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Qual é o escopo das sendas de um comparatismo literário de solidariedade?

CAPÍTULO 1 CAMINHOS TEÓRICOS POR MEIO DAS FRONTEIRAS DA SOLIDARIEDADE

1.2. Comparatismo literário de solidariedade

1.2.1. Qual é o escopo das sendas de um comparatismo literário de solidariedade?

As relações entre a literatura e a sociedade ocorrem nos contextos histórico, religioso, político, étnico, cultural e social, em suma, a literatura é uma prática social que não se isola das instituições, das mentalidades humanas, das ideologias, dos saberes e dos atos sociais.

Nesse âmbito, a literatura pode construir modelos da realidade em uma trajetória dialética, pluriunívoca e plurissignificativa que possibilita pensar, interferir, questionar e romper com determinadas concepções de mundo; compreender a literatura é compreender o homem. Dentre a pluralidade de sentido que é atribuída à palavra ―literatura‖, convém apontar as considerações de Candido (2002, p.74) sobre a definição:

A literatura é, pois, um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo.

Candido assume que a competência literária constitui-se em um sistema literário coerente quando integra a tríade autor-obra-público: os autores devem ter consciência do papel de suas obras, veiculadoras de conteúdos codificados de linguagem e de estilos individuais articulados a um conjunto de receptores. A partir dessas considerações, o citado estudioso (2002, p. 76) ressalta que:

Se a obra é mediadora entre o autor e o público, este é o mediador entre o autor e a obra, na medida em que o autor só adquire plena consciência da obra quando ela lhe é mostrada através da reação de terceiros. Isto quer dizer que o público é condição do autor conhecer a si próprio, pois esta revelação da obra é a sua revelação. Sem o público, não haveria ponto de referência para o autor, cujo esforço se perderia caso não lhe correspondesse uma resposta, que é definição dele próprio. Quando se diz que escrever é imprescindível ao verdadeiro escritor, quer isto dizer que ele é psiquicamente organizado de tal modo que a reação do outro, necessária para a

autoconsciência, é por ele motivada através da criação. Escrever é propiciar a manifestação alheia, em que a nossa imagem se revela a nós mesmos. Nessa perspectiva, Abdala Junior (2003, p. 35) destaca que na literatura, como em outras séries da cultura brasileira, há repertórios que provocam impactos. São experiências da práxis social que podem ser atualizadas e transformadas. Os percursos são entrecortados, descontínuos, não constituem uma linha histórica contínua, evolutiva e positivista, como era comum encontrar em manuais didáticos.

Em tempos de globalização, (in)certezas, diversidades, guerras, crises, mudanças, dilemas, medos, utopias, esse advento global faz do viver uma constante reflexão. Diversas transformações extrapolam as fronteiras das áreas do conhecimento, ampliam-se e trazem uma vasta mudança de paradigmas sociais, econômicos e políticos. Por conseguinte, o processo de globalização abrange todos os aspectos da vida moderna: do individual ao coletivo, do social ao político, do rural ao urbano, do nacional ao supranacional, do arcaico ao moderno. Ianni (1996, p. 89) aponta a globalização como um fenômeno que atravessa fronteiras nacionais:

[...] os processos de globalização e modernização desenvolvam-se simultânea e reciprocamente pelo mundo afora, também produzem desenvolvimentos desiguais, desencontrados e contraditórios. No mesmo curso da integração e da homogeneização, desenvolve-se a fragmentação e a contradição. Ao encontrar outras formas sociais de vida e trabalho, compreendendo culturas e civilizações, logo se constituem as mais surpreendentes diversidades. Tanto podem reavivar-se as formas locais, tribais, nacionais ou regionais como podem ocorrer desenvolvimentos inesperados de ocidentalidade, capitalismo e racionalidade. O mesmo vasto processo de globalização do mundo é sempre um vasto processo de pluralização dos mundos.

Como vetor das principais mudanças do século XX, a globalização é um processo de internacionalização que vai além de uma nova fase do capitalismo ―contemporâneo ou pós-moderno‖; é vista como ―paradigma‖ da compreensão dos diferentes aspectos da realidade do homem nessa vida moderna.

