma nova proposta de PSPN. O grande desafio era a combinação entre o financiamento e a descentralização da educação básica.

Sob responsabilidade dos estados e municípios, o pagamento dos profissionais da educação ficava restrito aos respectivos orçamentos. A Constituição exige a destinação de, pelo menos, 25% dos recursos provenientes de impostos. No entanto, em condições desiguais de desenvolvimento, os percentuais de estados e de municípios pobres correspondem a valores inferiores aos dos estados e municípios com boa base de arrecadação. Essa desigualdade exige a instituição de políticas redistributivas e, principalmente, a participação da União no financiamento da educação básica. A realidade nacional mudou em relação às condições existentes quando da assinatura do Acordo Nacional, em 1994, quando as metas de Educação para Todos (EPT) envolviam, para muitos projetos, recursos internacionais.

Com base nessas premissas, a CNTE associou-se aos proponentes da instituição do Fundeb que, aliás, constava de suas decisões congressuais desde o início dos anos 1990, oportunidade em que a Confederação manifestou-se contrariamente à política focalizada, representada pelo Fundef. Em 2005, na efervescência da crise política provocada pelas denúncias que envolveram o poder executivo e o legislativo, a CNTE promoveu uma campanha contra a corrupção e pela aprovação do Fundeb53. Quando o governo enviou o projeto ao Congresso Nacional, a CNTE defendeu três pontos para seu aperfeiçoamento: a inclusão de creches, que não estavam previstas, a garantia da participação da União (primeiramente aumentando os recursos nominais e, no segundo momento, transformando-os em percentuais), e, finalmente, a possibilidade de instituição do Piso Salarial Profissional Nacional.

A inclusão do PSPN na regulamentação do Fundeb foi estratégica em relação ao financiamento da educação, mas apenas tática, se considerados os limites da política de fundos. Isso porque a situação ideal é a regulamentação do Piso com base nos artigos permanentes da Constituição Federal e os fundos, regulados pelas disposições transitórias, têm prazo de validade. As disposições permanentes estão expressas no art. 206, inciso VIII, que elenca, como um dos princípios do ensino, o “piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos da lei federal” (BRASIL, 1988). Já o arcabouço da legislação regulamentadora do Fundeb dispõe, no art. 60, inciso III, letra “e”, “prazo para fixar, em lei específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica” (BRASIL, 2006a).

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Entre os dois dispositivos há uma diferença conceitual sobre os profissionais da educação que, mais adiante, será analisada. No momento, o que se quer sublinhar é que, para conseguir um elevado grau de unidade parlamentar para a regulamentação da Constituição Federal, em lei, o caminho possível foi através do art. 60. Não havendo explicitação de fonte ou de vinculação automática de recursos, o processo de discussão e de votação da matéria, certamente, sofreria grande resistência. Por outro lado, o teor do art. 206, na Constituição Federal, deixou em aberto a possibilidade de retomada do tema. Isso, evidentemente, dependerá da correlação de forças entre as esferas de governo, o parlamento e os profissionais da educação na circunstância histórica em que ocorrer o debate.

A Emenda Constitucional nº 53 foi aprovada, em 2006, no último ano do primeiro Governo Lula, o que mostra o grau de dificuldade que o movimento teve para chegar a esse resultado. Antes disso, em 2005, ocorrera o que Sader (2010) interpretou como o segundo momento de crise, com as oposições articulando o impedimento de Lula, sob acusações de uso de recursos para compra de apoio de aliados, que a mídia popularizaria como “mensalão”. Esse episódio, paradoxalmente, facilitou a inserção de pautas reforçadoras do papel do Estado, pois, conforme o autor, “o governo foi resgatado pelas políticas sociais e pelo apoio popular” (p. 28).

Como a discussão sobre o PSPN só ganhou consistência no final do primeiro Governo Lula, houve uma mudança de ritmo, visando compensar o tempo perdido inicialmente. Isso coincidiu com um ano de eleições para os executivos e os parlamentos nas esferas federal e estadual quando, em função do grande envolvimento da classe política, muitas atividades públicas ficam subordinadas ao calendário eleitoral. Mesmo assim, logo após a aprovação da Emenda Constitucional nº 53, em 19 de dezembro de 2006, o Governo enviou ao Congresso Nacional, em 28 de dezembro de 2006, a Medida Provisória (MP) nº 339, com a seguinte redação:

Art. 41. O Poder Público deverá fixar, no prazo de um ano contado da publicação desta Medida Provisória, Piso salarial profissional para os profissionais do magistério público da educação básica.

Parágrafo único – O Poder Executivo enviará ao Congresso Nacional o projeto de lei de que trata o caput no prazo de noventa dias contados da publicação desta Medida Provisória. (BRASIL, 2006b)

Havia dúvidas quanto ao instrumento que seria utilizado para desencadear o processo que culminaria com a aprovação da Lei. Em uma audiência com a CNTE, o presidente Lula não só autorizou o ministro da educação, Fernando Haddad, a negociar uma proposta com a

Confederação como afiançou que, se necessário, recorreria à MP. Esse mecanismo sempre encontra algum tipo de resistência no Congresso Nacional porque, por meio dele, o executivo, de alguma forma, acaba por exercer prerrogativas legislativas. Para o movimento, porém, a medida sinalizava a disposição do Governo Lula, reeleito naquele ano, de levar o processo adiante, a fim de concretizar a legislação sobre o PSPN no ano subseqüente. De fato, em 28 de março de 2007, os ministros da Educação, Fernando Haddad, e do Planejamento, Paulo Bernardo, após discussão com o Consed e a Undime, enviaram, conjuntamente, o Projeto de Lei (PL) nº 619/2007 ao Congresso Nacional (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007). O conteúdo do PL, porém, não correspondeu ao exaustivo debate ocorrido entre a CNTE e o MEC que, em determinadas oportunidades, teve a participação do Consed e da Undime.