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4 Metodologia da Pesquisa

4.4 Qualidade e Consistência da pesquisa

Qualidade e consistência são requisitos importantes também numa abordagem interpretativista (LINCOLN; GUBA, 2000; MILES; HUBERMAN, 1994; GASKELL; BAUER, 2011), como forma de garantir rigor na condução de um estudo a fim de construir credibilidade e torná-lo legítimo pela comunidade científica.

Como ponto de partida, e aspecto sobre o qual foi direcionada muita atenção, encontra-se a preocupação em manter a coerência ontológica e epistemológica com o paradigma interpretativista e a escola fenomenológica, sobre a qual se situa esta pesquisa e da qual se assumiu como verdadeiros e orientadores, os pressupostos. Manter-se no pensar fenomenológico, respeitando-o como um saber filosófico, tornou-se essencial para que a pesquisa ganhasse consistência, sobretudo ao atentar-se para o fato de que a fenomenologia em sua essência possui pressupostos teóricos e métodos de investigação próprios, e particularizados conforme seu precursor, que aqui, foi o filósofo francês Merleau-Ponty, e sua fenomenologia da percepção, assunto já evidenciado nas seções anteriores.

Sendo a fenomenologia a base filosófica adotada, seu procedimento central, a redução fenomenológica foi tratada com o rigor necessário, atendendo às premissas indicadas por Merleau Ponty (1999), conforme detalhadamente descrito no tópico anterior. Ressalta-se que o pesquisador assumiu a postura de não utilizar nenhuma decodificação numérica no processo de redução fenomenológica, por entender que o fazer fenomenologia não se alinha a aplicar um conjunto de regras preestabelecidas, enrigecidas e cartesianas (MARTINS; THEÓPHILO, 2009; FERRAZ, 2009; SANTAELLA 2012), mas sim a uma atitude de abertura para compreender aquilo que se mostra, retornando ao caminho que conduz a enxergar o existir assim como ele se mostra. Martins e Theóphilo (2009) explicitam esta visão no trecho a seguir, extraído do obra Metodologia da Investigação Científica para Ciências Sociais Aplicadas, no capítulo que trata do pólo metodológico.

Fenomenologia é caminho de aproximação do que se dá, da maneira que se dá. Refere-se ao que é percebido do que se mostra. Não se limita a enumeração dos fenômenos como o positivismo, mas pressupõe alcançar a essência do fenômeno (MARTINS; THEÓPHILO, 2009, p. 47).

Critérios de qualidade são aqueles similares aos que objetivam assegurar a validade, tão importante para os quantitavistas, entendida como confiança com que se pode tirar conclusões corretas de uma análise. Consistência, refere-se à confiabilidade, também um termo das ciências positivistas, com que os procedimentos metodológicos irão avaliar o fenômeno em estudo, no sentido de garantir que os resultados possam ser replicados (MERRIAM, 2001; GASKELL; BAUER,2011). Apresentar esta relação de similaridade entre critérios das pesquisas de cunho interpretativista e as de caráter positivista é uma tentativa de reduzir deturpações e questionamentos e demonstrar o rigor também característico de pesquisas qualitativas pautadas na seriedade e na ética (KIRK; MILLER, 1986).

Uma das possibilidades utilizadas para assegurar a consistência dos discursos dos participantes da pesquisa foi a utilização das notas de campo como relatos transcritos e incorporados ao corpus linguístico analisado. Trata-se de observações de sinais não verbais, do reconhecimento de mudanças inconscientes na entonação da voz dos participantes, bem como algum sinal enfático dado pelos mesmos em algum instante da fala durante entrevista. Tais detalhes são então apreendidos pelo pesquisador e anotados logo após o término de cada entrevista (DENZIN; LINCOLN, 2011; BAUER; GASKELL, 2011).

Outra forma de garantir a consistência, segundo recomendam Miles e Huberman (1994), Guba e Lincoln (2005), e Bauer e Gaskell (2011) consiste em recorrer a um outro pesquisador que possa supervisionar a pesquisa, como uma espécie de auditor, alguém que não esteja tão submerso neste universo, papel este exercido pela orientadora desta dissertação.

