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3. Capítulo 3: Os entre-lugares das artes cênicas na contemporaneidade e a Cia de Dança

3.3. Espetáculos que ilustram abertura a paradigmas pós-modernos de criação

3.3.3. Se eu pudesse entrar na sua vida (2011)

Com direção geral de Sônia Mota45, o “Se eu pudesse entrar na sua vida” apresenta um recorte performático de diversas coreografias desenvolvidas pelo corpo artístico da companhia ao longo dos seus 39 anos de existência até a estreia do espetáculo em 2010. Para cada apresentação a ocupação performática toma novos contornos, baseados em outros fragmentos de espetáculos ou na revisitação das cenas de releituras prévias. Também porque o espaço escolhido para ocupar é variável, o que determina também as variações de cada cena de acordo com as particularidades de cada espaço e da ocupação deste pelo público. “É como se fosse um novo espetáculo a cada apresentação”, diz Cristiano Reis (2015).

44 Depoimento de Cristina Machado - ex-diretora da Cia. de Dança Palácio das Artes, em SYSDANÇA, 2008,

disponível em <http://www.meryrosa.com.br/portal/noticias_det.php?id_noticia=80>, acesso em abril/2014.

45 Sônia Mota: importante bailarina, professora e coreógrafa da dança contemporânea brasileira, atuou como

professora de dança, desenvolveu uma metodologia de trabalho denominada “Arte da Presença”, a qual aplicou em diversas escolas e companhias profissionais da Europa. Em 2010, Sônia assume a direção artística da Cia de Dança do Palácio das Artes de Belo Horizonte, na qual fica até 2013, desenvolvendo com os artistas da companhia trabalhos baseados principalmente em releituras de obras anteriores, apresentadas como instalações performáticas em espaços públicos.

Figura 20: “Se eu pudesse entrar na sua vida...” (2011), no Instituto Inhotim em 2013 – foto de Ricardo

Mallaco

Vídeo 4: fragmentos de “Se eu Pudesse entrar na sua vida...” no Inhotim: https://youtu.be/HxoV18VeQR0

A metodologia de releituras utilizada no espetáculo ainda serviu como base para outra ocupação performática da companhia, que seria construída também a partir de cenas de espetáculos anteriores, os atos brancos de balés de repertórios, em diálogo com memórias pessoais/artísticas dos próprios artistas-sujeitos para o espaço do Memorial Minas Vale em Belo Horizonte, Minas Gerais. Esta ocupação ganhou o nome de “brancoemMim”46 e aconteceu no

Memorial em novembro de 2013 e em fevereiro de 2014, e trazia a associação ao etéreo pela cor branca de modo a abordar a ocupação do espaço-tempo.

46 Segundo Sônia Mota, diretora da companhia entre 2010 e 2013, em texto do prospecto da estreia da ocupação

em novembro de 2013, “(...) A proposta performática ‘brancoemMim’ surge então como ‘criação filha’, gerada espontaneamente de uma dramaturgia de releituras que já se anunciava em algumas performances de ‘Se eu pudesse entrar na sua vida’. (...). Ao pensar na ocupação do Memorial, cheio de informações, veio o branco, para se destacar e ao mesmo tempo trazer um traço de quietude e fluência entre tantas imagens deste grande memorial, a fusão de todas as cores da memória expressa pela neutralidade em um tempo naquele espaço”.

Vídeo 5: Ver sobre “brancoemMim”, fragmentos e comentários, entre os minutos 1’30’’ e 5’00 do vídeo https://www.youtube.com/watch?v=RiYSkDez2rs

Figura 21: “brancoemMim” (2013), no Memorial Minas Vale em fev/2014 – foto de Luan Barcelos

Diante destas mudanças de paradigmas observadas é que se pode notar um lugar definidamente indefinido, um caminho delineado, mas não delimitado, que é o trabalho atual da Cia de Dança do Palácio das Artes. Como parte das companhias contemporâneas que trabalham com pesquisa corporal e cênica, diferenciada por ser uma companhia estatal a optar por este meio de criação, apresenta uma linguagem que se encontra em algum lugar das artes da cena, entre Dança e Teatro e suas formas inter/transdisciplinares, apresentado nesta pesquisa com base na ideia de entre-lugar. A companhia não opta por uma única linguagem, mas como diz o atual diretor Cristiano, “busca experimentar em cada criação caminhos diferentes dos anteriores” (REIS, 2015).

