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Tecendo relações sobre os perfis das gestoras

Capítulo 2- Gestão escolar e o desafio da qualidade

3.1. Etimologias dos termos: constituições históricas

3.1.5. Tecendo relações sobre os perfis das gestoras

A constituição do perfil de gestora escolar passou a ser foco de avaliações e análises intercambiantes entre os muros e extramuros escolares. Assim, essas gestoras vivenciavam a dupla expectativa pelas suas atitudes profissionais, pois tanto as ações da escola repercutiam na educação, como também os aspectos mais globais da gestão escolar influenciavam no local.

Os resultados do IDEB associados aos fatos cotidianos ocorridos no interior da escola repercutiam publicamente e colocavam em xeque o trabalho da gestão, muitas vezes, num plano de culpabilização das mesmas.

A sociedade cognitiva (Lévy 1999) tem imposto novos padrões e valores, tanto morais quanto laborais, que têm formatado um perfil diferenciado de trabalhador que se consolida centralmente sobre elementos como a intensificação expressiva do trabalho, via de regra, escondidos sob o discurso da (pseudo) autonomia. A consolidação desse movimento se pauta na quase total responsabilização individual e isolada dos trabalhadores, em detrimento do coletivo, já que este – em razão de tudo o que historicamente demonstrou poder representar no que se refere a conquistas da classe trabalhadora – foi praticamente exterminado do contexto de negociações de trabalho. (FIDALGO e FIDALGO, 2009, p. 91).

Essa análise corrobora com as gestoras, que estavam numa posição de liderança, na qual a autonomia era a expressão do discurso de sua prática. Assim, às vezes elas se viam na contramão no cotidiano diante da limitação da sua atuação profissional. Essas profissionais, independentemente das formas de inserção no cargo, tinham a sua posição enredada pelo poder da sua instituição mantenedora.

Sob a ótica do gerencialismo, o gestor educacional se defronta com exigências para a sua inserção e permanência nesse lugar, mas os novos requerimentos, a instabilidade e a insegurança permeiam o fazer desse profissional, que precisa a todo instante demonstrar uma desempenho super humano e causam ainda um sentimento de transitoriedade com

relação ao tempo em que ficará no cargo. Assim, o devir da conquista não se limitava apenas ao fato de assumir o cargo de direção, mas também de permanência no mesmo.

Nesse âmbito, a afirmação feita sobre a realidade da gestão escolar em Portugal ganha simetria com a realidade das gestoras das escolas públicas brasileiras, especialmente com as mineiras, sob o enfoque da transitoriedade do cargo de gestão escolar.

Em Minas Gerais, as diversas prefeituras municipais, que eram as entidades mantenedoras das escolas estavam em congruência com os parâmetros legais nacionais. Nesse sentido, seguiam com similaridade na exigência das cobranças na gestão escolar, muitas vezes limitando e outras vezes, interferindo na sua ação.

As gestoras articulavam um discurso mais participativo e democrático, entretanto, na posição de representantes das instituições públicas, frequentemente era necessário que acatarem demandas externas e conflitantes com seus princípios ideológicos. Essa posição de submissão foi expressa em momentos de desabafo ao serem questionadas sobre a interferência das Secretarias de Educação nas resoluções da escola: “[...] em determinada postura não está correto o que eles determinaram.” (Gestora, 2010).

Analisamos que não se tratou apenas de definir que a prática era distante do discurso proferido pelas gestoras, mas, sobretudo, de constatar um esforço para avançar num processo ainda incipiente de democracia nas relações escolares. A análise realizada nos possibilitou compreender que as instâncias de caráter democrático estavam instituídas, porém, até mesmo as escolas que enalteciam a participação da comunidade escolar apontaram que o processo de uma atuação efetiva ficava ainda no horizonte.

O dia a dia passa necessariamente por mudanças e os desafios são para envolver, articular e promover a ação de pessoas nos processos democráticos que são semelhantes na sociedade e nas escolas. Por esse motivo, as alternativas facilitadoras e as dificuldades têm raiz comum. Elas fazem parte das numerosas tentativas de consolidação da democracia na gestão escolar, representadas pelos movimentos que visam promover, articular e envolver a ação das pessoas no processo de gestão escolar e desafios é para serem vencidos.(Gestora, 2010).