De acordo com o historiador americano, Marshall Berman (1987), o processo de globalização econômica e cultural é tributário da historicidade do desenvolvimento da modernidade capitalista. Essa modernidade não pode ser atribuída a um único fato inaugural ou mesmo a alguns poucos eventos históricos, por mais significativos que estes tenham sido no conjunto dos acontecimentos mundiais.

Pode-se considerar a modernização socioeconômica, como coloca Berman (apud ANDERSON, 1986, p. 48), resultante de uma multidão de processos sociais relacionados às descobertas científicas, às revoluções da indústria, às transformações demográficas, às formas de expansão urbana, aos Estados nacionais, aos movimentos de massa - todos impulsionados, em última instância - pelo mercado mundial capitalista, em perpétua expansão e drasticamente flutuante.

É inegável que vivemos na era global, ou seja, na era da ―modernidade‖, conforme explica pertinentemente Berman (1987, p. 15):

Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegrias, crescimento, auto transformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num permanente turbilhão de desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, ―tudo o que era sólido desmancha no ar‖.

Para o autor, nesse sentido, o termo ―modernidade‖ é considerado como um conjunto de experiências vitais contraditórias marcadas pelas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais enfrentadas pela humanidade, que rompe com as fronteiras geográficas, temporais e identitárias, carregando consigo, concomitantemente, ambiguidade e contradição permanentes: destruir e construir, ou seja, vivemos em um processo constante de rupturas e de segmentação.

O fenômeno da globalização não é algo recente. Sabe-se que, ao longo da história, tivemos períodos de abertura ou internacionalização da economia, a exemplo das grandes navegações, do colonialismo e do mercantilismo europeu, entretanto o cunho central desse processo é a globalização da economia, a concentração de riqueza e de poder que gera um processo de homogeneização, não só padronizando elementos produtivos e culturais, mas também fazendo surgir um universo de diferenciações, tensões e conflitos sociais. As mesmas forças que produzem a globalização, que propicia novas articulações e associações de abrangência internacional, provocam a descentralização do homem e a estetização da realidade.

Logo, globalização e regionalização, fragmentação e unidade, inclusão e exclusão são polos antagônicos inter-relacionados de forma dialética; são forças paradoxais que estão em constante interação. Vale lembrar que Berman (1987, p. 20) cita Marx em sua obra:

Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornam antiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens finalmente são levados a enfrentar [...] as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos. (referências de Marx)

Nesta perspectiva, Berman (1987) considera que a obra marxista já previa a condição paradoxal da humanidade como retrato de uma sociedade que se vê frente às transformações e que se torna perplexa diante da complexidade dos eventos do mundo moderno, pautado em padrões e regras - que em um determinado momento - fragilizam- se a ponto de diluírem-se diante de uma nova configuração deflagrada.

No panorama dialético da sociedade moderna, Giddens (1997) também destaca que a intensificação inerente à ―modernidade globalizante‖ impõe transformações universalizantes que reconstroem, abandonam ou fragmentam a tradição. O local encontra-se de tal forma interligado ao global, que influencia e é influenciado por este. A tradição vivenciada no locus do cotidiano, no espaço específico, é colocada em questão pela experiência vivenciada do indivíduo no tempo e no espaço global. Por outro lado, o local também problematiza o global.

Como afirma Giddens (1997, p. 39):

A globalização não se refere apenas à criação de sistemas em ampla escala, mas à transformação de contextos da experiência social. Nossas atividades cotidianas são cada vez mais influenciadas por eventos ocorrendo do outro lado do mundo; e, inversamente, hábitos locais de estilo de vida tornam-se globalmente consequentes. Assim, minha decisão de comprar uma determinada peça de vestuário tem implicações não só para a divisão internacional do trabalho, mas para os ecossistemas terrestres. A globalização deveria ser vista não simplesmente como um fenômeno ―lá fora‖, mas como um fenômeno também ―aqui dentro‖: ela afeta não apenas localidades, mas até intimidades da existência pessoal, na medida em que age para transformar a vida cotidiana. Não se trata apenas de um só processo, mas de uma mistura complexa de processos, agindo muitas vezes de maneiras contraditórias, produzindo conflitos, disjunções e novas formas de estratificação. Assim, por exemplo, a emergência de nacionalismos locais e uma acentuação de

identidades locais estão diretamente ligadas a influências globalizantes, às quais se opõem.

