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QUANTIFICAÇÃO SELETIVA DE

ADENOSINA EM URINA USANDO ROP-

SERS E MCR-ALS

5.1 Motivação

Câncer é um grupo de doenças caracterizadas pelo crescimento não controlado e disseminação de células velhas, anormais ou danificadas em tecidos vizinhos, causando na maioria dos casos a formação de um tumor sólido [122]. O número de mortes causadas por câncer no mundo atinge milhões de pessoas cada ano (e.g. 8,8 milhões de mortes em 2015), afetando principalmente países em desenvolvimento, onde ocorrem 70 % das mortes [123]. Na Figura 37 são mostrados os principais tipos de câncer que afetaram homens e mulheres no ano 2016. Além disso, considerando o grande aumento esperado no número de casos nas próximas duas décadas (70% mais casos) [123], o desenvolvimento de novas estratégias para seu diagnóstico e tratamento precoce é atualmente uma tarefa altamente relevante.

Figura 37: Tipos de câncer mais comuns em homens e mulheres. O número de casos mostrados corresponde ao ano 2016 [124].

Biomarcadores de câncer são substâncias que podem medir o risco de desenvolvimento de câncer em um tecido específico, risco de progressão do câncer ou a resposta do organismo ao tratamento [122,125]. Assim, a identificação e determinação de biomarcadores é uma tarefa crucial para avaliar a resposta ao tratamento e para o diagnóstico precoce de câncer. A adenosina é um nucleosídeo endógeno presente em todas as células humanas e desempenha um papel fundamental em vários processos fisiológicos em tecidos e órgãos. Estudos prévios têm sugerido que o crescimento rápido de tumores sólidos resulta na acumulação de adenosina, e sua posterior eliminação na urina em concentrações anormais [126– 128]. Portanto, a adenosina é considerada um potencial biomarcador de câncer na urina e sua determinação pode ser utilizada para o monitoramento não invasivo e diagnóstico precoce de câncer.

Devido às concentrações relativamente pequenas de adenosina (nível de µmol/L) e à alta complexidade da matriz de urina, sua quantificação representa um grande desafio do ponto de vista analítico. Em consequência, métodos analíticos sensíveis e seletivos empregando cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas têm sido utilizados com sucesso para esse propósito [129–131]. Entretanto, esses métodos são comumente custosos, usam solventes orgânicos que geram resíduos e requerem de um preparo de amostra laborioso, tornando-os inadequados para o monitoramento rotineiro de adenosina. Alternativamente, alguns métodos quantitativos empregando SERS têm sido utilizados para a detecção sensível de adenosina, porém, eles requerem procedimentos sintéticos complexos e demorados. Neste contexto, o uso da técnica ROP-SERS proposta poderia ser utilizada como uma estratégia alternativa interessante para o monitoramento sensível de adenosina em urina.

5.2 Objetivos específicos

 Estudar o efeito do pH nos espectros SERS de adenosina, urina sintética e urina humana após a pré-concentração por ring oven;

 Comparar os métodos MCR-ALS com restrição de correlação e com adição de padrão para a determinação de adenosina em urina;

 Validar o método proposto, em termos de precisão, exatidão e seletividade, para a determinação adenosina em amostras de urina humana real.

5.3 Parte experimental e análise de dados

5.3.1 Equipamentos

Os espectros SERS foram coletados no equipamento Raman de bancada descrito no Capítulo 2 desta tese (laser emitindo radiação em 785 nm). Os substratos SERS fabricados neste capítulo foram caracterizados por estudos FESEM. Além disso, as condições experimentais para a obtenção da imagem FESEM e dos espectros SERS foram as mesmas que as descritas no Capítulo 2 e 4, respectivamente.

5.3.2 Reagentes

Além dos reagentes utilizados no Capítulo 2, 3 e 4, citidina, timidina, uridina e urina sintética (SurineTM) foram obtidas da Sigma-Aldrich. Papel de filtro Whatman

No 40 foi utilizado em todos os experimentos deste capítulo.

5.3.3 Sistema de pré-concentração baseada na técnica de ring oven

A Figura 38 mostra o sistema de preconcentração utilizado neste capítulo, que é similar ao utilizado no Capítulo 4, porém, com a utilização de um sistema por injeção em fluxo, o que proporcionou um melhor controle dos volumes de amostra injetados. Em todos os experimentos o volume de amostra injetado foi de 200 µL, e todas as soluções foram preparadas apenas utilizando água deionizada, motivo pelo qual a vazão foi alterada para 30 µL/min.

Figura 38: Sistema de pré-concentração por ring oven utilizado, constituído por um sistema de injeção em fluxo à esquerda (bomba peristáltica, controlador de fluxo, injetor e recipiente de descarte) e um forno à direita (sistema ring oven).

5.3.4 Determinação de adenosina em amostras de urina

Amostras de urina humana foram coletadas de três pessoas declaradas saudáveis, com a permissão do comitê de ética da UNICAMP (número CAAE 76263317.0.0000.5404), e foram armazenadas na geladeira (4 ºC). As amostras obtidas foram filtradas, o pH foi ajustado em pH 1 e diluídas com água deionizada até uma concentração final de 30% (v/v). Depois, 200 µL das amostras foram injetadas no sistema de pré-concentração por ring oven com e sem enriquecimento de adenosina.

