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1.2 Sobrevivência: conceituação e revisão critica da literatura

1.2.2 Sobrevivência e transtornos psiquiátricos

Quando se questiona a prevalência de sintomas ou distúrbios psiquiátricos entre os sobreviventes oncológicos, Stein, Syrjala e Andrykowski (2008) mencionam a questão de estimativas amplas, bastante divergentes entre uma pesquisa e outra, sugerindo uma dificuldade significativa para se estimar a presença de efeitos psicológicos a longo prazo em decorrência da doença. Além disso, os critérios de classificação não são semelhantes em cada pesquisa, podendo o desempenhho ser avaliado por escalas diferentes de mensuração ou por meio de indicadores qualitativos.

Apesar da possibilidade de apresentarem efeitos tardios, sejam positivos ou negativos, Zelter (1993) sugere que a ocorrência de distúrbios psicológicos ou psiquiátricos entre os sobreviventes seja semelhante à da população geral. Por sua vez, Deimling et al. (2002) propõem que a prevalência de transtornos psiquiátricos é de 47% durante a fase do diagnóstico do câncer, reduzindo para 37% seis anos após o tratamento. Para sobreviventes de câncer na infância, há estudos que pontuam a possibilidade dos mesmos apresentarem maior controle emocional e motivação quando comparados a seus pares (Gray et al., 1992).

A presença de distúrbios psiquiátricos graves, como depressão maior ou PTSD, são pouco frequentes em pacientes com câncer e/ou sobreviventes; apesar disso, quando compado à população geral, pacientes/sobreviventes podem apresentar ligeiramente maior risco; reforçando esta ideia, em relação ao transtorno de estresse pós-traumático, a maioria dos estudos sugere a prevalência de 5 a 15%, sendo maior do que o encontrado na população geral – 1 a 4% (Stein, Syrjala, & Andrykowski, 2008).

Ao explorarem a problemática dos sobreviventes de tumores ósseos, Holland e Reznik (2005) concluíram que, um ano após o fim do tratamento, alguns problemas psicológicos podem ser indicativos de um transtorno psiquiátrico, como: medo de recidiva; medo das condições futuras da saúde; preocupações com finanças, trabalho ou relações familiares; aumento da sensação de

vulnerabilidade a doenças futuras e da morte; decréscimo da sensação de controle pessoal; aumento da preocupação em ser dependente dos outros; ansiedade; depressão; sensação de isolamento ou de ser diferente das demais pessoas e medo de ser relapso com os efeitos tardios do tratamento.

Em relação à incidência de transtorno depressivo, a literatura evidencia dados divergentes. Os sobreviventes com maior possibilidade de um diagnóstico de depressão são queles com sequelas em função do câncer. Entretanto, não se diferencia o grau de depressão devido ao tipo específico de câncer (Ciaramella & Poli, 2001, conforme citado por Deimling & cols, 2002). Já um estudo realizado por Bressoud et al. (2007), com sobreviventes de osteossarcoma, não demonstrou relação entre sintomas depressivos e o tipo de cirurgia (de amputação ou preservando o membro acometido) ou entre depressão e a capacidade funcional.

Na investigação da relação entre transtorno depressivo e sobreviventes de câncer na infância e adolescência, Mulhern, Fairclough, Smith e Douglas (1992) destacaram alguns fatores de risco para a ocorrência deste transtorno em sobreviventes, tais como duração de internação, gravidade dos sintomas físicos e depressão materna. Em contrapartida, outros fatores foram considerados como sendo fatores de proteção, pois diminuiriam a possibilidade de o sobrevivente apresentar este transtorno, como a presença de status socioeconômico mais elevado, o apoio social para a mãe (ou família) e a habilidade social da criança. Contudo, de modo geral, pesquisas envolvendo equipes multidisciplinares demonstram que não existe comprovação de depressão severa ou de maior índice de suicídio entre sobreviventes de câncer infantil (Tetelbom, Falceto, Gazal, Shansis, & Wolf, 1993).

Avaliando a prevalência de transtorno depressivo em sobreviventes de câncer na fase adulta, destaca-se uma porcentagem de 13% desse transtorno seis anos após o diagnóstico, podendo alcançar até 25% dos sobreviventes (Deimling et al., 2002).

Segundo Jacobsen e Jim (2009), a interrupção de projetos ou planos, a diminuição da qualidade de vida e recidiva ou regressão da doença podem ser fatores de ansiedade ou depressão durante o tratamento; porém, também é possível o relato desses sintomas após a alta do tratamento pelos fatores citados. A depressão parece estar associada a uma sobrevida mais curta, não devido a uma relação direta, mas pela baixa adesão ao tratamento de pacientes ou pouca modificação e manutenção de comportamentos saudáveis em sobreviventes (Kissane, 2010).

