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4 ANÁLISE DOS DADOS

4.1 ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DOS DADOS

4.1.2 Quantificação dos dados – resultados gerais

Para o desenvolvimento desta pesquisa utilizou-se o software Goldvarb 2001, através do qual foi possível investigar possíveis contextos favorecedores da variação e, a partir da análise quantitativo-qualitativa dos resultados obtidos, identificar a incidência de cada fator e grupo de fatores sobre as variantes.

Os detalhes, hipóteses e objetivos iniciais concernentes a cada um dos grupos de fatores adotados neste trabalho são descritos junto à análise. Primeiramente, comentam-se os grupos de fatores não selecionados pelo programa em nenhuma das rodadas, justificando as hipóteses e objetivos e depois os grupos selecionados em cada uma das rodadas binárias.

Ressalta-se que, comumente, os estudos sociolinguísticos são realizados com base na aplicação ou não aplicação de uma regra variável, ou seja, consiste em um sistema de variantes binário. O fenômeno estudado nesta pesquisa, porém, compreende mais do que duas variantes, sendo necessária, pois, a realização de rodadas eneáreas, ou seja, rodadas realizadas a partir do agrupamento de todas as variantes consideradas, e rodadas binárias, em que cada variante é analisada em função da forma canônica.

Foram realizadas análises eneáreas concernentes aos dados obtidos com as duas questões específicas basilares para o desenvolvimento desta pesquisa, cada uma com cinco variantes – a forma sintética padrão, a forma sintética não padrão, a forma analítica, a forma sintético-analítica e a forma elíptica de marcação temporal. Observe-se:

Quadro 20 – Paradigma sintético das variantes adotadas em ambas as análises quantitativo-qualitativa dos dados concernentes à expressão de futuridade

Variantes Perguntas Forma sintética padrão Forma sintética não padrão Forma sintético- analítica Forma analítica Forma elíptica de marcação temporal Total de ocorrências

“O que você fará amanhã?”

Futuro sintético

“trabalharei” “trabalho” Presente

Futuro sintético- analítico “irei trabalhar” Futuro analítico “vou trabalhar” Infinitivo “trabalhar” 417

“O que você faria se ganhasse na loteria?” Condicional sintético “comprarei” Imperfeito “comprava” Condicional sintético- analítico “iria comprar” Condicional analítico “iria comprar” Infinitivo “comprar” 592

O Quadro 20 revela fidedignidade à padronização de ambas as análises realizadas com base nas perguntas específicas adotadas neste estudo, no que tange às variantes. Esse modelo de análise foi adotado em função de um dos escopos desta pesquisa que visa confrontar

qualitativamente os resultados obtidos com ambas as análises quantitativas segregadas, a fim de verificar semelhanças e divergências entre os dois tipos de expressão de futuridade ora estudados, que também se traduzem nos dois futuros canônicos pela NGB – futuro do presente e futuro do pretérito.

As primeiras rodadas gerais válidas – análises univariadas, nas quais se verifica apenas o efeito de uma variável independente sobre a variável dependente, sem estabelecer comparações com as outras – foram realizadas com todas as cinco variantes e com todos os fatores. Nelas se observou a presença de knockouts – “erros” na quantificação dos dados que correspondem “a uma freqüência de 0% ou de 100% para um dos valores da variável dependente.” (GUY, ZILLES, 2007, p. 158), e equivalem à não variação.

Para extinguir esses knockouts, tornou-se necessário desconsiderar alguns fatores. As rodadas eneáreas realizadas são anexas a esta pesquisa.

Observem-se, no Gráfico 1, a seguir, os percentuais obtidos com a rodada eneárea inicial concernente à expressão de futuridade iminente em relação ao momento da fala, a partir da qual documentaram-se 417 ocorrências de variantes, como visto antes no Quadro 20.

Gráfico 1 – Percentuais obtidos com a análise univariada concernente à expressão de futuridade iminente

em relação ao momento da fala

Como se pode verificar, dentre as cinco variantes documentadas, destaca-se a frequência de uso do futuro analítico – “vou trabalhar” –, com 40%, e da forma presente – “trabalho” –, 22% do total das 417 ocorrências, em detrimento da forma canônica, futuro

sintético – “trabalharei” –, cujo percentual se revela baixo, apenas 5%.

