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Quantos são os conceitos por semelhança de família

Por fim, a observação de Forster (2010) sobre o aspecto reducionista dos conceitos por semelhança de família nos ajuda a resolver a questão de quantos dos conceitos de nossa linguagem seriam determinados por semelhança de família.30 O comentador observa que Wittgenstein “normalmente, não diz ou implica […] que todos os conceitos funcionem desta maneira”, pois “sustentar que todos os conceitos funcionem desta maneira estaria em desacordo com sua rejeição da ‘ânsia por generalidade’ em filosofia” (FORSTER, 2010, p. 67). De fato, Wittgenstein é extremamente cauteloso em generalizar suas conclusões, e só poderia sustentar que todos os conceitos de nossa linguagem são conceitos por semelhança de família se examinasse o funcionamento de todos eles (se, como propomos, a ilação de que um conceito é determinado por semelhança da família só pode decorrer diretamente da análise de seu funcionamento). Além disso, já vimos na §65 que conceitos que podem ser fixados através de definições conjuntivas não são considerados conceitos por semelhança de família, e veremos no capítulo seguinte (Semelhança de Família e Definições Disjuntivas) que um conceito por semelhança de família que tenha sua aplicação delimitada por uma definição disjuntiva é um novo conceito, e não mais o conceito por semelhança de família que existia anteriormente, antes da delimitação (cf. IF §76). Foster (2010, p. 86) conclui que

uma vez que esta implicação redutiva do modelo wittgensteiniano esteja explicíta, torna-se claro que ele [Wittgenstein] não pode sustentar, de maneira coerente, que todos os conceitos tenham um caráter de semelhança de família. Pois seria incoerente supor que todas as características da realidade que nós identificamos com nossos conceitos sejam redutíveis a outras características.

Baseando-se em um raciocínio análogo, Sluga (2006, p. 3) assume a posição de que todos os termos que nós utilizamos para “indicar características diretamente observáveis das coisas”, como “vermelho”, “redondo” ou “quente”, não são conceitos por semelhança de família. Ele chama estes termos de “básicos”, e observa que tais termos não admitem definição formal e são, ao invés disso, explicados por ostenção. É realmente improvável que Wittgenstein considerasse tais conceitos como conceitos por semelhança de família; além de ser muito mais plausível (apesar de ainda problemático) dizer que um conceito como “vermelho” se aplica a objetos que possuem algo em comum em vez de dizer que “vermelho” se aplica a objetos que possuem certas semelhanças entre si, a metáfora da família da §67 é completamente inaplicável a este termo. Destarte, parece-me incabível atribuir a Wittgenstein a opinião de que todos ou a maioria dos conceitos de nossa linguagem sejam conceitos por semelhança de família.

Para concluir este capítulo e e preparar o caminho para os desenvolvimentos que virão a seguir, podemos expor provisoriamente as nossas conclusões a respeito da semelhança de família:

O termo ‘semelhança de família’ é utilizado por Wittgenstein para descrever um tipo de característica31 presente nas instâncias de um determinado tipo de conceito. Características deste tipo delimitam32 quais casos (ou objetos) podem ser considerados como instâncias deste conceito, pois os classificamos como instâncias ou não instâncias

31 Devo ao professor Diogo França Gurgel a observação de que, estritamente falando, semelhanças não são

características, e sim relações. Como podemos, todavia, considerar que quando há uma semelhança de família entre dois objetos esta semelhança é fundamentada sobre uma característica que ambos possuem em comum, é possível reduzir a relação de semelhança à posse desta característica. Dito de modo formal, uma semelhança de família é uma relação simétrica entre dois objetos.

32 É importante notar, entretanto, que elas não precisam delimitar sozinhas a extensão de um conceito para que

este conceito seja um conceito por semelhança de família. Conceitos como “jogo” e “linguagem”, que são conceitos por semelhança de família, certamente possuem características necessárias, sem as quais é impossível que algo seja um jogo ou uma linguagem. Assim, todo jogo é uma atividade, mas nem toda atividade é um jogo: ser uma atividade é uma característica necessária, mas não suficiente, para que algo seja um jogo. A extensão do conceito “jogo” é determinada pelas características necessárias em conjunto com as semelhanças de família. Uma delimitação rígida para sua extensão provavelmente adquiriria a forma de uma definição que combinasse conjunções e disjunções.

do conceito ao identificarmos se tais características estão presentes neles ou não. Nenhuma dessas características está presente em todas as instâncias do conceito.

Os conceitos delimitados por características deste tipo são ‘conceitos por semelhança de família’.

Este é, evidentemente, um resumo um tanto simplório do que foi até aqui trabalhado, mas podemos constatar através dele que, apesar de já fazermos frente à C1 (pois não

consideramos as observações wittgensteinianas sobre semelhança de família como uma teoria, mas como uma descrição do funcionamento de certos conceitos) e à C2 (pois já mostramos

como alguns conceitos, como “jogo”, não podem ter sua aplicação justificada por uma característica ou conjunto de características comuns aos objetos aos quais se aplicam), ainda não fomos capazes de satisfazer C3. Que “jogo” e “linguagem” sejam delimitados por uma

série de características, nenhuma das quais é comum a todos os objetos aos quais aplicamos estes conceitos, não nos impede de fornecer uma definição disjuntiva para eles. Cabe-nos agora estabelecer porque uma definição disjuntiva é incapaz de capturar o modo como aplicamos estes conceitos.

4 SEMELHANÇA DE FAMÍLIA E DEFINIÇÕES DISJUNTIVAS