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8. DISCUSSÃO

8.3 Qualidade de Vida

A cirurgia bariátrica tem sido largamente associada à melhoria de qualidade de vida. Uma revisão sistemática publicada em 2015(115) procurou estudar

os efeitos da cirurgia bariátrica na qualidade de vida, quando comparada a tratamentos não cirúrgicos para a obesidade. Os resultados apontam para melhorias significativas na qualidade de vida dos sujeitos após dois anos de acompanhamento pós-cirúrgico em comparação às intervenções não cirúrgicas.

Embora nos últimos anos alguns estudos(50, 69, 70, 72, 75) tenham sido

realizados envolvendo cirurgia bariátrica em pacientes com esquizofrenia, o foco desses estudos foi analisar a perda de peso dos pacientes e o retorno dos sintomas psicóticos. Até o momento não há, no conhecimento da autora dessa dissertação, nenhuma pesquisa que tenha se proposto a avaliar a influência da perda ponderal na qualidade de vida desses pacientes.

Para a avaliação de eventuais mudanças na qualidade de vida dos sujeitos participantes do presente estudo, foram utilizados os instrumentos Whoqol, QLS-BR e BAROS.

Foi demonstrada, através dos achados desse estudo, uma melhora importante da qualidade de vida vivenciada por todos os participantes, o que evidencia os ganhos que tal alternativa pode trazer para pacientes portadores de esquizofrenia e obesidade bem selecionados.

8.3.1 Qualidade de vida segundo a escala Whoqol-Breve

Buscando-se uma avaliação mais abrangente da qualidade de vida após a cirurgia bariátrica do grupo estudado, bem como um instrumento que pudesse trazer dados relacionados à população geral, uma das escalas utilizadas foi a Whqol-Breve. Tal instrumento tem sido utilizado recorrentemente para a avaliação da influência da cirurgia bariátrica na qualidade de vida de pacientes que foram submetidos a esta(124-126).

No atual estudo foram obtidos dados que evidenciam uma importante melhora da qualidade de vida dos participantes envolvidos tendo decorrido doze meses da cirurgia bariátrica; diversos estudos(124, 127, 128), documentam um efeito

expressivo na qualidade de vida da população geral que foi submetida ao tratamento cirúrgico para obesidade um ano após a cirurgia, corroborando esses achados.

Em estudo(125) realizado com 102 pacientes tailandeses e no qual foi

analisada a qualidade de vida antes e ao longo de um ano utilizando-se o Whoqol- Breve, os pacientes apresentaram melhora robusta no domínio físico e no domínio psicológico após seis meses da cirurgia bariátrica e continuaram a apresentar melhora gradual até o procedimento cirúrgico completar um ano; ainda nesse estudo, não foi encontrada diferença estatística no que concerne ao domínio ambiental e todos os pacientes apresentaram melhora gradual no domínio social. Tais achados vão ao encontro dos dados encontrados no atual estudo quando considerados os domínios físico e psicológico; quanto ao domínio ambiental, resultados mais satisfatórios foram encontrados na presente pesquisa. Entretanto, foram encontrados resultados menos expressivos quando levado em consideração apenas o domínio social.

Em estudo(126) realizado na República Checa com 68 indivíduos, ao se

levar em consideração os dados encontrados ao analisar a pontuação total do Whoqol-Breve antes e após a cirurgia bariátrica, verificou-se melhora da qualidade de vida dos sujeitos nos primeiros meses após a cirurgia, com manutenção e gradual implemento dessa melhora até um ano. Esses achados estão de acordo com os aqui apresentados.

Não foram encontrados estudos que tenham demonstrado piora do domínio social entre os diferentes tempos após a cirurgia bariátrica; entretanto, a grande maioria dos estudos envolvendo o Whoqol-breve traz apenas um corte, comparando o momento anterior à cirurgia e algum momento após.

O domínio social traz questões relacionadas à vida sexual, tendo sido um ponto em que foi observado que a maioria dos participantes se considerava “muito insatisfeito” ou “insatisfeito” mesmo após perda ponderal significativa. Tal achado pode ser justificado pelo fato da grande quantidade de pele excessiva que os pacientes vinham apresentando e que foi relatado como fator para não estar confortável na relação íntima com outras pessoas.

