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Capítulo 2- Gestão escolar e o desafio da qualidade

2.2. Qualidade educacional

No Brasil o discurso da escola de qualidade se intensificou na década de 1990. Contudo, a procura por essa característica tão cara à educação tem sido expressa há bastante tempo.

Um destaque pode ser dado ao documento denominado “Manifesto dos Pioneiros da Educação”, produzido em 1932 e que já trazia no seu escopo a tradução do desejo de conquistar a qualidade, diante dos impasses educacionais.

Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar. (MANIFESTO DOS PIONEIROS, 1932).

Questionar a realidade cotidiana e fazer críticas ao posicionamento educacional do país foi um dos aspectos abordados nesse documento. Os signatários do Manifesto foram profissionais e intelectuais sensíveis à educação que, ao exprimirem suas ideias, as faziam dentro de uma visão de mundo voltada para a escola pública, gratuita, leiga e democrática.

Assim, diante dos problemas educacionais, um novo rumo passou a ser evidenciado pelo movimento realizado por esse grupo seleto, que apresentava ideais de vanguarda e que foi denominado de Escola Nova. As reflexões sobre as dicotomias de compreender a escola demonstravam seus antagonismos, o que reforçava a ideia do novo para contrapor o obsoleto.

Nesse sentido, toda essa elaboração científica da Escola Nova repercutiu e ficou expressa na Constituição Federal de 1934, que focalizou a importância da educação em todo o território nacional, com a perspectiva de um plano de unidade federativa. (BRASIL, 1934).

Esse movimento de repensar a educação se prolongou por quase trinta anos e resultou na promulgação da 1ª Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961. Com aspectos de inovação, a palavra qualidade apareceu duas vezes no texto para referendar a educação que se objetivava alcançar.

O caráter de zelar pela qualidade de ensino estava circunscrito à esfera federal, sob a incumbência do Ministério da Educação e do Desporto. A disposição dessa lei também previa no seu artigo 96 as atribuições dos Conselhos de Educação nas esferas Federal e Estaduais que denominava suas competências com o intuito de empreender “esforços para

melhorar a qualidade e elevar os índices de produtividade do ensino em relação ao seu custo”. (BRASIL, 1961).

Na segunda versão da Lei 5692 de 1971, a palavra qualidade foi suprimida do texto. Contudo, a palavra eficiência apareceu uma vez, com a conotação de buscar precipuamente, a melhoria da educação. Nesse entendimento, a nova versão da LDB (1961), após 10 anos ainda manteve latente a perspectiva de repensar a educação de forma a favorecer o seu progresso conceitual, e assim, o progresso do país.

No texto da Constituição de 1988, em seu artigo 205, inciso sétimo e posteriormente reiterada no artigo 210, a qualidade educacional reapareceu como uma determinação de padrão nacional..

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal deixou evidente sua determinação de qualidade educacional e também seu manifesto em relação ao Plano Decenal da Educação a ser elaborado com o propósito de melhorar a qualidade da educação brasileira. (BRASIL, 1988). Nesse intuito, a política educacional passava a ser convocada a elaborar mudanças para responder aos anseios nacionais. Várias discussões foram travadas com esse desígnio na tentativa de rever a LDB vigente e construir uma nova lei que fosse condizente com as perspectivas históricas do momento. Nesse cenário, foi promulgada a nova LDB.

A segunda LDB, Lei nº 9.394, depois de vários percalços transcorridos durante mais de duas décadas, foi sancionada em 20 de dezembro de 1996. Nessa Lei, os percursos de afirmação da necessidade de mudanças educacionais ficaram evidenciados. Um parâmetro de análise se situava na presença da palavra qualidade que reapareceu com intensidade e teve sua expressão adotada nove vezes no texto.

O foco na qualidade passava a ser um determinante nas escolas. Nesse sentido, a valorização dos profissionais da escola também foi reforçada e assim foi instituída a Década da Educação, que propunha a realização de um Plano Nacional de Educação.

Entretanto, essa proposta de criação de um Plano Nacional não era novidade incipiente. O repensar sobre a necessidade de ter um plano federativo já estava colocado.