Para Giddens (1997), as experiências do cotidiano na ―modernidade globalizante‖ vinculam-se às questões fundamentais relativas à identidade, à percepção do ―eu‖ e do ―outro‖; e, por outro lado, envolvem múltiplas mudanças e adaptações na vida cotidiana, ou seja, a identidade se torna um processo de construção constante.

Em tais circunstâncias, o homem sente-se inseguro e mergulhado na turbulência da incerteza e do medo, se apoia na tradição; resiste localmente à globalização e, simultaneamente, não pode desconsiderá-la. Portanto, com a globalização há uma ruptura e as identidades passam a estar em diálogo constante, deslocadas de um contexto único.

A rigor, o termo globalização só deveria ser utilizado no plural, ―globalizações‖, como postula Santos (2002 a), porquanto identifica quatro tipologias divididas em duas categorias, a da globalização hegemônica: composta pelos processos de localismo globalizado e de globalismo localizado; e a da globalização contra-

hegemônica: constituída pelo cosmopolitismo insurgente e subalterno e pelo

patrimônio comum da humanidade.

Segundo o autor (2002, p. 16), a utilização ocorreria como ―uma expressão exponencial das relações transfronteiriças com a consequente transformação das escalas que têm dominado até agora os campos sociais da economia, da sociedade, da política e da cultura”. Para Santos (2002a, p. 11):

Trata-se de um processo complexo que atravessa as mais diversas áreas da vida social, da globalização dos sistemas produtivos e financeiros à revolução nas tecnologias e práticas de informação e comunicação, da erosão do Estado nacional e redescoberta da sociedade civil ao aumento exponencial das desigualdades sociais, das grandes movimentações fronteiriças de pessoas como emigrantes, turistas ou náufragos, ao protagonismo das empresas multinacionais e das instituições financeiras multilaterais, das novas práticas culturais e identitárias aos estilos de consumo globalizado.

Em intrigantes estudos o referido autor, com os seus livros Pela Mão de

Alice: o social e o político na pós-modernidade (1995) e A gramática do tempo: para uma nova cultura política (2006), defende a ideia que vivemos uma condição de

perplexidade diante de inúmeros dilemas nos mais diversos campos do saber e do viver. Também explica que a globalização hegemônica, expressão sinônima de neoliberalismo

globalizado, compreendida como o ―conjunto de relações desiguais‖, promove a construção de um espaço unipolar de dominação.

Diante disso, impõe-se um contraponto à construção de um caminho alternativo – ―resistência‖ – que possibilite a criação de novos paradigmas frente ao processo da globalização. Conforme afirma Santos (2006, p. 400):

[...] essa resistência ―consiste em transformar trocas desiguais em trocas de autoridade partilhada. Traduz-se em lutas contra a exclusão, a inclusão subalterna, a dependência, a desintegração, a despromoção‖ , por meio da sua forma contra-hegemônica - desde a década de 1990 – [que é] ―o conjunto vasto de redes, iniciativas, organizações e movimentos [...] que se opõem às concepções de desenvolvimento mundial a estas subjacentes, ao mesmo tempo em que propõem concepções alternativas.

Desse modo, torna-se notório que a globalização contra-hegemônica supera o viés estritamente econômico porque, ao mesmo tempo, abarca e privilegia o aspecto social, político e cultural, que se complementam mediante o processo integracionista.

Para Santos (2006, p. 38), a solidariedade está relacionada à reinvenção da emancipação social; é motivada pela esperança de ―que um outro mundo é possível; é uma prática de conhecimento que se desdobra numa prática política. Desenvolve-se no domínio de um cotidiano compartilhado, pautada no exercício de uma existência solidária. Graças ao exercício dessa solidariedade, consciente ou não, o ser humano tem a possibilidade de resistência e de transformação e recriação da realidade.

