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Ano letivo Nº de tempos semanais

em ensino clássico/humanidades

Nº de tempos semanais em cientificidades

8º ano 12 tempos 12 tempos

118

6º ano 18 tempos 4 tempos

5º ano 21 tempos 4 tempos

4º ano 24 tempos 4 tempos

3º ano 18 tempos 7 tempos

2º ano 22 tempos 8 tempos

1º ano 22 tempos 8 tempos

Média semanal 19 tempos 7 tempos

Nesse quadro, podemos verificar que os tempos em campos disciplinares clássicos e das humanas é quase três vezes maior que o dedicado aos estudos dos ditos científicos. Isso aponta para um direcionamento nos conhecimentos pretendidos, privilegiando um ensino clássico-humanístico em detrimento de um ensino especialista, científico.

No que diz respeito ao ensino humanístico, algumas considerações podem ser tecidas sobre essa adjetivação. Souza (1999, p. 21) nos lembra que humanístico nos remete a humanidades e humanismo. Ainda segundo o autor, “o conceito de humanismo é de extração pedagógica, designando um ideal de educação voltado para a formação integral do homem, distinto, assim, do propósito de preparar os indivíduos para o exercício de tarefas especializadas”. Nessa direção, o autor aponta ainda para o fato de que o ensino humanístico pretende uma formação comum a todos os homens, que são tomados como matéria coincidente com a própria natureza ou com a essência humana, daí sua designação pela palavra latina humanitas, ou seja, próprio do que é humano.

Dessa forma, o ensino humanístico tem por característica a consolidação e a transmissão de uma cultura geral, que não se aplica ao interesse particular, mas que interessaria a todos. Mais uma vez Souza nos diz que

daí deriva a centralidade assumida pelo instrumento da comunicação, a linguagem, que contrai com a ideia de cultura geral uma relação de inter-implicação nos quadros da educação humanística. (Souza, 1999, p.22)

119 É esse modelo humanístico que marca de forma decisiva a educação brasileira durante todo o período colonial, tendo estado as instituições de ensino nas mãos dos jesuítas, e ainda predominando nesse momento da educação no Império brasileiro. Souza (1999, p.25) afirma “nele predominou de modo absoluto uma educação linguística e literária [...].”

A fundação do Colégio Pedro II se alinha à tendência humanística de educação no Brasil, que remete ao modelo jesuítico de ensino que se praticava no Brasil também antes da independência, investindo fortemente em um humanismo voltado para o ensino de línguas. O Regulamento nº8 prevê o ensino de língua grega, língua inglesa, língua francesa, gramática latina e gramática nacional, fazendo com que esse ensino, que já de início se mostra clássico-humanístico, se baseie fortemente no ensino de línguas.

O lugar de modelo do colégio em relação às demais instituições de educação do país aponta para o que seria também o modelo de currículo. Como vimos, são as humanidades clássicas que prevalecem dentre os saberes a serem transmitidos. Estudar as humanidades delimita um público alvo e projeta uma formação pretendida e, consequentemente, um sujeito pretendido. Mas é válido chamar a atenção para as tensões dos sentidos de cientificidade, da formação especialista, nos programas que já se fazem marcar, como pudemos ver no conflito das constantes reformas do Império.

Na ligação cultural das nossas elites com a Europa, num cenário político de uma nação recém-emancipada e em formação, explica-se o direcionamento do colégio para as humanidades. Estudar as línguas e as culturas europeias apontava para a manutenção de uma tradição de elites ligada não só à herança colonial de ensino, mas também ao modelo europeu. O acesso às humanidades europeias significava o próprio acesso ao que funcionava como civilizatório.

O regulamento legitima, então, uma prática de formação de elites que funcionava no Brasil via cultura e civilização europeias. Legitima porque esses saberes passam a ser sustentados pelo Estado, e não mais somente pelas escolas católicas, liceus provinciais e ensinos particulares. Esses saberes são agora o elenco de saberes para a formação do sujeito nacional brasileiro, o cidadão brasileiro de que nos fala Guimarães

120 (1996), entendendo que esse cidadão é o súdito do Imperador, livre, que tem acesso à educação naquele momento, isto é, as elites nacionais.

Esse documento, que legisla sobre o que se deve ensinar, materializa no processo escolar políticas que delineiam os limites dos saberes. Ele materializa uma seleção e controla de seu interior seu desenrolar e suas fases, na medida em que ele é sequencial, gradual e seriado. A duração de cada estágio é fixada de maneira regulamentar de forma que a transmissão seja garantida, nessa perspectiva, para que o aluno possa passar para uma ordem superior. Esse controle promovido do interior do regulamento se dá pelo fato de que o processo de transmissão é decomposto em seus elementos (as séries, os conteúdos, as disciplinas, o número de lições...) sustentando o processo em todo seu encadeamento. Para cada movimento é determinada uma direção, uma duração, uma amplitude e é prescrita uma ordem de sucessão.

