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CAPÍTULO 2 QUALIDADE DE VIDA E BEM-ESTAR SUBJETIVO: PERSPECTIVAS PARA COMPREENSÃO DA SOBREVIVÊNCIA EM ONCOLOGIA

2.1 Qualidade de vida: fundamentos teórico-conceituais e avaliação

2.1.2 Qualidade de vida em casos de amputação

No tratamento dos tumores ósseos, a cirurgia para ressecção do tumor é necessária quando se tem como objetivo a cura. Sabe-se que os tumores ósseos mais comuns atingem especialmente adolescentes e adultos jovens. Para esta população, a aparência física é um fator importante para a integração social.

O aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas fez com que ocorresse uma diminuição do número de amputações e consequente diminuição do interesse em pesquisas sobre funcionalidade entre amputados e não-amputados para se investir na avaliação de outros fatores (Ness et al., 2009). Entretanto, a incidência de amputação ainda é alta: em estudo de 2003, estudos apontam que 60% a 67% dos indivíduos com osteossarcoma passam por amputação para controle local da doença (Nagarajan et al., 2003; Nagarajan et al., 2004).

Como efeitos tardios da amputação, os sobreviventes podem apresentar problemas funcionais, deformidades estéticas e problemas psicossociais (Perina et al., 2008). A imagem corporal e a aparência parecem ser importantes para pacientes com tumor ósseo, podendo ser um preditor da autoestima, em especial para adolescentes e jovens que buscam a integração em um grupo social (Ness et al., 2009; Tabone et al., 2005).

Estudo realizado com 21 adolescentes sobre imagem corporal e ajustamento social demonstrou pior avaliação da imagem corporal em pacientes com câncer, sendo essa percepção intensificada após o tratamento (Pendley, Dahlquist, & Dreyer, 1997, conforme citado por Bellizzi et al., 2012).

Em investigação com adolescentes amputados devido ao câncer, estes referiram medo de que a amputação interferisse na possibilidade de se estabelecerem relacionamentos afetivos e de se tornarem dependentes de seus pais devido à perda de funcionalidade (Oliveira, 2009). A insegurança em relação a mudanças nos vínculos afetivos e sociais em função das mudanças corporais também foi apontada por Ortolan (2012). Contudo, o tipo de cirurgia (conservadora do membro afetado ou de amputação) não demonstrou ser significativo para a percepção de qualidade de vida entre pacientes crianças, após a cirurgia para ressecção de tumor ósseo (Barr & Wunder, 2009; Frances et al., 2007).

Apesar da pior avaliação da imagem corporal em pacientes com câncer, entre os sobreviventes de tumores ósseos, o tipo de cirurgia e a idade ao diagnóstico também parecem não influenciar significativamente as medidas psicossociais. As pesquisas têm demonstrado que não há relação entre funcionalidade física insatisfatória e limitações em relação à saúde mental: estudos chegam a indicar que crianças com conservação dos membros podem apresentar mais dificuldade na reabilitação emocional do que crianças com a perda do membro, devido à necessidade de aceitação, adaptação e reabilitação de maneira rápida (Kagan, conforme citado por Nagarajan et al., 2003).

Comparando sobreviventes que receberam o diagnóstico na idade adulta, agrupados em amputados e não-amputados, constatou-se que o escore em relação à habilidade social dos não- amputados é maior. Essa dificuldade, entretanto, não demonstra relação direta entre pior domínio físico e alteração no domínio mental (Ness et al., 2009; Yonemoto et al., 2007). Não há diferença de desempenho físico entre amputados e não-amputados (Ness et al., 2009).

relação à amputação como: a causa, o nível da amputação, há quanto tempo foi realizada a cirurgia, a presença de dores, o uso ou não de próteses, além de fatores sociais. Porém, a maior parte dos estudos tem demonstrado que o sofrimento psicológico não é persistente e, em poucas situações, levaria a alterações psicológicas e/ou comportamentais (Horgan & MacLachlan, 2004, conforme citado por Gabarra & Crepaldi, 2009).

A imagem corporal contempla a satisfação do indivíduo com sua vida e, dessa forma, o uso da prótese por amputados pode ser uma estratégia de auxílio no enfrentamento, seja o seu uso uma forma de integração do eu, uma forma de aumentar as possibilidades do indivíduo ou uma “facilitadora” para o dia-a-dia. São consideradas estratégias de enfrentamento atitude positiva frente à amputação e engajamento social. O êxito no ajustamento e uso da prótese favorece a diminuição da sensação de diferença em relação aos demais indivíduos e, consequentemente, ajuda a formação de uma autoestima positiva. Assim, a prótese tem funções significativas na adaptação físicofuncional, no ajustamento emocional e no estilo de enfrentamento. A adaptação físico- funcional corresponde à possibilidade de compensação, de autoeficácia e de independência; o ajustamento social aborda a aceitação e o suporte de terceiros, as interações sociais, o desenvolvimento de papeis sociais e a realização de atividades de lazer (Saradjian, Thompson, & Datta, 2007).

O uso contínuo da prótese pode se transformar em automático, de forma a se constituir em parte do corpo do indivíduo, uma “vestimenta” ou um instrumento para atingir um objetivo. As próteses para membros superiores são vistas pelos pacientes como menos satisfatórias psicológica e funcionalmente (Narang & Jape, conforme citado por Saradjian et al., 2007), de forma que os sobreviventes com lesão na pelve apresentaram pior qualidade de vida utilizando a escala Quality of life – Cancer Survivors (Nagarajan et al., 2004).

Outros aspectos estão relacionados a uma pior qualidade de vida, tais como menor nível educacional ou com a idade mais avançada; contudo as condições presentes pelo próprio envelhecimento por si só podem piorar a percepção da qualidade de vida (Nagarajan et al., 2004).

O fator gênero também parece influenciar a percepção da qualidade de vida: mulheres tendem a perceber sua qualidade de vida como pior, assim como ocorre na população em geral (Nagarajan et al., 2004); para os amputados, as mulheres tendem a sentir que a mudança na autoimagem é mais significativa do que na dos homens, podendo tornar-se mais importante do que a própria funcionalidade. Nesse processo, os homens pretendem a melhora da funcionalidade enquanto, as mulheres, o restabelecimento da feminilidade (Furst e Humphrey, 1983; Saradjian et al., 2007).

Mesmo para cirurgias com conservação do membro acometido, há relato de pior percepção do domínio psicológico para meninas, sendo que a cirurgia de ressecção e reconstrução com endoprótese poderia apresentar complicações clínicas (Tabone et al., 2005).

subjetividade: uma investigação de Furst e Humphrey (1983) demonstrou que pessoas que não passaram pela experiência de uma amputação avaliam as deficiências decorrentes dela como piores do que na avaliação dos próprios amputados.