Nos depoimentos das gestoras ficava também ressaltada a necessidade de um trabalho articulado e partilhado entre a escola e a comunidade escolar. “São muitos os desafios: manter a equipe unida; tomar decisões em grupo; inserir a comunidade escolar nas tomadas

de decisões; despertar nos alunos a vontade de buscar novos conhecimentos.” (Gestora, 2010). Esses desafios no ato de gerir levavam à nova configuração dessas gestoras, que diante dos imprevistos criavam alternativas e respostas com o intuito de buscar a qualidade educacional.

Os mecanismos de entendimento do cargo gestor foram historicamente se constituindo enquanto princípios e valores que emolduravam requisições cada vez mais exigentes. A gestão escolar que foi ao longo dos anos impregnada de valores, concepções e avaliações alicerçadas na Administração de Empresas, também pode ser analisada por outro foco, o da abordagem ergológica.

A abordagem ergológica pressupõe diferentes olhares e o trânsito entre diferentes saberes acerca do trabalho. Pressupõe que, além das áreas de conhecimento correspondentes às disciplinas ditas científicas, sejam considerados o saberes construídos pelos próprios trabalhadores no cotidiano do trabalho, com suas interrogações permanentes a tais disciplinas. (SELIGMANN-SILVA, 2004, c/c).

Nesse contexto da ergologia, o trabalhador com a sua singularidade é inserido nas análises realizadas. Para essa compreensão, a concepção de gestão também é volátil, pois traz para o cenário as dubiedades do humano.

É necessário considerar seriamente a gestão, algo que o termo um pouco enganoso administração frequentemente levou, em nossa cultura, a desvalorizar (o que não seria verdadeiro na semântica norteamericana). A gestão, como verdadeiro problema humano, advém por toda a parte onde há variabilidade, histórica, onde é necessário dar conta de algo sem poder recorrer a procedimentos estereotipados. Toda gestão supõe escolhas, arbitragens, uma hierarquização de atos e de objetivos, portanto, de valores em nome dos quais essas decisões se elaboram. Ora, o trabalho nunca é totalmente expectativa do mesmo e repetição - mesmo que o seja, em parte. (SCHWARTZ, 2004, p.23- grifo do autor).

A análise desse profissional permitiu distinguir suas singularidades de gestores, principalmente na realização das entrevistas. Cada gestora com sua trajetória de vida, com o seu carisma e seu desempenho interpessoal deixava marcas delineáveis na sua atuação profissional. Ressaltamos que, essas marcas da história de cada uma e suas respostas a essas demandas, delineavam o seu perfil, entretanto, não há como desconsiderar o contexto maior de atuação, que também forma e deforma o profissional.

Meu esposo é aposentado e ele me ajuda muito, ele foi transplantado e no ano que eu assumi a direção foi um ano de muitos obstáculos, pois ele fez a cirurgia, veio

a direção, então, no fim deu tudo certo. Então essa doença serve para gente ver que Deus está dando um toque na gente no que precisa ser melhorado. Eu aprendi a ser mais generosa e mais cuidadosa para o meu esposo. Foi mais uma lição. Pois, hoje ele percebe que ele tem uma pessoa que gosta dele, que cuida dele que está junto dele no que for preciso. Sempre pedi para Deus me encaminhar na direção certa. (Gestora, 2010).

Trilhar a direção certa, não apenas na escola, mas na vida, foi um aspecto presente nos relatos das gestoras. A história de vida, as dificuldades, as relações familiares tiveram um peso na constituição dessas profissionais, que ao falarem de sua vida profissional, traziam para a pauta suas histórias pessoais. Para explicitar essa coesão da vida que se mescla podemos recorrer à seguinte afirmação:

Não se cuida mais das pessoas da mesma maneira após ter tido a experiência da maternidade, ou da doença em seu próprio corpo. Do mesmo modo, certas patologias soam diferentemente de acordo com a história familiar do agente de cuidados. (SCHWARTZ, 2004, p. 30 citado por AUDOUARD, 1991).

Para parafrasear o autor, não se exerce a gestão da mesma forma, depois de ter sido professora, mãe, de ter passado por doenças pessoais ou de familiares, pois esses aspectos interferem no âmago do profissional.

Sem exigência formal de um perfil único estabelecido para a função gestora, esses profissionais apresentaram predominantemente atributos que balizavam duas tipologias. Uma dessas tipologias, a mais frequente, foi representada por um universo de profissionais do sexo feminino, mães, casadas, na faixa etária da maturidade de 40 a 49 anos e com a experiência na docência.