No que diz respeito às línguas no regulamento, apesar de não se tratar de um documento que detalhe os conteúdos a serem estudados, já se pode entrever sob que efeitos elas aparecem no documento. Gramática Nacional, Gramática Latina, Língua Grega, Língua Francesa e Língua Inglesa são os nomes dos conhecimentos sobre língua que devem constar numa formação secundária, nesse momento histórico. Fazer constar no regulamento as línguas denominadas de tal maneira é afirmar uma unidade linguística para cada uma delas.

Mais uma vez, o recorte que faz figurar um saber no documento em detrimento de outros, já faz significar. Quanto à língua francesa, podemos ver que ela está presente nos currículos do Colégio Pedro II desde o primeiro regulamento. Esse recorte, não isento do ideológico, aponta para os sentidos dessa língua para o que se entende como formativo no aparelho escolar brasileiro. Sob o efeito de saber necessário para a formação secundária do cidadão do Império, a língua francesa, como uma língua nacional estrangeira, adentra o regimento para figurar entre os saberes que formarão esses cidadãos. Essas são as condições de inscrição do francês no Colégio Pedro II.

121 3.3 – O PROGRAMA DE 1850 E O FRANCÊS: UM IMAGINÁRIO DE

CIVILIZAÇÃO

Compondo no nosso recorte o que chamamos de momento fundacional, ou seja, momento em que são construídas as bases institucionais do Colégio Pedro II, em relação ao que se deveria estudar no ensino secundário, iremos analisar também o programa de ensino de 1850, por ser um documento em que comparece o elenco de conteúdos a serem estudados durante o ensino secundário no Colégio Pedro II. Diferentemente do Regulamento nº 8, de 1838, esse programa cita todos os conteúdos para cada uma das sete séries da sequência escolar, sendo o primeiro documento do colégio que aponta para um detalhamento dos conteúdos. Desse momento fundacional, então, analisamos o Regulamento nº 8, o programa de 1850, passando pela Grammatica Franceza, de Emilio Sevene.

O modelo sequencial de ensino secundário que o Colégio Pedro II apresenta, neste momento histórico, é inspirado no modelo francês de ensino (Santos, 2009; Haidar 1972). A sequencialização do curso secundário no colégio é dividida em oito aulas (lembramos que é o que hoje chamamos de anos, para o ensino fundamental, ou séries, para o ensino médio), a 8ª, a 7ª, a 6ª, a 5ª, a 4ª, a 3ª, a 2ª e a 1ª, sequencializadas nessa ordem inversa, assim como consta no documento de fundação do colégio, o Regulamento nº 8, no capítulo X, da divisão dos alunos, artigo 49, conforme já citamos na seção anterior.

Ao final do ensino secundário, nesse momento fundacional, tendo cursado todas as disciplinas e tendo sido aprovado nos exames finais, o aluno recebia o diploma de Bacharel em Letras. Podemos ler no Título V, capítulo X, disposições gerais do Regulamento nº 8 de 1838:

Artigo 234 - “A alumno, que houver feito os estudos declarados nestes Estatutos, obterá o Diploma de Bacharel em Letras, quando em todas as matérias ensinadas for aprovado”.

Artigo 235 – “O Bacharel em Letras não será obrigado a fazer exames de preparatorios para entrar nas Academias do Imperio, bastando a apresentação de seu Diploma”.

122 Podemos ver que esse título direcionava a continuação dos estudos. Esse diploma podia dar acesso direto aos cursos superiores, principalmente os mais frequentados pelas elites, os de direito e medicina (Carvalho, 1996).

O programa apresenta, no total, cinco campos disciplinares de línguas estrangeiras (grego, latim, alemão, inglês e francês). É importante observar que o francês, assim como o latim, consta no programa em todas as suas séries, não desaparecendo em nenhum momento. Quanto ao número de campos disciplinares, observamos uma diminuição com o avançar das séries. No 7º ano, estudam-se 14 e no 1º ano, 4, sendo 3 deles línguas estrangeiras. A carga de línguas aponta para a manutenção da direção humanística da formação secundária desse momento do século XIX, confirmando-se o que já podíamos ver no Regulamento nº 8.

No programa de 1850, elaboramos esse recorte levando em conta, em todo o programa e em todos os campos disciplinares, não só em francês, qualquer conteúdo que tivesse relação direta com a língua francesa ou com a França, ligado à língua, à cultura ou à história da nação francesa. Esse recorte mais amplo, nesse momento, se justifica pela hipótese que tínhamos do pressuposto do conhecimento prévio da língua francesa quando se ingressava no colégio. Esse conhecimento deveria ser, então, usado não só em francês, mas também em outros campos disciplinares.

Dessa forma, chegamos ao quadro abaixo, no qual podemos visualizar todas as séries do ensino secundário, os campos disciplinares nos quais encontramos os conteúdos que estabelecem uma ligação com língua e/ou cultura francesa.

Antes de passarmos ao próximo quadro, é importante lembrar que, após modificações por parte do Governo Imperial, os anos do ensino secundário do colégio passam de 8 para 7, como podemos observar a seguir.