O primeiro Plano Nacional de Educação surgiu em 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024, de 1961. Ele não foi proposto na forma de um projeto de lei, mas apenas como uma iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, iniciativa essa aprovada pelo então Conselho Federal de Educação. Era basicamente um conjunto de metas quantitativas e qualitativas a serem alcançadas num prazo de oito anos. Em 1965, sofreu uma revisão, quando foram introduzidas normas descentralizadoras e estimuladoras da elaboração de planos estaduais. Em 1966, uma nova revisão, que se chamou Plano Complementar de Educação, introduziu importantes alterações na distribuição dos recursos federais, beneficiando a implantação de ginásios orientados para o trabalho e o atendimento de analfabetos com mais de dez anos. A ideia de uma lei ressurgiu em 1967, novamente proposta pelo Ministério da Educação e Cultura e discutida em quatro Encontros Nacionais de Planejamento, sem que a iniciativa chegasse a se concretizar. Com a Constituição Federal de 1988, cinquenta anos após a primeira tentativa oficial, ressurgiu a ideia de um plano nacional de longo prazo, com força de lei, capaz de conferir estabilidade às iniciativas governamentais na área de educação. O art. 214 contempla esta obrigatoriedade. Por outro lado, a Lei nº 9.394, de 1996, que "estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional", determina nos artigos 9º e 87º, respectivamente, que cabe à União, a elaboração do Plano, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e institui a Década da Educação. (BRASIL, 2001, s/p.).

Assim, a constatação de que todo esse movimento de equacionar a educação num plano federativo já estava subentendido desde o início da legislação educacional ficou ressaltada. A importância desse histórico se sustentou pela intencionalidade de verificar os trâmites e as dificuldades de implementar um plano que fosse único para todo o Brasil.

A efetivação da promulgação do Plano Nacional de Educação em 2001 salientou a educação de todo país e em todas as suas modalidades, e reforçou a importância da palavra qualidade que foi expressa setenta e sete vezes. A qualidade passou a ser o vetor para a educação do país e a sua busca fomentou a importância de utilizar mecanismos para a sua mensuração e o Índice do Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB tornou-se popularizado e defendido numa perspectiva avaliativa do desempenho da escola.

Os documentos de âmbitos legais apresentaram um crescimento na probabilidade de visualizar a educação pelo prisma da qualidade. No documento final da Conferência

Nacional de Educação (CONAE), essa palavra emblemática teve sua expressão assinalada por duzentas e seis vezes, reiterando o direcionamento a ser buscado pela nação.

A preponderância de ter a palavra qualidade em evidência, não configurava apenas uma faceta do nosso país, muito pelo contrário, fazia parte de toda uma discussão mundial sobre a efetividade da escola. Os organismos internacionais se pautavam pela intencionalidade de referendar a educação eficiente. Nessa visão globalizada, passaram a ser irmanadas todas as dimensões construídas dentro de parâmetros únicos e universais.

[...] de efeitos ambivalentes entre o global e o local, que os discursos da globalização e as políticas neoliberais viajam, promovidas por organismos supranacionais, encarregados da integração econômica mundial, ajuda e cooperação internacional Fundo Monetário Internacional (FMI)22, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)23, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)24 e Banco Mundial. São discursos que nem sempre convergem, mas que têm em comum a promessa de inclusão, progresso e desenvolvimento, riqueza, democracia, igualdade e qualidade de vida para todos que se inserirem no mercado e na cultura globais. (GARCIA, 2010, p. 447).

A lógica instaurada por esses organismos externos passou a propor ações cada vez mais uniformes de mensuração e de controle na educação. Na realidade brasileira, essa ambivalência tomou grandes proporções. O discurso proferido ficou longe dos objetivos traçados como metas.

[...] qualidade e a igualdade continuam sendo desafios cruciais a serem enfrentados, uma vez que ambos são essenciais para atender às necessidades do país e para a construção de uma sociedade de conhecimento. As pesquisas mostram que grande parcela dos alunos de diferentes níveis educacionais apresenta deficiências de aprendizagem em disciplinas críticas. A baixa absorção de conceitos científicos prejudica a inclusão desses indivíduos na sociedade moderna. Percebem-se na Educação do Brasil insuficientes os padrões referentes à: oferta educacional de qualidade, financiamento e gestão educional dos sistemas e das escolas, currículos e propostas pedagógicas e valorização, formação e condições de trabalho dos profissionais da educação. A UNESCO oferece apoio técnico e conhecimentos especializados para tratar das questões de qualidade e equidade na educação. (UNESCO, 2011).

As afirmações postas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) ressaltaram o lugar do Brasil nos parâmetros de qualidade

22

FMI - Fundo Monetário Internacional. 23

OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. 24

internacional. Nesse contexto, as similaridades das cobranças entre os diversos países ficavam mais evidenciadas.

