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Américo de Sousa (2011) encontra na temporalidade a marca distintiva dos géneros retóricos aristotélicos, defendendo que é o tempo que os determina, conforme o objecto de discussão se reporte ao passado, ao presente ou ao futuro. No seu ensaio Os géneros retóricos e a mediatização do discurso político, o investigador questiona o rígido artificialismo da teoria dos géneros retóricos aristotélicos, considerando que é precisamente a sua aparente perfeição formal e estrutural que a limita, já que, como diz, “na prática, não há géneros puros” (Idem), antes ficam sempre subordinados ao próprio contexto situacional. Conclui então que os géneros retóricos aristotélicos já não darão conta da mediatização do discurso persuasivo, dado que a praxis retórica é hoje “radicalmente distinta e em muitos casos, até oposta, à que, por certo, serviu de base à sua originária codificação” (Idem).

Serão, por isso, necessários novos géneros, tantos quantos se mostrarem necessários “em função do seu específico domínio prático teórico” (Idem), sugerindo Américo de Sousa que a classificação obedeça ao tema, domínio ou actividade a que respeitem. Teríamos, assim, um género retórico publicitário, um género retórico jornalístico, um género retórico económico, um género retórico social e, eventualmente, muitos outros.

Embora esta forma de encarar os novos géneros retóricos ultrapasse os objectivos do nosso estudo, parece-nos fazer todo o sentido reter dois pontos comuns: as limitações ou insuficiências teóricas da tríade aristotélica dos géneros e a necessidade de autonomização da Publicidade como novo género retórico. Se aqui nos cingimos a esta última, é porque ela assumiu já um tal relevo, intensidade e proliferação na sociedade contemporânea que, cada vez mais, pode ser vista como modelo dominante das restantes práticas comunicacionais. Neste sentido, mais do que reconhecer a Publicidade como novo género retórico, talvez se pudesse até falar dela nos termos de um verdadeiro super-género ou género dos géneros.

Em La Retórica en la publicidad (2003), Antonio Lòpez Eire concorda com a existência de uma Retórica da (ou, talvez mais correctamente, na) Publicidade, embora não avance no sentido de a defender como género retórico autónomo e por direito próprio. Ainda assim, o trabalho deste autor espanhol constitui um grato contributo não só para pensar esta relação, mas também para reforçar a ligação da Retórica às Ciências Sociais, afastando-a de um insistente e ultrapassado vínculo à linguística e à literatura que, existindo, nunca foi nem teria porque ser exclusivo.

Apercebendo-se da utilização da Retórica (que se vê, assim, de certa forma, redescoberta) pelos meios de comunicação16, o autor considera que é quase intuitiva a

constatação de que de um dos lados de qualquer aparelho está um emissor e do outro um receptor, ambos dispostos a persuadir e a ser persuadidos. Nesse sentido, defende que a Publicidade, tal como a política e o discurso dos media, colocam em prática o saber deixado pelos antigos oradores (Lòpez Eire, 2003: 9), de tal modo que a Retórica dos media poderá ser considerada uma actualização dos géneros retóricos, mantendo- se, contudo, na perspectiva deste autor, fiel à sua concepção original.

Frisando a importância do contexto no âmbito retórico (Idem: 15), este autor defende que a Retórica ensina a colocar em prática determinadas estratégias comunicativas para que elas sejam aceites pelos nossos interlocutores, vendo nesta disciplina uma “formidável arma de acção social” (Idem: 16). Na sua perspectiva, Retórica e Publicidade aproximam-se porque ambas têm o mesmo público, a sociedade, e o mesmo fim, a persuasão, podendo a primeira enriquecer a segunda, ensinando-lhe as suas estratégias de Inventio e de Dispositio.

Kurt Spang é outro dos autores para os quais a novidade mais impactante na investigação retórica da segunda metade do século XX foi a integração da Publicidade nos seus estudos (1979: 106). Em Fundamentos da Retórica Literária e Publicitária, o autor reflecte sobre os três géneros clássicos, acrescentando-lhes outros três, que apresenta como possíveis géneros modernos: a Ars Praedicandi ou Retórica Sacra, a Ars Dictaminis ou Retórica epistolar (respeitante à escrita de cartas), e a Publicidade. A questão colocada por Spang no que concerne à Ars Praedicandi diz respeito à necessidade de apurar se devemos considerá-la um género novo, à parte, ou se, recorrendo ao contributo de géneros anteriores, se limita a preenchê-los com novos conteúdos, desta feita religiosos (Idem: 63). Partindo do De Doctrina Christiana de Santo Agostinho, o autor considera que a arte da pregação adapta os conhecimentos da Retórica antiga à oratória cristã.

