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De qualquer das formas, e uma vez provada a legitimidade da classificação (e da problematização a que se adapta) através do grau de adequação dos

conceitos e da pertinência da análise, a complexidade de organização dos

sistemas de produção e de organização do trabalho, ao mesmo tempo que

adensa os possíveis campos de análise, exige uma matriz de categorização

cada vez mais fina das diferentes funções e formas de organização em que

ocorrem. Vejamos um caso possível e demonstrativo:

Uma empresa produtora de sapatos possui um quadro de 150 pessoas ao serviço. O sector directamente "produtivo" conta com 120 pessoas. Das restantes trinta, duas trabalham no gabinete de design que, por sua vez, contrata frequentemente serviços especializados a um profissional liberal; dez trabalham na administração, das quais um é técnico de uma empresa de informática a trabalhar ao abrigo de um contrato de fornecimento de equipamento e serviços, duas secretárias da administração pertencem a uma empresa de trabalho temporário e um economista e um advogado trabalham a

tempo parcial; dez pessoas ocupam-se na secção de aprovisionamento e vendas, controlando a partir daí uma rede de lojas que comercializam o produto e negociando contratos de produção para exportação com uma agência de compras nacional, sub-contratada, por sua vez, por uma cadeia internacional de vendas; finalmente, três pessoas ocupam-se no sector de manutenção de instalações, limpeza e segurança, sendo uma delas empregada de uma empresa especializada em segurança e sendo a limpeza das instalações realizada por cinco operárias da produção. Além destas funções, a empresa recorre a outras empresas privadas de serviços nas áreas da fiscalidade, locação financeira, publicidade, matérias-primas, máquinas e equipamentos e transporte de mercadorias; possui um contrato de formação profissional com um instituto estatal e recorre a um outro para apoio na promoção internacional dos seus produtos, através da mediação de uma associação sectorial; finalmente, participa num contrato, conjuntamente com outras empresas, com um laboratório público de investigação aplicada na área do acabamento dos couros.

Mais do que a categorização das funções de serviço que constam no exemplo, impõem-se quadros de interpretação que ultrapassem os limites estritos do universo microeconómico referido. Neste caso, centrar a análise na empresa é apenas centrá-la num ponto de encontro, num exemplo de equilíbrio possível que resulta de uma estratégia variável de organização da produção, sujeito às tensões criadas pela configuração geral dos mercados (dos produtos, componentes, máquinas, equipamentos, serviços, trabalho,...), das formas de concorrência e das instâncias reguladoras, sejam elas do mercado ou, sobretudo, as do Estado e das suas múltiplas extensões (jurídica, fiscal, monetária, comercial, ...). Por outras palavras, "os fundamentos de urna microeconomia a construir são macroeconómicos" (REIS,1989, 63), não só da microeconomia das unidades de produção (simples ou complexas) de produtos materiais, como das de produção de serviços.

1.5- Para lá do confronto: modos alternativos da compreensão dos serviços

Curioso propósito de investigação, este, que à falta de uma unidade de conceptualização do seu objecto central, os serviços, se refugia na sua acepção implícita ou na parcialidade das suas incursões exploratórias. A impossibilidade da constatação de uma definição suficientemente abrangente e exaustiva, seja a que se baseia na dicotomia dos resultados da actividade (bens/serviços), seja a que se apoia em racionalizações funcionalistas acerca do papel dos supostos serviços no universo económico, empurra a investigação para posturas provisórias em que o contexto da variação do conceito se apoia nos propósitos das estratégias de análise e numa conceptualização não absoluta, relativizada por diferentes coordenadas de referência móveis assentes em características alternativas dos processos de produção, do mercado de trabalho ou dos modos de consumo, por exemplo.

A materialidade, suposta característica dos bens, e a informação, suposta característica dos serviços, não existindo nuns e noutros, como já foi referido, no seu estado puro, origina uma situação que abala profundamente os alicerces de inúmeras classificações instituídas sem que, ao mesmo tempo, essas diferentes classificações (contendo em si outras tantas teses e estratégias de análise) se deixem de tornar imprescindíveis na prossecução da investigação.

Embora podendo ser tomadas sempre como realidades parciais de uma hipotética problematização comum, os serviços, o obstáculo maior parece ser constituído pelo ultrapassar de uma codificação sectorial que se impregnou e instituiu na investigação científica, nas classificações estatísticas e no senso comum.

Mais do que os critérios discutíveis, implícitos ou explícitos, nas diferentes grelhas em que se pretende captar a realidade intrínseca dos serviços, o que, em última análise, viciou a argumentação foi a centragem de uma ideologia industrialista do desenvolvimento económico, primeiro apoiada no período áureo da "Revolução Industrial", o tal capitalismo que Braudel referia como supostamente sendo o "verdadeiro", e depois no período expansionista do pós-guerra até à crise dos anos 70.

Ultrapassada esta questão, através da devolução aos serviços da atenção que não tinham tido até então, e ultrapassado depois o posicionamento que

invertia a favor dos serviços a centralidade do desenvolvimento económico, chegamos hoje a uma situação em que, partindo do pressuposto da leitura da expansão dos serviços no quadro global da actividade económica - "as reestruturações organizacionais e tecnológicas, as transformações das condições e modos de consumo e os modos de regulação que tendem a modelar essas relações" (cf.FERRÃo,1988, 715)-, a "operacionalização inversa do conceito"1 introduz um outro grau de dificuldade, resultante da selecção

dos critérios pertinentes de delimitação usados para fechar o sistema, o campo de interacção em que os serviços possam ser inteligíveis.

Admite-se, assim, uma fragmentação alternativa dos campos possíveis de observação dos serviços, consoante os pressupostos derivem, por exemplo, de uma compreensão micro-económica dos serviços no interior das empresas industriais produtoras de bens, ou, no limite oposto, de uma compreensão macro-económica suficientemente abrangente para enquadrar os quatro eixos de referência atrás considerados. Entre um e outro destes níveis de interpretação apenas analiticamente separáveis, torna-se sempre possível delimitar outros níveis intermédios como aqueles que caracterizam os processos de estruturação económica dos quadros regionais ou locais. Em qualquer um deles, o conceito de serviços materializa-se em realidades diferentes, que mais não são que dimensões ajustadas para visualizar o seu conhecimento e as circunstâncias em que operam. E esta a contrargumentação mais válida para legitimar as virtualidades, a operacionalidade e a elasticidade de um conceito tão compósito como aquele que está contido na pluralidade de situações que os serviços supõem.

Procuramos de seguida testar duas dessas situações, uma à escala micro- económica e outra à escala macro-económica. Na primeira os critérios estruturais de delimitação do campo de análise são definidos pelas estruturas organizacionais das empresas industriais produtoras de bens físicos; no segundo centraremos a análise na divisão social do trabalho e nas formas de regulação sócio-económica, particularmente as que são exercidas pelo aparelho estatal.

1.5.1- Serviços internos de apoio à produção: o campo micro- económico de análise

! - Inversa no sentido em que é contrária ao método de Descartes em que "o conhecimento se aprofunda dividindo os objectos complexos nos seus elementos

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