O Brasil como signatário de diversos programas educacionais, pautados pela representatividade, que se mensurava num resultado com ênfase nas provas sistêmicas, deixou evidências de estar aquém dos padrões internacionais e, portanto, possibilitando uma necessidade de repensar a educação nas peculiaridades de cada instituição escolar e não apenas na ótica internacional em que:

As políticas impulsionadas pela UNESCO e pelo Banco Mundial nos anos de 1980, em que pesem as diferenças de orientação entre esses organismos, tiveram por foco a expansão do número de matrículas na educação fundamental, em meio a uma crise mundial e desinvestimentos no campo social. Nos anos da década de 1990, o foco foi a reforma da escola e do sistema em bases gerenciais e o controle da qualidade da aprendizagem por meio da medição e elevação do desempenho escolar, controle instituído pelo monitoramento dos desempenhos das instituições escolares e dos alunos, tendo como base políticas de exames nacionais e índices como o IDEB. Atualmente essas políticas fazem já parte da rotina das escolas em todos os níveis de ensino. (GARCIA, 2010, p 453).

As transformações ocorridas no âmbito das escolas sob a influência de políticas internacionais repercutiam em novas palavras que passaram a impregnar a esfera escolar. Nesse contexto, constatou-se que: [...] conceitos como “recontextualização”, “ressignificação”, “hibridização” dão nome a processos em que estão em jogo as relações entre o global e o local, o geral e o particular, o texto e o contexto, na construção das políticas educacionais e curriculares. (GARCIA, 2010, p 450).

O autor supracitado ainda fez uma menção aos estudos de Popkewitz (2005), ao trazer a análise da homogeneização do discurso estrangeiro, que passou a ser constituído de forma híbrida e a se tornar referência para a educação em diversos países de culturas diferentes.

Toda essa universalização da educação tentou romper com as singularidades de cada instância escolar, para buscar a excelência como se todas tivessem as mesmas condições efetivas. Assim, a escola brasileira caminhava com pouca destreza entre os parâmetros internacionais e as metas a serem alcançadas pelo IDEB.

A lógica é a de que cada instância evolua de forma a contribuir, em conjunto, para que o Brasil atinja o patamar educacional da média dos países da OCDE. Em termos numéricos, isso significa progredir da média nacional 3,8, registrada em 2005 na primeira fase do ensino fundamental, para um IDEB igual a 6,0 em 2022, ano do bicentenário da Independência. (MEC/INEP, 2011).

Com essa lógica as escolas eficazes, consideradas de qualidade, seriam aquelas que atingissem os resultados previstos pelo IDEB. Assim, num caminho longo de ações a ser trilhada no campo da educação, a mensuração dos resultados do IDEB passou a ter o direcionamento que buscava atingir as metas para o ensino fundamental prioritariamente:

• Ampliar a duração do ensino fundamental para 9 anos, com início aos 6 anos de idade;

• Assegurar escolas com padrões mínimos de infraestrutura, em 5 anos;

• Assegurar o Programa de Garantia de Renda Mínima para famílias carentes (não define %);

• Oferecer escolas com 2 turnos diurnos e 1 noturno;

• Ampliar progressivamente a jornada escolar para, pelo menos, 7 horas/dia; • Promover a eliminação gradual da necessidade de oferta do ensino noturno. (INEP/MEC, 2004).

Entretanto, sabendo que esse resultado se encontrava longe da maioria das escolas brasileiras, então, de que qualidade poderíamos falar? Para discutir essa questão, Dourado, Oliveira e Santos, (2009) enfatizaram a complexidade do termo qualidade, e sua historicidade:

A análise da Qualidade da Educação deve se dar em uma perspectiva polissêmica, uma vez que esta categoria traz implícita múltipla significações. O exame da realidade educacional, sobretudo em vários países da Cúpula das Américas, com seus diferentes atores individuais e institucionais, evidencia que são diversos os elementos para qualificar, avaliar e precisar a natureza, as propriedades e os atributos desejáveis ao processo educativo, tendo em vista a produção, organização, gestão e disseminação de saberes e conhecimentos fundamentais ao exercício da cidadania. (DOURADO, OLIVEIRA E SANTOS, 2009, p.3).

Na análise brasileira, essas questões se complexificavam no entendimento da expressão: escola de qualidade, que passava a constituir um jargão frequentemente presente nos documentos legais e nas mídias. No entanto, na aproximação com as escolas, a polifonia variava nas formas de compreensão e também quanto ao que seria possível esperar dessa escola. Dessa maneira, a polissemia se instaurava em vertentes de qualidades que se interpunham frente ao cenário determinado pelos índices do IDEB.

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