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Através da extensa revisão bibliográfica efectuada sobre o tema deste nosso trabalho foi possível verificar a existência de três dados comuns a diversos estudos e muito relevantes do ponto de vista da construção de saber científico: as implicações individuais e societais da participação política do indivíduo são desenvolvimentais, ou seja, são promotoras do desenvolvimento psicológico do indivíduo – os estudos demonstram a existência de diversos “ganhos desenvolvimentais” para o indivíduo que participa activamente; os contextos de vida do jovem podem, pelas suas características específicas e percepções que o indivíduo tem em relação a esses contextos, promover o desenvolvimento psicológico do jovem no domínio político; as experiências de participação que o jovem tem, quando mediadas por determinados facilitadores contextuais, promovem o desenvolvimento psicológico do jovem no domínio político, isto é, as experiências de participação juvenil podem revestir-se de qualidade desenvolvimental ou qualidade promotora do desenvolvimento psicológico do adolescente.

Efectivamente, apesar de ser muitas vezes apresentada como uma solução virtuosa para alguns problemas que as sociedades ocidentais contemporâneas apresentam, a participação não é boa em si mesma (Menezes, 2003b; Theiss-Morse & Hibbing, 2005) e pode mesmo reforçar pensamentos e comportamentos de intolerância, reforçar e preconceitos e promover o conformismo, o cepticismo ou a desconfiança e o viés em relação ao grupo exterior, no efeito da lógica de homogeneização como sinónimo de perfeição ou ideal atingido (De Piccoli, Colombo & Mosso, 2002). Adicionalmente, a literatura mostra que a participação promove a fragmentação social e é o resultado do desejo de alcançar interesses pessoais e individuais (Dear, 1992; Lima, 2004; Santos, 1998; Viegas, 2004). Há investigações que demonstram que participar na sociedade civil não significa necessariamente maior desenvolvimento psicológico (Menezes, 2003b; Ferreira, 2006; Theiss-Morse & Hibbing, 2005; Veiga, 2008) e que a participação não é a solução para todos os problemas de fragmentação do tecido social. A virtuosidade da participação está, portanto, fora dela própria e depois dela – o desenvolvimento depende da experiência em contextos interaccionais e da reflexão cuidadosa a partir da experiência como um guia para comportamentos e futuras experiências (Dewey, 1938). A reflexão favorece a apropriação e reorganização activa por parte do sujeito assim construído, assim como a compreensão reflexiva deste mesmo processo de mudança desenvolvimental.

Ora, para que exista mudança desenvolvimental do jovem temos de falar em transformação desenvolvimental (Ferreira, 2006). A transformação desenvolvimental não

pode ser vista de acordo com princípios de aprendizagem, como a aquisição de conhecimentos ou competências orientada a partir do exterior, na medida em que o desenvolvimento não é imposto de fora, é construído (dentro da vida do sujeito) – decorre das interacções do indivíduo com os outros e com os diversos contextos (Ferreira, 2006). Isto significa que a transformação desenvolvimental coisifica-se a partir de interacções internas do sujeito consigo próprio (discurso interno, assumpções) e de factores externos (as experiências, as interacções inter-contextuais) (Baxter-Magolda, 2004). A experiência educativa pode ajudar ao desenvolvimento dos jovens: percebe-se que é preciso promover a participação significativa em contextos reais (role-taking por oposição a role-playing) onde os indivíduos, neste estudo os jovens, se envolvam em interacções com os outros, onde existam condições para a reflexão crítica e integração, cognitiva e afectiva da experiência vivida, e que se dê forma ao desenvolvimento que transforma (Baxter-Magolda, 2004; Parker, 1996; Sprinthall, 1991). Isto traduz a relação existente entre a educabilidade e o desenvolvimento mas outro elemento é necessário integrar: as experiências de participação em contexto. Começa então a surgir a ideia de que as experiências de participação devem ter (uma suficiente) continuidade ao longo do tempo para dar tempo para que ocorra a transformação desenvolvimental.

A tentativa de identificar critérios de qualidade da participação cívica e política vem no seguimento de diferentes perspectivas teóricas e estudos empíricos que postularam características dos contextos de vida que favoreciam o desenvolvimento dos indivíduos (Menezes, 2007), como já demos conta da sua existência ao longo deste trabalho. Ora, reconhecendo, enfim, a inexistência de uma teoria da qualidade da participação que atribua sustentação conceptual e empírica ao nosso estudo, procurou-se na educabilidade do desenvolvimento psicológico e, em particular, no modelo de Educação Psicológica Deliberada de Sprinthall (1991) repousar os pilares do que viria a ser o constructo de qualidade desenvolvimental das experiências de participação, da autoria de Ferreira e Menezes (2001), que tem vindo a ser validado por diferentes trabalhos efectuados por este grupo de investigação (Teixeira, 2004; Amorim, 2004; Carneiro, 2006; Ferreira, 2006; Gomes, Coimbra & Menezes, 2006; Nata, 2007; Veiga, 2008). O modelo de Sprinthall (1991) aponta algumas características que são comuns ao constructo da qualidade desenvolvimental das experiências (Figura 2). Tal aspecto relaciona-se com o facto deste modelo teórico colocar como grande objectivo o desenvolvimento dos estudantes até ao seu completo potencial como indivíduos e como cidadãos responsáveis numa sociedade democrática (Hatfield, 1984). Sprinthall (1991) demonstrou que partindo das componentes da perspectiva de Educação Psicológica Deliberada era possível, em contexto educativo, alcançar níveis superiores de desenvolvimento psicológico dos jovens estudantes. Note-se que a Educação Psicológica Deliberada apresenta níveis de eficácia comprovada quer na promoção da complexidade de estruturas cognitivas como na capacitação para a acção

(Menezes, 1999). As condições, componentes ou princípios da teoria de Educação Psicológica Deliberada, aparecem como facilitadores do desenvolvimento e, deste modo, elas podem ser incorporadas no constructo que estamos aqui a apresentar e também no planeamento de programas de intervenção ou actividades de participação.

FIGURA 2.

Modelo da Educação Psicológica Deliberada de Sprinthall (1991)

Ora, como é possível observar na Figura 3, as componentes ou “condimentos” essenciais para se alcançar a meta da qualidade desenvolvimental das experiências de participação assentam em duas questões básicas: oportunidades de acção reais e significativas e oportunidades de reflexão apoiada. As oportunidades de acção referem-se a experiências directas de responsabilidade e oportunidades de desempenho de papéis reais (como por exemplo, ser dirigente desportivo de uma associação desportiva da comunidade local). Quanto às oportunidades de reflexão elas são relevantes para se construir sentido para as experiências vividas, de modo que o indivíduo integre, de forma pessoalmente criteriosa e relevante, os significados da experiência (Menezes, 2007). Estas oportunidades de acção e de reflexão devem ocorrer junto de outros (diferentes). É muito importante haver um equilíbrio entre as experiências de acção e as experiências de reflexão na medida em