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Quanto é pequena a quantidade de ouro, prata e vestes tirada do Egito por esse povo hebreu em

SOBRE OS SINAIS A SEREMINTERPRETADOS NAS ESCRITURAS

C. UTILIDADE DO CONHECIMENTO DAS CIÊNCIAS, ARTES E INSTITUIÇÕES

63. Quanto é pequena a quantidade de ouro, prata e vestes tirada do Egito por esse povo hebreu em

comparação com as riquezas que lhe sobrevieram em Jerusalém, e que aparecem sobretudo com o rei Salomão (1Rs 10,14-23), assim é igualmente pequena a ciência — se bem que útil — recolhida nos livros pagãos, em comparação com a ciência contida nas divinas Escrituras. Porque tudo o que um homem tenha aprendido de prejudicial alhures, aí está condenado, e tudo o que aprendeu de bom, aí está ensinado. E quando cada um tiver encontrado tudo o que aprendeu de proveitoso em outros livros, descobrirá muito mais abundantemente aí. E o que é mais, o que não aprendeu em nenhuma outra parte, somente encontrará na admirável superioridade e profundidade destas Escrituras.

Bem munido por essa formação e não estando mais paralisado por signos desconhecidos, o leitor manso e humilde de coração, submisso ao jugo de Cristo, carregado com um fardo leve, fundado, enraizado e edificado na caridade, poderá lançar-se ao exame e à discussão dos signos ambíguos das Escrituras, sobre os quais, no próximo livro, eu me preparo a discorrer, conforme o Senhor se dignar me inspirar.

28. Nos capítulos 1-5, Agostinho aborda o problema dos sinais, do ponto de vista das Escrituras, preparando o terreno para a aplicação da interpretação alegórica. Já em 389, neoconvertido, Agostinho tratara a respeito dos sinais, na obra O mestre (futuro lançamento nesta coleção). Como a palavra tornou-se o melhor veículo para o homem expressar seus pensamentos, Deus recorre às palavras dos profetas para falar ao homem. Assim, a Escritura é o conjunto de sinais emitidos por Deus que se acomoda à nossa linguagem e às nossas figuras literárias. Cf. P. Brown, p. 315.

29. Como numerosos Padres da Igreja, especialmente a partir de Orígenes, influenciados, em particular por Fílon de Alexandria, Agostinho prestigia e exalta o método alegórico na explicação da Sagrada Escritura. A explicação que ele dá do Cântico dos cânticos 4,2, no presente capítulo, é típico da exegese alegórica fantasista, ao gosto da época, mas que ao leitor moderno causa estranheza e embaraço. É preciso ler os três últimos livros das Confissões (Paulus, col. Patrística, pp.327-450) para entender a atração de Agostinho pela interpretação alegórica, especialmente o último livro que é uma meditação sobre os significados alegóricos da criação. As passagens obscuras, os enigmas, Deus os permitiu, segundo Agostinho, como meio pedagógico de sacudir a preguiça intelectual, evitar o fastio da leitura e aguçar o desejo de compreensão do nosso espírito, pois, segundo ele, o que é sempre facilmente acessível torna-se logo banal. Assim, também os espíritos cultos encontram nas Escrituras um livro fecundo em sentidos profundos, suscetíveis de serem descobertos. Cf. mais sobre esta temática em F. Van de Meer, op.cit. II, p. 252.

30. Disposições espirituais para o estudo das Escrituras. Terá necessidade das virtudes do temor de Deus e da piedade, da ciência, da força e do conselho, da pureza e da sabedoria que levam o cristão a aceitar toda a verdade revelada. P. Betiffol salienta que Agostinho interdita contradizer as Escrituras, quer a tenhamos compreendido ou não, porque o que ela enuncia é melhor e mais verdadeiro do que qualquer coisa que possamos pensar por nós mesmos. Ela é a mais alta autoridade que existe, visto que é o próprio Deus que nela se expressa, em: Le catholicisme de saint Augustin, p. 22.

31. Na carta apostólica Augustinum Hipponensem II, 5, de 27.08.86, João Paulo II salienta que santo Agostinho subiu com diligência progressiva os degraus das ascensões interiores, e descreveu o íntegro caminhar delas para todos, em programa amplo e articulado que compreende o movimento do espírito para a contemplação. Os dons do Espírito Santo conduzem o cristão à maior fruição que possa almejar: o gozo da sabedoria de Deus culminando todos os outros dons.

32. O critério da canonicidade estabelecido para os livros da Escritura é: primeiramente os livros recebidos pela unanimidade das igrejas; em seguida, os livros recebidos pela pluralidade das igrejas, incluídas as de sede apostólica (cuja sucessão episcopal remonta a um apóstolo), ou que receberam uma carta apostólica. São os dois indícios que presumem a origem apostólica do cânon das ditas igrejas. Cf. P. Batiffol, op.cit., I, pp. 2324. Assim, Agostinho é uma das mais antigas testemunhas do cânon completo das Escrituras. Diz Adolf Von Arnack: “A opinião de Agostinho fixou regra para o Ocidente todo”, Précis de I histoire des dogmes, p. 152.