Outra tipologia, menos significativa pelo percentual apresentado na pesquisa, apontou para perfis minoritários e diferenciados em Minas Gerais. Em destaque, esse grupo era formado pelas gestoras que não tiveram experiência docente, eram de faixas etárias distintas e tinham um número pequenino de representantes que eram do sexo masculino. O pequeno percentual dessa tipologia agregava nuances distintas sem possibilitar um eixo único de destaque.

Nesse sentido, centramos a nossa análise na tipologia predominante que apontou para as marcas culturalmente mais expressivas da feminilidade: mãe, casada e de trajetória docente.

A experiência na docência possibilitou desenhar uma matriz que evidenciava uma similaridade entre a população alvo da pesquisa e o tempo de exercício na docência.

Vale ressaltar que parte do percurso difícil da crise na educação e do papel do docente está nas perspectivas de efetivar o seu trabalho e ser reconhecido por ele. (PASCHOALINO, 2009b). Esse sentimento de tentar romper com o círculo estabelecido de descrença diante da educação foram aspectos relatados pelas gestoras como uma possibilidade de fazer a diferença no processo educacional. A intencionalidade de fazer o melhor no desempenho do cargo foi um relato constante.

Considero que sou uma gestora muito dedicada, estudo demais, já consegui ser contemplada em vários programas do governo, inclusive financiáveis, sempre sou convidada para participar de encontros da Superintendência, SEE de Minas Gerais e outros. Diariamente participo das atividades nos três turnos, raramente consigo ausentar-me da Escola, devido às condições do prédio (infraestrutura precária para o atendimento, sempre acontecem problemas), número reduzido de funcionários administrativos e falta de monitores para auxiliar com os alunos com Necessidades Educacionais Especiais (no turno da tarde. Atendemos um aluno com limitações mental, revezamos para o atendimento, mas raramente o profissional consegue atendê-lo sem minha interferência). No cotidiano escuto e dialogo demais com Profissionais, alunos e pais. A agenda cultural da escola é intensa, recentemente venho organizando a implantação do Conselho Escolar. Em 2009 direcionei a construção do PPP com participação dos segmentos, alunos e comunidade escolar e o Regimento Escolar foi reformulado de acordo com a legislação vigente, ambos foram aprovados pela Metropolitana C- SRE de Belo Horizonte. (Gestora, 2010).

Aspectos do trabalho da gestão e da docência se entrecruzavam nas falas das gestoras como algo indissociável. O cuidado com a aprendizagem dos alunos estava presente nos discursos das gestoras, que disseram não medir esforços na busca por uma educação de qualidade.

Tempos distintos e ininterruptos cruzavam as ações docentes e de gestão. Assim, quando as gestoras pesquisadas foram questionadas sobre os tempos na docência obtivemos os seguintes dados que possibilitaram a construção da tabela abaixo:

Tempo de Docência Turmas/Participantes Não

Respondeu

Até 2 anos Até 5 anos Até 10 anos Até 15 anos + 15anos

1 – 39 23 2 --- 4 6 4 2 – 12 6 --- 1 2 3 --- 3 – 18 9 ---- 2 3 2 2 4- 23 11 --- --- 3 ---- 9 5- 20 5 --- 3 6 2 4 6- 20 13 1 ---- 3 1 2 7- 19 11 --- 3 2 2 1 8- 25 12 4 1 3 2 3 9 – 13 4 1 1 ---- 3 4 10- 17 8 --- 2 5 1 1 11- 23 12 1 1 2 1 6 12- 14 6 --- --- ---- 3 5 T -243 120 9 14 33 26 41

Tabela 04- Tempo de Docência

Fonte: Questionários 2010 - Elaborado pela autora

A análise dessa tabela nos chamou a atenção para o grande número de gestoras, que apesar de salientar ter períodos de regência, não especificou esse tempo quantitativamente. A reflexão sobre esse dado nos sinalizou dois aspectos. Em um deles, as afirmações de várias gestoras ressaltaram que continuavam docentes mesmo na atuação da gestão escolar. De outro ângulo, que o tempo de docência, parecia distante para as gestoras, sem a necessidade de justificar o tempo de percurso nesse lugar educacional. Essas duas análises, no entanto, não foram antagônicas na sua reflexão, pois permitiram compreender como estavam imbricados esses dois papéis profissionais.