Já a Ars Dictaminis ou Ars Dictandi mereceria ser considerada um género distinto, dadas as suas características: por um lado, quem escreve e quem lê não partilha o mesmo lugar físico ou temporal; por outro, esta Retórica prescinde da oralidade e assume um novo suporte, a escrita. Spang encontra neste género reminiscências do discurso judicial, uma vez que também este recorria a documentos escritos e se preocupava com a forma.

16 Lòpez Eire chega ao ponto de defender que a figura do antigo orador está a ser substituída pela

do utilizador dos novos media. Cf. Lòpez Eire, A. (2003). La retórica en la publicidad, Madrid: Arco Libros.

Relativamente à Publicidade, Kurt Spang considera existirem razões suficientes para a considerar o último dos géneros retóricos existentes (Idem: 65). O que a torna moderna, enquanto género, é a inexistência de um vínculo que coloque orador e auditório no mesmo espaço físico, a existência de um medium que estabelece e suporta a ligação entre estes dois elementos, e o facto de beneficiar de um discurso multimédia, construído a partir da mistura entre palavra, som e imagem. Percepcionando-a como herdeira do género epidíctico, o autor reconhece que, formalmente, a Publicidade se distingue dos restantes géneros retóricos (Idem: 66) devido, sobretudo, às características de um discurso pautado pelo factor económico a que surge obrigatoriamente hifenizada e sob cuja influência se torna necessariamente conciso e focado na eficácia, recorrendo frequentemente à repetição como forma de persuasão, no sentido de evitar prejuízo financeiro para a marca, produto ou serviço que pretende vender.

Na senda de Spang, também Carmen Ruiz de la Cierva (2007) contempla uma Retórica publicitária, ainda que não a considere um género autónomo, procurando, antes, enquadrar os discursos da actualidade – entre os quais o publicitário – nos cânones da Retórica clássica. Considerando que esta antiga disciplina se encontra, hoje, em pleno auge, caminhando de braço dado com disciplinas como as Ciências da Comunicação, a Sociologia ou a Cibernética, a autora acredita que, graças a esta parceria, a Retórica pode apresentar-se não só como literária, mas também como Retórica do Cinema ou da Publicidade, por exemplo.

No entanto, não podemos alhear-nos do facto de que aquilo que percebemos como enriquecimento possa também, eventualmente, ser lido como fragilidade, pois o percurso da Retórica ao longo das últimas décadas, aliando-se às mais distintas disciplinas, poderá ser facilmente percebido como uma perda de independência e, consequentemente, como uma fragilização da área. Ainda assim, na nossa perspectiva este carácter interdisciplinar, longe de a anular, revitalizou a Retórica, oferecendo-nos novas dimensões da sua utilidade e reforçando a percepção da sua importância numa sociedade do infotainment, particularmente definida por discursos imagéticos destinados, mais que a persuadir, a seduzir. Será, eventualmente, essa a grande marca da Retórica publicitária: a sedução, essa doce sedução que tudo sugere e nada impõe, satisfazendo pela ilusão permanentemente alimentada de uma liberdade de escolha que o auditório contemporâneo acredita ser a sua máxima prerrogativa, mas que, no limite, nunca lhe pertenceu.

Se o entrave for colocado na perspectiva de um certo abastardamento dos géneros, com a inclusão do discurso publicitário, Alastair Fowler (1998) defende que é incorrecto

pressupor na mutação dos géneros um fenómeno recente, acreditando que distintas e diversas épocas manifestaram vontade de ir para além dos géneros clássicos. O que sim, lhe parece fundamental, é a definição de um cânone capaz de balizar o que pertence ou não a determinado género. Rejeitando a leitura que vê na definição de género oferecida por Aristóteles um modelo definitivo, também para este autor as origens dos géneros estão sujeitas a contingências histórico-culturais, reflectindo as especificidades do seu tempo e do seu lugar.

Na perspectiva de Carolyn Miller (1995), a verdadeira questão que define e atravessa esta problemática prende-se com a estabilização, ou não, da noção de género retórico, defendendo que a sua definição deve passar não pela forma do discurso, mas pela acção que este desencadear. Recorrendo a Frye, a autora sustenta que um estudo dos géneros deve assumir que o género retórico implica sempre uma acção e que não pode ser compreendido fora do seu contexto situacional.

É, justamente, a este nível que também a nós nos parece defensável a tese que apresenta a Publicidade como género retórico, lido e interpretado à luz do tipo de acção de desencadeia e do contexto espácio-temporal que o gera, justifica e nutre, sendo igualmente permeável à sua influência, no âmbito de uma dialéctica especular. Acção e contexto remetem-nos, inevitavelmente, para a imagem e para o protagonismo que assume no discurso publicitário, na sua capacidade persuasiva e no seu poder de sedução.