Também para assegurar qualidade da pesquisa foi utilizada a triangulação, que pode ocorrer de quatro tipos: múltiplos investigadores, múltiplas teorias, múltiplas fontes de dados e múltiplos métodos (LINCOLN; GUBA, 2000; CRESWEL, 2007; FLICK 2009). Nesta pesquisa, como sugerido pelos autores, foi feita a triangulação a partir de múltiplas e distintas fontes de dados, inspiradas na diversidade (BAUER; GASKELL, 2002), visando enriquecer o

entendimento do fenômeno estudado ao acessar, e utilizar a descrição rica da vivência do fenômeno feita por cada um dos participantes entrevistados. Ressalta-se que a triangulação neste caso ocorreu de duas formas, uma intra e outra inter triangulada. A primeira consistiu no próprio acesso à percepção de cada entrevistado quando o pesquisador triangulou as respostas com vistas a identificar inconsistências, consistências, discrepâncias, discordâncias e concordâncias. Já a segunda, o correu quando se utilizou mais dois revisores externos para o conteúdo das transcrições.

O acesso aos investigados de fato consistiu num critério de consistência, já que foi utilizado com muito preparo e atenção. O pesquisador precaveu-se de suprimir as incoerências que surgiam em determinada entrevista, na própria entrevista, refazendo a pergunta sobre outro prisma, e resgatando do sujeito a narrativa repetida de alguns episódios com intuito de não deixar em suspenso nenhum tipo de dúvida em relação ao que o entrevistado queria realmente expressar. Para tanto, os encontros foram sempre demorados e realizados com tranquilidade, no momento em que o tempo não fosse limitador para nenhuma das partes, entrevistador, nem entrevistado. Houve casos, por exemplo, que o relato da vivência do fenômeno, a experiência de consumo do festival de inverno de Garanhuns, foi feita com tanta naturalidade e confiança, que perspectivas da intimidade do entrevistado, bem como nomes de outros envolvidos, acabaram emergindo dentre os episódios narrados, o que foi, por questões éticas, desconsiderado no corpus linguístico.

Portanto, a validação da análise da entrevista e dos materiais de texto, por meio da confrontação com as fontes e obtenção de sua concordância ou consentimento, foi outro critério de qualidade adotado, conforme procedimento descrito no parágrafo anterior, denominado critério de validação comunicativa dos entrevistados (MILES; HUBERMAN, 1994). Sendo conhecido também como critério de confirmabilidade e consiste na obtenção

direta dos dados e as repetidas informações que o pesquisador ouve, vê ou vivência com relação ao fenômeno em estudo.

A prática da reflexividade, critério de confiabilidade baseado no exercício de pensar e repensar o fenômeno (CRESWELL, 2007), foi uma constante em toda esta pesquisa, até mesmo por ser algo inerente ao pensar fenomenológico. Vale ressaltar o quanto tal critério possibilita ao pesquisador amadurecimento quando o mesmo exerce a crítica sobre si próprio, sobre o que interpreta e como interpreta o fenômeno. No processo de redução fenomenológico, quando o pesquisador vivencia a experiência de depurar-se dos preconceitos numa imersão total no pensar do outrem, passa-se a executar a reflexividade com maior naturalidade, já que ele passa a repensar seus pensamentos e valores com a mesma desenvoltura com que examina os pensamentos e valores do sujeito, reduzindo assim os possíveis vieses interpretativos, naturais, e até parte do processo, numa investigação fenomenológica existencial.

Elucidados os critérios de qualidade e consistencia que nortearam esta pesquisa, na seção a seguir, se iniciará o ápice da viagem proposta na problemática inicial, centrada na compreensão do significado da experiência de consumo de um produto turístico, na percepção daqueles que a vivenciam, o sujeito e seus outrens.

5 Percebendo o Significado do Fenômeno