5.3.5 MCR-ALS: restrição de correlação versus adição de padrão

Como descrito na seção 1.3.4 deste trabalho, o modelo MCR-ALS pode ser utilizado acoplado com o método de adição de padrão ou empregando a restrição de correlação para obter valores de concentração reais. Neste capítulo, ambas as estratégias serão testadas visando o desenvolvimento de um método exato e preciso para a determinação de adenosina em amostras de urina humana.

5.4 Resultados e discussão

De forma similar que no Capítulo 4, a formação do anel de analito e a distribuição de GNPs na borda do mesmo foram estudadas por FESEM e por meio da obtenção de uma imagem SERS (Figura 31A). Esta figura demonstra que, como esperado, um anel bem definido e uma distribuição relativamente homogênea de

GNPs foram observados. De acordo com a imagem SERS, não houve uma deformação significativa do anel após a deposição direta de GNPs pré-concentradas 50 vezes na sua borda de adenosina. Além disso, o fator de pré-concentração obtido pelas equações 28 e 29 para o volume de amostra injetado (200 µL) foi de 51.

Com o intuito de estabelecer as melhores condições para a quantificação de adenosina, a influência do pH na resposta SERS foi estudada, como mostrado na Figura 31B. Os resultados indicaram que a resposta SERS da banda mais intensa de adenosina (localizada em 734 cm-1) diminuiu com o aumento do valor de pH.

Esse comportamento foi provavelmente causado pela protonação das moléculas de adenosina em meio ácido (pKa = 3,5), aumentando a afinidade eletrostática com a

superfície negativamente carregada das GNPs (devido à presença de citrato na nanosuperfície). Desta forma, a capacidade do sistema ROP-SERS para detectar adenosina foi maximizada em pH = 1. A Figura 31C mostra a variação das intensidades dos espectros SERS de adenosina, obtidos em pH = 1, com o aumento da concentração em uma faixa de 0 até 10 µmol/L, com faixa linear de trabalho entre 0,15 µmol/L e 1,2 µmol/L. Adicionalmente, um limite de detecção de 50 nmol/L foi estimado. Portanto, a capacidade de detecção empregando ROP-SERS pode ser considerada similar ou superior à obtida através do uso de substratos SERS sólidos fabricados por métodos custosos e demorados [127,132,133]. Neste ponto, é importante mencionar também que o método univariado utilizado mostrou-se adequado para quantificar adenosina na ausência de interferentes.

Figura 39: (A) Caracterização do anel de adenosina (1 µmol/L) formado após a pre- concentração por ring oven. (B) Estudo da influência do pH no espectro SERS de adenosina. (C) Identificação da faixa linear para a detecção de adenosina em pH 1.

Levando em consideração a baixa seletividade da espectroscopia SERS e a complexidade da matriz de urina, a identificação das melhores condições para a adsorção preferencial de adenosina na superfície das GNPs torna-se necessária. Neste sentido, a influência do valor de pH nos espectros SERS de urina humana

sintética e real foi estudada (Figura 40). Em ambos os casos, bandas intensas e bem definidas foram observadas em meio básico (pH = 11), enquanto bandas largas e fracas foram em meio ácido (pH = 1). Portanto, o valor de pH = 1 pode ser considerado como a melhor condição para minimizar o sinal proveniente da matriz de urina, composta por ureia, creatinina, ácido úrico, etc. Adicionalmente, acredita-se que a migração incompleta de alguns componentes da urina nestas condições (por exemplo, devido à precipitação do ácido úrico em pH ácido) pode diminuir parcialmente o efeito de matriz, enquanto a migração de adenosina até a borda do anel é garantida (como demonstrado na Figura 39A).

Figura 40: Comparação dos espectros SERS de urina humana sintética e real em meio ácido e meio básico.

Embora o sinal SERS proveniente da matriz de urina tenha sido minimizado em pH = 1, a supressão do sinal de adenosina e a sobreposição das suas bandas SERS com as da urina podem limitar a aplicabilidade do método ROP-SERS, podendo ser um problema crítico em concentrações baixas de analito. Para contornar essas limitações, dois modelos quimiométricos foram testados: (1) modelo MCR-ALS com restrição de correlação utilizando urina sintética como matriz (‘‘branco’’) no conjunto de calibração, e (2) modelo MCR-ALS, sem restrição de correlação, acoplado com o método de adição de padrão. Em ambos os casos, uma

faixa de números de onda contendo as bandas mais intensas de adenosina foi utilizada (600–1000 cm-1). Na primeira estratégia, três contribuições significativas

foram identificadas usando SIMPLISMA (matriz de urina sintética, matriz de urina humana e adenosina). Assim, três espectros SERS foram recuperados na matriz ST

(Figura 41A) indicando que o modelo proposto é adequado para a análise qualitativa das espécies presentes no sistema. Além disso, o uso da restrição de correlação permitiu a construção de uma curva de calibração para a quantificação de adenosina em uma amostra de urina humana (Figura 41B).