Mas afinal o que significa solidariedade, e qual é a sua relação com a Literatura Comparada? O termo solidariedade é extremamente polissêmico e poliédrico. Segundo o dicionário etimológico de Cunha (1991, p.733) origina-se do latim: sôlîdus (XVI), o termo é explicitado como o ―que tem consistência, que não é oco, que não se deixa destruir facilmente‖. Já o dicionário Houaiss(2006) define a palavra solidariedade, como ―uma ligação mútua entre duas ou muitas pessoas que,

dependentes umas das outras, dividem igualmente entre si as responsabilidades de uma ação, de uma empresa ou negócio, respondendo todas por uma e cada uma por todas.”

Abdala Junior, ao teorizar sobre as fronteiras da solidariedade (2003, p. 67), propõe uma estética do comparatismo da solidariedade transnacional, conforme corrobora o trecho a seguir:

[...] esse descentramento solicita uma teoria literária descolonizada, com critérios próprios de valor. Em termos de Literatura Comparada, o mesmo impulso nos leva a enfatizar estudos pelos paralelos – um conceito mais amplo que o geográfico e que envolve simetrias socioculturais.

Na sessão de abertura do IV Congresso Abralic (USP/2006a), Abdala Junior (2006, nº. 8, p. 20) preocupa-se em identificar a necessidade para uma nova globalização, pautada pelo peso da solidariedade comunitária, e não aquela do neo- liberalismo hegemônico, que continua a impor a lei do mais forte. Para o autor, seria uma globalização solidária comprometida com as mudanças sociais e com ―sonhos libertários‖, ou seja, ―sem as barreiras advindas do movimento, perverso em relação aos países hegemônicos, dos fluxos avassaladores, de natureza imperial‖.

Em função das mudanças globais na sociedade e nas culturas, observa o mesmo autor (2002, p. 30), que “pelas margens de um mundo de fronteiras múltiplas,

parece-nos imprescindível buscar novas associações no campo do comunitarismo cultural a que historicamente nos vinculamos – articulações que efetivamente não reproduzam gestos coloniais ou imperiais‖. Torna-se imperativo considerar que trabalhar com o texto literário implica em reconhecer outros paradigmas de representação sugerindo o autor uma nova tipologia de leitura e de leitor.

Faz-se necessário transitar além de questões de forma, de conteúdo e de elementos contextuais (externos) do discurso literário, pois vivemos em uma sociedade global enredada em fronteiras múltiplas que qualificam e (trans)formam a identidade singular em identidades múltiplas. Deve-se, por isso, entrecruzar as fronteiras, adentrar em sendas diferentes e descobrir que o ―Outro‖ pode ser o ―Mesmo‘‘ ou que o ―Outro‘‘ pode ser ―Eu mesmo‘‘, ou simplesmente o ―Outro‘‘; ter um olhar crítico, mas não- hegemônico, para observar de perto como o Outro discursa, do que o Outro fala, o que o Outro pensa, onde o Outro vive, como vive, conforme salienta Abdala Junior (2003, p.79):

Num vetor oposto a esse crescente processo de desagregação, o comunitarismo pode favorecer uma agregação supranacional. Se pensarmos com os pés no Brasil e a cabeça deslocando-se para outros territórios que nos interessam, duas formas de articulações político-culturais se nos impõem: aquelas que nos apontam para a América Latina e as que têm em seus horizontes os países de língua portuguesa. Do ponto de vista político, são essas as perspectivas da CPLP (Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa) e das chamadas ―Cimeiras‖ ibero-americanas. Num mundo de fronteiras múltiplas, torna-se politicamente indispensável ao pensamento crítico considerar essas associações comunitárias supranacionais.

