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4 ANÁLISE DOS DADOS

4.3 ANÁLISE QUALITATIVA DE ALGUMAS ESTRUTURAS DOCUMENTADAS

4.3.2 Resultados das rodadas binárias com o infinitivo

No que tange ao uso do infinitivo como expressão de futuridade iminente e de

futuridade hipotética e condicionada, durante o desenvolvimento da pesquisa aventou-se a

ideia de que a forma elíptica de marca temporal expressa pelo infinitivo fosse elipse do auxiliar ir em uma perífrase. Contudo, considerando o fato de existir a realização do futuro sintético-analítico [irei + inf.] além da forma analítica [vou + inf.], não se pode evidenciar se se trata da elipse do auxiliar ir no presente – “vou” – ou deste no futuro – “irei”.

As músicas “Café da manhã”, de Roberto e Erasmo Carlos, e “Minha estrela” interpretada pela banda Jamil e uma noites, ilustram a indagação – a possibilidade de o infinitivo ser, de fato, elipse do auxiliar. Observem-se alguns excertos:

Excerto da música 3 – Café da manhã, de Roberto e Erasmo Carlos Amanhã de manhã

Vou pedir o café pra nós dois Te fazer um carinho e depois Te envolver em meus braços

E em meus abraços

Na desordem do quarto esperar Lentamente você despertar E te amar na manhã [...]

Excerto da música 4 – Minha estrela, de Jamil e uma noites [...]

Vou te ninar, te abraçar

Te beijar a vida inteira

Serei seu fã, você pra sempre a minha estrela.

[...]

Como se vê, no Excerto da música 3, o compositor inicia seu enunciado usando a forma analítica – “vou pedir” – antecedido pelo marcador temporal “Amanhã de manhã”. Em seguida, por toda a estrofe, vale-se de construções em que apenas o infinitivo é explicitado e, quase sempre, acompanhado de “te” em posição proclítica – “te fazer”, “te envolver”, “esperar” e “te amar”.

Observe-se, ainda, que o segundo uso do infinitivo – “te envolver” – é precedido de outro marcador temporal – “depois”. De que se pode depreender que a única marcação temporal da expressão de futuridade ocorre, unicamente, fora do verbo. Este fato objeta algumas definições expressas em gramáticas de língua portuguesa.

Percebe-se que as duas primeiras realizações do infinitivo como formas de expressão de futuridade são de fácil identificação, sobretudo pela presença de um marcador temporal e (ou) pelo uso do futuro analítico no início do enunciado. Essas formas podem, portanto, ser admitidas como elipse do auxiliar “vou”.

Entretanto, no decorrer, ao passo em que o poeta não retoma a expressão de futuridade através de um elemento linguístico, torna-se mais complexo identificar o infinitivo como uma variante de futuro, embora seja possível pressupor a elipse do auxiliar “vou”.

No Excerto da música 4 pode-se pressupor a provável elipse de marcação temporal em “te abraçar” e “te beijar” que aparecem no encadeamento da estrofe iniciada pelo futuro

analítico – “Vou te ninar”. A hipótese é, ainda, reforçada pela presença de elipse verbal que

ocorre no último verso da estrofe refrão – “Serei seu fã, você pra sempre a minha estrela”. Observe-se, a seguir, uma possível análise linguística pautada na hipótese aventada.

Vou te ninar, ( vou = Ø) te abraçar ( vou = Ø) Te beijar a vida inteira

Serei seu fã, você (Ø = será, vai ser) pra sempre a minha estrela.

Como se vê, a elipse do auxiliar “vou” é nítida. Porém, a elipse do verbo “ser” no último verso pode ser interpretada como “será” ou como “vai ser”, haja vista toda a estrofe ser composta ora pelo futuro analítico totalmente explicitado [vou + inf.] ora pela elipse de auxiliar [vou (Ø) + inf.]

Evidentemente, em ambos os excertos das músicas, os fatos podem ser justificados com base em argumentos relacionados à métrica da canção ou como licença poética, mas é preciso destacar que são de passível de realização em eventos de fala e de escrita, sobretudo em âmbito formal. Ora, sabe-se que a elipse no português brasileiro contemporâneo é um fato recorrente em diversos fenômenos.

Segundo Perini (2010, p. 186), “no PB, encontramos lacunas correspondentes a diversas funções sintáticas. O sistema funciona, ao que parece, assim: o receptor tem em sua memória a lista das construções sintáticas da língua [...]”. E, assim como um verbo pode ser suprimido sem que haja prejuízo na comunicação, também é possível que alguns de seus elementos – morfemas, sufixos e flexões – sejam não realizados foneticamente. No caso, inesperadamente, a elipse de auxiliar consiste na elipse da marcação temporal, embora a marcação modo-temporal de “vou” – que é presente – seja nula, morfema zero.