Dentre todos estes espetáculos que correspondem aos requisitos dos elementos delimitadores do objeto de pesquisa descritos no capítulo 4 [as relações disciplinares entre Teatro e Dança, a criação autoral colaborativa, a exibição em espaços (não)convencionais47] e

47 Os espaços (não) convencionais que nos referimos aqui são aqueles que não são, originalmente, atribuídos à

às noções de transgressão disciplinar entre as artes cênicas na criação da pós-disciplinaridade para a qual aqui desejamos olhar, “Coreografia de Cordel” foi escolhido por ser identificado, como já dissemos, por artistas e espectadores, e por nós, como marco de mudança de paradigmas de criação, de dramaturgia cênica, de relações do corpo com o espaço. Ele apresenta os corpos expandidos de artistas disponíveis a expressividades diversas que se manifestam principalmente nas linguagens cênicas, mais que em “Transtorna”, o qual transita fortemente por outras linguagens e tecnologias. Ele tira os artistas do seu lugar convencional de criação e leva a outros espaços inspiradores e criativos, potencializando o estado de presença, diferentemente de “Se eu pudesse entrar na sua vida...” e “brancoemMim” que são ocupações performáticas, porém criadas no estúdio e baseadas por uma metodologia de releituras de repertórios de Dança.

“Coreografia de Cordel” ilustra ainda a escolha da companhia como foco justamente por ter ela passado por esta mudança de paradigmas de concepção de espetáculos, a qual ocorreu nos últimos trabalhos observados, ao mesmo tempo em que se pode notar este mesmo novo paradigma pós-disciplinar como tendência das artes cênicas contemporâneas de um modo geral, mas que se evidenciou primeiramente em “Coreografia de Cordel”.

Como cita a própria Fundação Clóvis Salgado em mídia eletrônica de divulgação de uma remontagem de “Coreografia de Cordel” em 2006, este trabalho caracteriza o assumir de uma nova postura em relação a processos investigativos e criativos, de modo a dialogar com metodologias e linguagens diversas e permitir que os artistas que compõem seu elenco tragam suas próprias linguagens para a cena.

A Cia de Dança Palácio das Artes baseia hoje suas produções na pesquisa, na investigação, na diversidade de intérpretes, na co-criação dos bailarinos e na transdisciplinaridade, objetivando aproximá-las ainda mais das questões da arte contemporânea (FCS, 2006)48.

Apesar de ser uma companhia que tem em seu nome a palavra “Dança”, o que pode presumir uma delimitação disciplinar artística, e apesar de ser um dos corpos artísticos estatais de Minas Gerais, apresenta em alguns de seus trabalhos mais recentes o trânsito por este entre-

ocupados publicamente pelos cidadãos em seu cotidiano, os quais recebem as Artes contemporâneas. Como exemplos têm-se praças e ruas, escolas e universidades, restaurantes e hospitais, etc.

48 Site da Fundação Clóvis Salgado, abril de 2006, disponível em: http://fcs.mg.gov.br/programacao/coreografia-

de-cordel-e-apresentada-na-funarte/, acesso em abril/2014. Aqui foi utilizado o termo “co-criação”, o qual corresponde ao que chamamos nesta pesquisa de “criação autoral colaborativa”.

lugar das artes cênicas, o qual caracteriza não somente a resistência à tradição pela Dança dos

dias atuais, mas a linha tênue entre as denominações das artes da cena, e até mesmo o surgimento de uma nova cena. E o espetáculo escolhido ilustra bem e incita questionamentos sobre esta questão.