33. Nas Retractationes 11,4,2, Agostinho tem dúvidas de que o autor de Sabedoria seja Jesus, filho de Sirac, como afirma aqui e não arrisca indicar seu autor. Na verdade, a Sabedoria é parte dos deuterocanônicos e não pertence ao cânon hebraico. Utilizado pelos Padres desde o século II, foi acolhido como inspirado como os outros livros do cânon hebraico. Sobre a autoria da carta aos Hebreus, críticos agostinianos apuraram que a partir de 409, Agostinho não cita mais essa epístola como sendo de Paulo. Cf. E. Portalié, art. cit., col. 2342.

34. Agostinho traça um vasto programa de estudos para o cristão que se dispõe a aprofundar sua fé e bem compreender as Escrituras: adquirir conhecimento das línguas latina, grega e hebraica, para poder ler ou consultar a Escritura no original, quando a tradução for obscura ou der má interpretação ou divergência com outra tradução, como o ex. de Is 7,9, no cap. seguinte.

35. Esse texto só se encontra na versão dos Setenta. A Vulgata (tradução de são Jerônimo) está mais conforme ao original hebraico, que traz: “Si non credideritis, non permanebitis” — se não crerdes, não permanecereis, ou: não vos mantereis firmes. Agostinho aceitou as duas versões, mas, interpretou a segunda versão pela primeira, juntando uma e outra na unidade superior de um sentido místico. Cf. F. Cayré, La contemplation augustinienne, p. 221.

36. Realizada em Alexandria entre os anos 250 e 130 a.C., foi considerada como obra coletiva de 72 sábios hebreus, seis de cada tribo de Israel, vindos de Jerusalém a pedido de Ptolomeu Filadelfo (285-247 a,C). É preciso distinguir a parte histórica da lendária. Na realidade, como mostra o exame interno, foram muitos os tradutores, em épocas diferentes, até que reunidas as traduções formou- se um Antigo Testamento grego, mais amplo do que o hebraico massorético.

37. Agostinho cria que os Setenta foram inspirados pelo Espírito Santo. Seria, pois, temerário tentar corrigir, pelo recurso ao hebraico, as divergências determinadas pelo Espírito Santo. Pediu a são Jerônimo para rever o Antigo Testamento em latim, pela Setenta. Depois de corrigir alguns livros, Jerônimo abandonou o trabalho e pôs-se a traduzir diretamente do hebraico. Ele não acreditava na inspiração dos Setenta e tentou persuadir e convencer Agostinho de que uma tradução latina, feita diretamente do hebraico, seria sempre preferível a uma tradução latina baseada na versão grega. A disputa entre os dois tornou-se famosa e o futuro deu razão a Jerônimo. Cf. Combès -Farges, op. cit., nota 33, p. 576; G. Bardy, op. cit., p 495.

38. Em algarismos: 50 x 3= 150 + 3= 153.

39. Com esta frase, Agostinho enuncia o princípio que guiara os Padres da Igreja na utilização da ciência e dos saberes profanos: o Verbo foi, desde todo tempo, como o dissera são João, “a luz que ilumina o mundo” dando a todos a razão natural capaz de perceber certas verdades. Esta mesma atitude foi tomada, entre outros, por Orígenes de quem Agostinho reproduzirá uma das principais explicações a esse respeito.

40. Neste e nos capítulos seguintes, Agostinho revela um arsenal de práticas supersticiosas empregadas pelos pagãos para conjurar a sorte, curar desde as dores de cabeça até o soluço. Por sua vez, a astrologia tornara-se a arte da adivinhação pelos astros que se cria exercerem influxo direto sobre os seres humanos, determinando seu nascimento, sucesso, doenças e morte e elaborar horóscopos dos indivíduos. Encontram-se nos escritos dos Padres da Igreja, numerosos ataques à astrologia, ao papel dos demônios nas vidas dos indivíduos, fruto da curiosidade funesta, de inquietude torturante ou de servidão monstruosa das quais virá, como fruto, a morte. Cf. A - G. Hamman, op.cit., pp. 188ss.

41. A doutrina cristã absorveu muitos elementos da filosofia pagã. Mas, como outros Padres o fizeram antes dele, Agostinho adverte para que façamos uma escolha e conservemos somente o que é útil à compreensão das Escrituras e à educação espiritual. Assim, os elementos da cultura pagã devem ser postos a serviço da fé. Ele explica aqui por que o cristão deve aceitar as verdades descobertas pelos pagãos. A razão é que a verdade, em qualquer parte onde se encontrar, pertence ao Senhor”. Sendo assim, os cristãos devem reivindicar deles, como “injustos possuidores”, as coisas verdadeiras que eles expuseram. Cf. M. Luíza Roque, op. cit. p. 98.

LIVRO III

SOBRE AS DIFICULDADES A SEREM DISSIPADAS NAS