Estudos mostram que excesso de pele em abdome, flancos e seios após a perda de peso decorrida da cirurgia bariátrica é comum e pode comprometer a qualidade de vida desses pacientes(129, 130). Após estabilização do peso, o paciente

pode ser submetido a procedimento de cirurgias plásticas para retirada desse excesso(129). Geralmente são necessárias três a quatro intervenções cirúrgicas, com

um intervalo de seis meses, sujeitas a uma grande possibilidade de complicações(130).

No serviço de Gastrocirurgia do HC UNICAMP pacientes que foram submetidos à cirurgia bariátrica têm a possibilidade de realizar a abdominoplastia estética após atingir o IMC de peso normal (entre 18kg/m2 e 24,9kg/m2), desde que mantenham esse índice por um ano.

Até o momento, nenhum dos pacientes aqui acompanhados passou por cirurgia plástica estética para melhora desse ponto.

8.3.2 Qualidade de vida segundo a Escala QLS-BR

Os sintomas causados pela esquizofrenia sempre foram objeto de grande interesse. Sintomas como pensamento desagregado, alucinações e delírios são graves manifestações da síndrome e têm um impacto social muito grande. É natural, então, que ao longo dos anos muito tenha se procurado entender sobre e tratar os sintomas ditos positivos. Entretanto, para muitos pacientes as flutuações dos sintomas positivos ocorrem com um pano de fundo menos variável, marcado por um declínio importante nas funções instrumentais(84).

Embora há muito tenham sido concebidas escalas e instrumentos capazes de avaliar e quantificar os sintomas positivos, até recentemente havia uma lacuna no que diz respeito a sintomas negativos. Foi nesse contexto que a QLS foi pensada, em 1984, objetivando-se melhor entendimento desses aspectos da esquizofrenia, voltada especificamente para a síndrome deficitária que pode estar associada ao transtorno e seu impacto na vida dos pacientes(84).

A QLS consiste em uma escala baseada em uma entrevista semiestruturada composta por 21 itens; esses itens são derivados de considerações importantes acerca das manifestações da síndrome deficitária da esquizofrenia. Através da entrevista é possível obter informações que versam sobre diferentes

aspectos da vida do sujeito: Funções Intrapsíquicas e Relações Interpessoais, Rede Social e Nível Ocupacional(84).

No nível relacionado às Relações Interpessoais e Funções Intrapsíquicas, são avaliados quantidade e frequência do contato social, inclusive capacidade de estabelecer intimidade com alguém. Nesse item é avaliado também senso de propósito, motivação, curiosidade e capacidade de sentir prazer. Prejuízos nesse nível podem ser refletivos nos dois outros níveis(84).

A categoria Nível Ocupacional diz respeito a questões relacionadas ao trabalho formal ou informal; avalia grau de subemprego, aproveitamento das capacidades apresentadas pelo sujeito e grau de satisfação com a função desempenhada(84).

Por sua vez, os itens referentes à Rede Social avaliam a qualidade e a frequência do contato com familiares e amigos, incluindo perguntas sobre a participação ativa e passiva(84).

Uma vez que a QLS é uma escala voltada para a avaliação da qualidade de vida dos pacientes com esquizofrenia, não foi possível, nas pesquisas realizadas pela autora desse trabalho, localizar outros estudos que tenham utilizado esse instrumento em pacientes que realizaram cirurgia bariátrica e que pudessem ser usados como base comparativa.

No presente estudo foi observado melhora de todos os pacientes, tanto no vínculo com rede social quanto no que diz respeito a níveis ocupacionais e relações interpessoais.

Embora o fator 3 do QLS (funções interpsíquicas e relações interpessoais) tenha apresentado melhora em todos os participantes, essa melhora não foi significativa estatisticamente. Esse achado pode ser explicado pelo fato que os pacientes aqui estudados são pacientes estáveis do ponto de vista psiquiátrico há bastante tempo, com boas relações interpessoais e funções interpsíquicas relativamente preservadas, de modo que não era prevista uma grande melhoria nesse fator.