5% 2% 22%

40%

31%

Como se vê, a variante sintético-analítica – “irei trabalhar” – foi a menos utilizada, inclusive em relação à forma de marcação temporal elíptica expressa pelo infinitivo – “trabalhar” – que exigiu uma análise mais detalhada.

Seguindo os mesmos parâmetros de análise, apresentam-se os resultados concernentes à expressão de futuridade condicionada a uma situação hipotética anterior, a partir da qual foram documentadas 592 realizações de formas variantes. Observe-se o Gráfico 2:

Gráfico 2 – Percentuais da rodada geral concernentes à expressão de futuridade condicionada a uma

situação hipotética anterior

Verifica-se que no tocante à futuridade condicionada a uma situação hipotética

anterior, diferentemente do que se observou no Gráfico 1, a forma canônica, condicional sintético – “compraria” –, apresenta o maior índice em relação às demais variantes, 32% do

total das 592 ocorrências. Ressaltam-se, porém, os altos índices percentuais das variantes

condicional analítico – “ia comprar” –, e imperfeito – “comprava” –, que equivalem

respectivamente a 23% e 27% do total das realizações. Observou-se ainda o uso do infinitivo em ambas as situações analisadas, embora o percentual seja baixo, apenas 15%.

A frequência de uso da forma elíptica de marcação temporal expressa pelo infinitivo exigiu, em ambas as análises, um estudo mais detalhado, sobretudo pela não definição de se tratar do uso do infinitivo como expressão de futuridade ou de elipse de auxiliar ir. Hipóteses e considerações serão discutidas no decorrer deste trabalho.

Uma comparação dos dados de ambas as análises apresentados nos quadros 1 e 2, antes vistos, mostra que a variante majoritária de expressão de futuro próximo é a forma analítica – “vou trabalhar” –, enquanto as formas mais frequentes que expressam futuro hipotético condicionado são as formas sintéticas: a) condicional – “compraria” – e b)

32%

27% 3%

23%

15%

imperfeito – “comprava”. Isso implica dizer que a categoria de tempo/aspecto é proeminente,

em relação ao comportamento morfossintático, apenas para a oscilação entre as formas que expressam futuridade hipotética condicionada.

Em tempo, ressalta-se que em trabalho-piloto6 (NEIVA, 2010), realizado durante o desenvolvimento desta pesquisa com base em Cartas de Luis dos Santos Vilhena compiladas na obra A Bahia no século XVIII, atestaram-se os seguintes resultados: i) oscilação de o uso de formas verbais que expressam futuridade, inclusive na escrita, no português brasileiro do século XVIII; ii) emprego do futuro sintético como a forma mais frequente, conquanto os percentuais de futuro sintético e futuro analítico encontrassem, à época, aproximados, 48% e 37% do total das 129 ocorrências; iii) uso majoritário do condicional sintético, com 52% do total das 158 realizações.

Três séculos depois, o paradigma da futuridade verbal encontra-se diferente: o futuro

sintético, cuja realização é a mais frequente nos dados do século XVIII, torna-se, na fala, uma

forma em desuso e o condicional sintético continua sendo a forma mais empregada, mas seu uso é equiparado ao uso das variantes, sobretudo o imperfeito – forma sintética não padrão – e a forma analítica constituída por auxiliar ir em presente seguido de infinitivo – “ia comprar”.

Evidentemente, embora esta pesquisa de mestrado tenha perspectiva sincrônica, não se podem desprezar os dados diacrônicos sob pena de não se compreender devidamente o presente.

Após a observação da análise quantitativa univariada, realizaram-se análises multivariadas, a partir de rodadas binárias, das quais se passará a tratar.

6 Nesse trabalho, observaram-se o uso e os contextos em que se apresentam as formas que expressam futuridade

em oito cartas de Luis dos Santos Vilhena, que versam sobre os descontentamentos, angústias e expectativas do autor em relação à cidade do Salvador e em que estão patentes ainda comentários de Braz do Amaral, compilados na obra A Bahia no século XVIII.