A tabela nos proporcionou visualizar que a maioria daquelas gestoras que se manifestaram em relação ao período de regência se concentrava acima de 5 anos de efetivo exercício. Essa vivência no contexto escolar, principalmente na mesma escola, foi apontada como um aspecto facilitador na gestão.

Procuro desenvolver uma gestão democrática, ouvindo todos os funcionários, principalmente os professores e os pais e/ou responsáveis porque apesar do cargo

ser indicação política, fui indicada pela maioria da comunidade escolar e o prefeito aceitou a indicação. Como já atuava na referida escola como professora regente e supervisora pedagógica foi mais fácil a aceitação da maioria dos funcionários. Não encontro resistência nos projetos que proponho e nem nas atividades a serem desenvolvidas ao longo do ano. O trabalho é muito, apesar de não ser uma escola muito grande. (Gestora, 2010).

Em sua fala, essa gestora delimitou sua trajetória profissional na escola. Professora regente e supervisora pedagógica constituíram o alicerce para a sua atuação de gestora. Assim, relatou que a possibilidade de não encontrar resistências facilitava o seu trabalho no cargo de gestão escolar. Os saberes educacionais se mesclavam com o saber relacionar-se com as diferentes pessoas e este foi considerado um perfil valorizado para a gestão.

Os tempos de gestão foram relatados como processo de aprendizagem que reiterou a dimensão ergológica de entendimento do trabalho. Os saberes requeridos e utilizados no campo da docência ressignificavam a prática da gestão. Para compreender as implicações das ações gestoras que eram construídas na relação do exercício do trabalho, perguntamos quanto por quanto tempo essas gestoras estavam atuando e obtivemos o seguinte quadro:

Tempo de Direção

Turma/Participantes NR Até 2 anos Até 5 anos Até 10 anos Até 15 anos + 15 anos 1 – 39 --- 25 9 4 1 --- 2 – 12 --- 6 3 2 1 --- 3- 18 1 10 4 3 --- --- 4 – 23 --- 15 5 3 --- --- 5- 20 3 9 3 5 --- --- 6- 20 2 8 6 2 1 1 7- 19 --- 11 6 2 --- --- 8 -25 2 16 5 2 --- --- 9 -13 --- 6 3 3 --- 1 10 -17 --- 15 1 1 --- --- 11 -23 --- 12 5 4 --- 2 12 -14 --- 9 --- 4 1 --- T -243 8 142 50 35 4 4

Tabela 05- Tempo de Direção

Em relação ao tempo de direção, as participantes responderam de forma expressiva que tinham até dois anos na função de gestora escolar. As análises realizadas apontaram para a ordem decrescente das entrevistadas em relação ao tempo de direção, destacando-o como processo inverso ao tempo de docência. Assim, ser gestora foi apresentado como um processo, um aprendizado constante na necessidade de procurar melhorar a realização do trabalho.

Vivemos em constantes desafios, a educação se constrói no dia a dia e superando desafio é que progredimos. A gestão escolar é um desfio em si mesma, não tem como não enfrentá-lo se vivemos em uma sociedade que é permeada de evoluções que só são visíveis de encontro e ao superar os desafios. (Gestora, 2010).

O discurso dessa gestora de certa forma sintetizava o pensamento de todas as pesquisadas, pois expressou a busca intencional por uma escola melhor. Nas análises realizadas ficaram evidenciadas as tramas da complexidade de ser e estar no papel de gestoras, e que suas lidas diárias estavam impregnadas dos aspectos relacionados ao cuidado com o outro e na proposição de liderança do trabalho educacional. As reflexões empreendidas possibilitaram compreender alguns fios dessa construção que se delineava na tipologia específica, contudo vários outros aspectos determinavam as ações dessa profissional.

As diferentes formas de se posicionar diante de demandas cada vez mais exigentes do cargo faziam com que essas gestoras procurassem de maneiras distintas, um caminho mais seguro para o desempenho de suas funções.

Nesse sentido, a formação em serviço, os encontros periódicos de diretores faziam parte da rotina desses gestores, que buscavam interlocutores para os desafios enfrentados e a procura por repostas mais coesas na escolha do caminho a ser trilhado. Dessa forma, outra dimensão, a formação, passou a ser analisada para compreender o trabalho da gestora escolar.

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