A partir desses achados, podemos inferir que há influência direta da obesidade sobre o dia-a-dia dos sujeitos, interferindo no modo que se relacionam e

no seu acesso a lazer e saúde, como aventado em estudos previamente realizados(85-87).

Não havendo base comparativa para que seja possível entender se regressões entre dois tempos de avaliação, como foi observado com o Fator 1 do participante 03, são esperadas, e não tendo esse achado se replicado nos outros participantes, supõe-se que essa variação não esteja relacionada com a cirurgia bariátrica ou a perda de peso em si, mas sim com o contexto social individual.

Embora não haja outros estudos que sirvam como base comparativa para os achados aqui explicitados, algumas considerações podem ser feitas:

Inicialmente, a QLS foi projetada para avaliar os déficits e prejuízos na vida de pacientes causados pela síndrome deficitária decorrente da esquizofrenia; assim sendo, intervenções como um procedimento cirúrgico não deveriam trazer mudanças nesses fatores. Entretanto, os próprios autores da escala trouxeram a crítica(84) de que disfunções nos domínios interpessoal e instrumental podem ter

várias causas externas, além de um déficit primário da esquizofrenia.

Dessa forma, cabe aqui o questionamento de quanto desses prejuízos estão sendo tratados - ou negligenciados – em diversos pacientes como sintomas negativos, sendo que poderiam ser melhorados com intervenções pontuais, como uma cirurgia bariátrica e consequente perda de peso.

Um outro ponto que pode trazer reflexões é o fato de que o tratamento da obesidade pode, também, produzir redução da inflamação crônica por esta induzida. Estudo(28) que realizou revisão sobre o envolvimento da ativação da micróglia e

inflamação por ela induzida, sugeriu que o tratamento dessa inflamação poderia ser um ponto de partida para melhora dos sintomas negativos da esquizofrenia, algo que até então os antipsicóticos disponíveis não fazem com eficácia. Sabendo-se que tanto a esquizofrenia quanto a obesidade têm relação com estados de inflamação crônica, uma das possíveis explicações para as mudanças percebidas na QLS é que de algum modo a diminuição da inflamação induzida pela obesidade influenciaria, ainda que de forma indireta, para mudanças psíquicas e de qualidade de vida. Fazem-se necessários mais estudos para uma melhor avaliação desse processo.

Foram notadas, através da própria QLS, mudanças em relação a como esses pacientes percebem-se, além de maior segurança para lidar com outros e

para se inserir no mercado de trabalho. Foi também observada maior motivação para buscar novas oportunidades e melhoria importante na autoestima, tendo reflexo direto nas relações sociais.

8.3.3 Qualidade de vida segundo a escala BAROS

Em estudo(85) realizado com 32 pacientes brasileiros submetidos à cirurgia

bariátrica e posteriormente avaliados quanto à qualidade de vida com o score BAROS, os resultados encontrados foram excelente (21,9%), muito bom (50%) e bom (28,1%); nenhum dos pacientes teve evolução aceitável ou insuficiente. Resultados semelhantes foram encontrados nesse estudo.

Em outro estudo brasileiro(131) foram avaliados 160 pacientes com

obesidade mórbida que foram submetidos, entre 2000 e 2002, à gastroplastia redutora com by-pass gástrico em Y-de-Roux com anel de contenção; nesse estudo, aplicando-se o escore BAROS, o resultado da avaliação de qualidade de vida foi: excelente em 60,6% dos casos; muito bom em 26,8%; bom em 9,8%; e ruim em 2,8% das vezes. Resultados mais satisfatórios foram encontrados no presente estudo.

Não foram encontrados estudos anteriores que tenham utilizado a escala BAROS para verificar mudanças na qualidade de vida de pacientes com esquizofrenia que tenham realizado cirurgia bariátrica. O presente estudo, entretanto, encontrou dados que mostram que a cirurgia bariátrica e sua consequente perda ponderal é tão ou mais eficaz para a melhora da qualidade de vida em pacientes com esquizofrenia, em comparação com a população geral.

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