Pacientes que receberam intervenção cognitivo-comportamental reportam, significativamente, menos depressão imediatamente após a intervenção ou também dois anos após a abordagem do profissional, quando comparados aos que não tiveram essa forma de intervenção. Assim, a intervenção cognitivo-comportamental pode favorecer a diminuição dos índices de depressão também em sobreviventes. Abordagens em terapia de grupo parecem ter melhor efetividade do que abordagens individuais no acompanhamento psicossocial, provavelmente em consequência da influência do papel do grupo (Kissane, 2010).

multidimensionais referentes com as transformações ou eventos de vida pós-traumático, de forma que a pessoa pode experimentar sintomas pós-traumáticos ou manifestação de estresse ou até mesmo crescimento pessoal (Zebrack et al., 2008):

O tipo de câncer e estágio, tipo de tratamento, severidade do tratamento e subsequentes efeitos físicos podem todos contribuir para como os sobreviventes experienciam o impacto na suas vidas, assim como a seus níveis de distress, crescimento pessoal e qualidade de vida. (p. 891)

A respeito de estresse no contexto de saúde, para Lipp e Malagris (1998), o nível de qualidade de vida encontra-se profundamente influenciado pelo nível de estresse que a pessoa apresenta. Estudos na área da Oncologia demonstram altos níveis de manifestações de sintomas de estresse pós-traumático em pais de crianças ainda em tratamento do câncer ou que já sobreviveram à doença (Kazak et al., 2004; Kazak, Boeving, Alderfer, Hwang, & Reilly, 2005, conforme citado por Del Bianco Faria & Cardoso, 2010).

Para sobreviventes oncológicos, os trabalhos apontam dados diferentes sobre a porcentagem de indivíduos com critério para diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático: 10% ou 20% (Holland & Reznik, 2005, e Schwartz et al., 2010, respectivamente), sendo de 13% para os sobreviventes de osteossarcoma (Greenberg et al., 1994, conforme citado por Bressoud et al., 2007).

O estresse pós-traumático para sobreviventes oncológicos é caracterizado por ruminação, pensamentos intrusivos, pesadelos frequentes sobre o câncer ou experiências associadas, evitação de pensar ou falar sobre o câncer, evitação em cuidados com a saúde, hipervigilância de sintomas e sentimento de que a vida é prematuramente mais curta ou diminuída (Schwartz et al., 2010).

Ao se avaliar o estresse pós-traumático em crianças e pais fora de tratamento, por pelo menos dois anos, Dellela e Araujo (2002) constataram que as crianças estão melhor adaptadas que seus pais, mas que as experiências associadas ao câncer tem significado negativo para ambos. Situações relacionadas ao tratamento, tais como procedimentos invasivos, alopécia e longo período de hospitalização eram vistos pelas crianças como aspectos negativos na fase anterior, enquanto a realização de exames de controle estava associada à ansiedade. Em contrapartida, há estudos que sugerem que crianças mais novas, ao serem diagnosticadas com câncer, parecem apresentar significativamente maiores níveis de sintomas de estresse pós-traumático ou crescimento pós- traumático (Zebrack et al., 2008).

Quanto aos sobreviventes de câncer na fase adulta, Deimling et al. (2002) constatam que 35% dos sobreviventes podem apresentar sinais de distress, enquanto 5 a 10% destes apresentam sintomas referentes a transtorno de estresse pós-traumático (Cordova e cols, 1995, conforme citado por Deimling et al., 2002). Os principais sintomas estressores para os sobreviventes são aqueles relacionados à vida do indivíduo e não à própria doença, tais como dificuldades na dinâmica familiar e falecimento de cônjuge. Dentre os fatores estressores relacionados à doença, a quimioterapia é um fator significativo mesmo após o fim do tratamento. Os mesmos autores

referem que sintomas de ansiedade ocorrem com a mesma frequência em pacientes em tratamento e sobreviventes (Thomas et al., 1997, conforme citado por Deimling et al., 2002).

Entre os aspectos sociodemográficos que interferem na ocorrência de sintomas de estresse, o fator gênero parece importante: mulheres tendem a apresentar distress psicológico/emocional com mais frequência do que homens (Zebrack et al., 2008). Além disso, pacientes em uma fase avançada da doença parecem experimentar níveis mais elevados de estresse quando comparados àquelas na fase inicial (Kim, Carver, Spillers, Love-Ghaffari, & Kaw, 2012).