Figura 41: (A) Espectros recuperados e (B) capacidade de previsão do modelo MCR-ALS com restrição de correlação (n = 3).

No entanto, as porcentagens de recuperação para as concentrações de adenosina adicionada estiveram na faixa de 66 – 89%, indicando a presença de um erro sistemático negativo. Esse comportamento foi provavelmente causado pela diferença de composição minoritária entre urina sintética e a humana, o que resulta em diferenças no grau de supressão do sinal SERS. Portanto, o uso de urina sintética como matriz na calibração mostrou-se inadequada para quantificar adenosina em amostras de urina reais.

Como uma alternativa ao modelo MCR-ALS com restrição de correlação usando urina sintética como ‘‘branco’’, o modelo MCR-ALS acoplado com o método de adição de padrão foi utilizado. Neste caso, duas contribuições significativas foram identificadas (matriz de urina real e adenosina) e seus espectros foram recuperados,

como mostrado na Figura 42A. Os escores da matriz C foram utilizados junto com as concentrações adicionadas de adenosina para construir uma curva de adição de padrão em uma amostra de urina real (Figura 42B). Neste caso, a porcentagem de recuperação foi de 103% (n = 3), indicando que essa é uma estratégia mais adequada para a determinação de adenosina em amostras de urina real.

Figura 42: (A) Espectros recuperados e (B) curva de adição de padrão do modelo MCR-ALS sem restrição de correlação.

A aplicabilidade do método proposto foi validada através do cálculo da precisão e exatidão. Para tal, três amostras de urina real de três pessoas saudáveis foram analisadas e os resultados são mostrados na Tabela 6. Esses dados mostraram que não houve diferencia significativa entre as concentrações adicionadas e recuperadas (teste t-Student com 95% de confiança). Além disso, os desvios padrões relativos estiveram na faixa de 7,5-14,2% e os limites de detecção [100] na faixa de 3,8-4,9 µmol/L.

Considerando que a literatura tem reportado uma faixa de concentrações de adenosina entre 0,5 µmol/L e 115 µmol/L na urina de pessoas com câncer de pulmão, gástrico e de mama [127,128], o método proposto exibiu uma sensibilidade adequada para monitorar adenosina em concentrações fisiologicamente relevantes. Em adição à avaliação da precisão e a exatidão do método, a seletividade do mesmo foi demonstrada por meio de ensaios de adição e recuperação na presença de potenciais interferentes. Os potenciais interferentes selecionados para este estudo foram quatro nucleosídeos com estruturas químicas similares à adenosina.

Os resultados mostraram que não houve diferença significativa (teste t-Student com 95% de confiança) entre o valor adicionado e recuperado de adenosina (50 µmol/L) em urina real, após a adição de: guanosina (25 µmol/L), citidina (25 µmol/L), timidina (25 µmol/L) e uridina (25 µmol/L).

Tabela 6. Ensaios de adição e recuperação na determinação de adenosina em amostras de urina de três pessoas saudáveis (U1, U2 e U3).

Amostra Adicionada (µM) Determinada (µM) Recuperação (%)

U1 25 28 ± 4 112 75 80 ± 6 106 U2 25 24 ± 3 96 75 76 ± 8 101 U3 25 26 ± 3 104 75 73 ± 6 97

Os espectros SERS dos potenciais interferentes estudados, obtidos em pH ácido e básico, são apresentados na Figura 43. Apesar de a guanosina ser o único nucleosídeo que apresentou um sinal SERS significativo em pH = 1, o efeito de matriz da urina provocou uma grande supressão deste sinal e, consequentemente, não houve diferença significativa nos espectros SERS recuperados (adenosina e matriz de urina). Esses resultados demonstraram a boa seletividade do método proposto como resultado do uso de MCR-ALS e a adsorção preferencial de adenosina nas GNPs, que foi promovida pelas condições experimentais selecionadas.

Figura 43: Espectros SERS de adenosina, guanosina, citidina, uridina e timidina obtidos após a pré-concentração por ring oven em pH (A) 1 e (B) 11.

Portanto, o método proposto apresenta a seletividade, a precisão e a exatidão adequadas para ser potencialmente utilizado no monitoramento e diagnóstico precoce de câncer utilizando SERS e papel de filtro como plataforma analítica.

5.5 Conclusões parciais

Em conclusão, o método ROP-SERS-MCR-ALS proposto foi utilizado com sucesso para a determinação de adenosina, um potencial biomarcador de câncer em urina, em concentrações fisiologicamente relevantes. A etapa de pré-concentração pela técnica de ring oven mostrou ser uma estratégia eficiente para melhorar o procedimento de amostragem em papel de filtro. O pH mostrou ser um parâmetro fundamental no desenvolvimento de métodos analíticos baseados em SERS, pois seu estudo pode levar à redução do sinal SERS dos interferentes. Por fim, o método proposto permitiu a determinação seletiva de adenosina, mesmo na presença de interferentes da matriz de urina e quatro nucleosídeos com estrutura química similar.

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