De volta para o futuro nesta pesquisa, ressalta-se que o infinitivo representa 31% das respostas válidas concernentes à expressão de futuridade iminente em relação ao momento da

fala e no que se refere ao valor de futuro hipotético condicionado, foram quantificados 15%

do total de respostas obtidas.

A priori, as realizações do infinitivo após a forma analítica ou sintético-analítica foram

consideradas como elipses do auxiliar, e as que ocorrem após as formas sintéticas – padrão e não padrão – foram consideradas como infinitivo. Sendo, entretanto, possível ocorrer

infinitivo após formas sintéticas parece não haver razão para considerar como elipse de

auxiliar já que a elipse pode estar em qualquer nível da língua na sentença – mórfico, morfossintático ou discursivo.

Tornou-se relevante, assim, analisar o comportamento dessa forma em confronto com a forma canônica – futuro sintético – e com as variantes, especificamente em dois contextos pragmático-discursivos a partir do cruzamento das duas variáveis pragmático-discursivas adotadas neste trabalho: o ‘Paralelismo discursivo’ e a ‘Ordem das sentenças’, a fim de identificar quando se trata de infinitivo e quando se trata de elipse do auxiliar ir – “vou” ou “irei”.

Observem-se, primeiramente, os resultados da realização de infinitivo obtidos a partir do cruzamento dos dados concernentes à expressão de futuridade iminente ao momento da

fala e, em seguida, os dados que se referem à expressão de futuridade condicionada a uma situação hipotética anterior.

É válido ressaltar que para esta investigação, a variável ‘Paralelismo discursivo’ compôs-se de quatro fatores: ‘após infinitivo’ – realização em cadeia –, ‘após futuro sintético’, ‘após presente’ e ‘após futuro analítico’. O fator ‘contexto subsequente ao futuro sintético-

analítico’ não pode se analisado em razão do não uso de infinitivo nesse contexto. Atesta-se,

com base neste fato, que a realização de infinitivo como expressão de futuridade configura-se ora como elipse do auxiliar ir no presente – “vou” – ora como o próprio infinitivo.

Gráfico 37 – Distribuição do infinitivo – cruzamento das variáveis pragmático-discursivas

Como se percebe, a realização em cadeia – infinitivo após infinitivo – é o contexto mais proeminente, haja vista os percentuais serem maiores do que 50% em todas as situações propostas – as realizações no âmbito do período enunciativo – alcançando aos 90% quando em ‘terceira resposta’.

É importante ressaltar, também, que as realizações após as formas sintéticas – presente e futuro sintético – apresentam-se como os contextos menos propícios para o uso da forma infinitiva. Contudo, os percentuais de infinitivo após futuro sintético são maiores do que quando a variante se realiza após o presente, e em caso de ‘quarta resposta’, o índice eleva-se – 33% –, sobretudo em relação ao futuro analítico – 24%.

Aliás, o contexto infinitivo subsequente ao futuro analítico mantém certa regularidade no que concerne ao âmbito do enunciado, embora os percentuais não se revelem altos – entre 17% e 26%.

Similarmente, no que concerne à expressão de futuridade condicionada uma situação

hipotética anterior, observou-se que a realização em cadeia é também a que mais favorece o

uso da forma de marcação temporal elíptica, como se observa no gráfico, a seguir:

0% 20% 40% 60% 80% 100% primeira resposta segunda resposta terceira resposta quarta resposta 0% 7% 0% 5% 20% 15% 12% 33% 25% 26% 17% 24% 50% 62% 90% 76% após presente após futuro sintético após futuro analítico após infinitivo

Gráfico 38 –Distribuição do infinitivo – cruzamento das variáveis pragmático-discursivas

Confrontando ambos os resultados apresentados no gráficos 37 e 38, atestam-se divergências. Em contrapartida ao que ocorre com o uso do infinitivo após a forma canônica

futuro sintético, em que os percentuais se revelam baixos – entre 12% e 33% – mas não

inferiores à forma sintética não canônica – presente –, o maior percentual concernente ao uso da forma elíptica após o condicional sintético equivale a 12%, em quarta resposta.

Um estudo mais acurado sobre o uso do infinitivo, quiçá, possa proporcionar uma melhor compreensão. Vale ressaltar, entretanto, que esta pesquisa objetivou, estritamente, descrever o comportamento de formas verbais que expressam futuridade, atentando para a incidência de fatores intra e extralinguísticos.

0% 20% 40% 60% 80% 100%

primeira resposta segunda resposta

terceira resposta quarta resposta 0% 6% 15% 10% 3% 9% 3% 12% 0% 33% 23% 15% 0% 50% 50% 0% 75% 50% 67% 67%

CAPÍTULO V

A REALIDADE LINGUÍSTICA BRASILEIRA VERSUS OS

COMPÊNDIOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

5 A REALIDADE LINGUÍSTICA BRASILEIRA VERSUS OS