Para Abdala Junior (2007a, p. 17), o comunitarismo cultural da

solidariedade é constituído pela tríade bacia ibero-afro-americana, ainda hoje como um locus à margem dos centros hegemônicos, que cria condições para perspectivas

descentradas, tendo em vista reverter a assimetria da vetorização dos fluxos em rede. O imperialismo, fora de qualquer dúvida, conjugou-se no plural, desde suas origens (século XV) até os dias atuais da era da globalização. Na verdade, o antigo imperialismo decorreu da necessidade de expansão europeia comercial pelo Atlântico em direção ao Pacífico, iniciada sob a forma do colonialismo e implicada em ampliar para novos mercados o comércio ultramarino luso-espanhol nas terras do novo mundo, como parte da atividade comercial em busca de uma dominação militar-econômica de um povo sobre outro e que estendida até a segunda metade do século XVIII.

Entretanto, essa forma imperialista não tratava de um único país que tentava unificar o mundo para impor seu controle sobre ele como um ato de acumulação e aquisição, mas sim de uma disputa entre várias nações europeias que competiam entre si para estabelecer domínio, inicialmente, sobre o continente americano e posteriormente, sobre a África e a Ásia, como afirma Said (1995, p. 40):

A prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um território distante; o ―colonialismo‖, quase sempre uma consequência do imperialismo, é a implantação de colônias em territórios distantes. [...] ambos são sustentados e talvez impelidos por potentes formações ideológicas que incluem a noção de que certos territórios e povos precisam e imploram pela dominação [...]

Edward Said (1995) define o imperialismo como as ações, a teoria e a prática da metrópole governando um território distante, controlando terras que pertencem a outros povos, e o colonialismo, quase sempre, resultado do imperialismo, como implantação de colônias nessas terras distantes. Essa conexão proporciona uma experiência cultural oriunda da relação entre colonizadores e colonizados e, por esse motivo, Said (1995, p.98) determina que ―devemos falar em territórios que se

Sob esta ótica, o autor (1995, p. 50-51) afirma que analisar a história do imperialismo é concebê-la como ―uma rede de histórias interdependentes, entrelaçadas e sobrepostas‖ que é, ao mesmo tempo, global e local: ―[...] e a herança colonial deve ser

revista como coexistência e combate de “geografias, narrativas e histórias rivais.”

(SAID, 1995, p. 22)

Dessa forma, as marcas da era imperialista são rastros indeléveis do passado, em todas as práticas sociais, políticas e ideológicas. As relações entre o Ocidente e o mundo por ele colonizado, que produzem argumentos e contra-argumentos no presente, que apontam para os estudos não de uma única história, a do colonizador, mas também para aquela narrada pelo "outro", o colonizado, que mesmo na condição de vencido, com sua identidade suprimida, suas terras e sua própria integridade física em jogo, ainda assim, produziu histórias.

Ao defender a literatura como um processo de resistência pós-colonial que busca a afirmação de uma identidade própria dos povos colonizados, Said mostra que o discurso literário deixou de ser somente o culto ao belo, mas caracterizou-se como uma vertente humanista e social, a literatura, assim, assume neste contexto um papel fundamental. Primeiro porque é uma forma de povos e culturas registrarem sua história, segundo, porque a narrativa é um objeto simbólico na construção da imagem da sociedade emergente; é, sobretudo, um espaço privilegiado de resposta ou de resistência ao imperialismo e à colonização, de questionamento dos valores impostos, de conflitos e tensões e de emergência do potencial criativo que advém da pluralidade de vozes.

Como escreve Said (1995, p. 13) na introdução de sua obra Cultura e

Imperialismo, em trecho longo, mas de importante citação:

Os leitores deste livro logo perceberão que a narrativa é crucial para minha argumentação, sendo minha tese básica a de que as histórias estão no cerne daquilo que dizem os exploradores e os romancistas acerca das regiões estranhas do mundo; elas também se tornam o método usado pelos povos colonizados para afirmar sua identidade e a existência de uma história própria deles. [...] O poder de narrar, ou de impedir que se formem e surjam outras narrativas, é muito importante para a cultura e o imperialismo, e constitui uma das principais conexões entre ambos. Mais importante, as grandiosas narrativas de emancipação e esclarecimento mobilizaram povos do mundo colonial para que se erguessem e acabassem com a sujeição imperial; nesse