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O que é cultura lúdica?

CAPÍTULO 2 CULTURA LÚDICA: INVENTICES DAS CRIANÇAS

2.1 O que é cultura lúdica?

A Cultura lúdica infantil não é produzida por adultos. Trata-se de um conjunto de experiências brincantes coletivas ou individuais que fazem parte da vida da criança, e ao ter em mãos esse conjunto de elementos lúdicos, recria ou cria brincadeiras que irão compor seus universos culturais. Assim, lata pode virar navio, vento transforma-se em cavalo e pedra em lagarto, em uma experiência única e rica em ludicidade. (BARROS, 2010).

As brincadeiras fazem parte da identidade cultural de um povo. E mesmo que haja influências de outras culturas, cada povo/pessoa possui suas características próprias. Conhecer a própria cultura, a de seu povo e de outros povos, é essencial na formação do humano, pois, assim, as pessoas poderão compreender as diferenças culturais existentes e a riqueza de cada

uma delas. As brincadeiras carregam simbolismo e marcas de idas e vindas de narrativas, movimentos e canções que misturam passado e presente. Preservar as brincadeiras tradicionais e ter a liberdade de recriá-las, criando outras, é fundamental na busca da identidade cultural de um povo.

A brincadeira como parte da cultura carrega significado social e, portanto, a ludicidade do ato de brincar é subjetiva. O que pode ser considerado brincadeira para alguns pode não ser para outros. Assim, a ludicidade está na significação que o sujeito dá ao ato, levando em consideração todas as representações sociais próprias da cultura em que está inserido. A brincadeira, a princípio, passa pelo processo de apropriação cultural, em outras palavras, o sujeito aprende a brincar. De posse de elementos da cultura, o sujeito recria ou cria novas brincadeiras. Para Brougère (1998):

A criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando. É o conjunto de sua experiência lúdica acumulada, começando pelas primeiras brincadeiras de bebê, evocadas anteriormente, que constitui sua cultura lúdica. Essa experiência é adquirida pela participação em jogos com os companheiros, pela observação de outras crianças (podemos ver no recreio os pequenos olhando os mais velhos antes de se lançarem por sua vez na mesma brincadeira), pela manipulação cada vez maior de objetos de jogo. [...] O desenvolvimento da criança determina as experiências possíveis, mas não produz por si mesmo a cultura lúdica. Esta, origina-se das interações sociais, do contato direto ou indireto (manipulação do brinquedo: quem o concebeu não está presente, mas trata-se realmente de uma interação social). A cultura lúdica como toda cultura é o produto da interação social que lança suas raízes, como já foi dito, na interação precoce entre a mãe e o bebê. Isso significa que essa experiência não é transferida para o indivíduo. Ele é um co-construtor. Toda interação supõe efetivamente uma interpretação das significações dadas aos objetos dessa interação (indivíduos, ações, objetos materiais), e a criança vai agir em função da significação que vai dar a esses objetos, adaptando-se à reação dos outros elementos da interação, para reagir também e produzir assim novas significações que vão ser interpretadas pelos outros. (BROUGÈRE, 1998, p. 25).

Para Brougére (1998), a cultura lúdica trata-se de um conjunto de experiências lúdicas vivenciadas que permitem ao sujeito imprimir significados e autoria no processo criativo da brincadeira. A cultura lúdica, assim, está intimamente relacionada à cultura do povo, da família e do sujeito, pois o clima, o espaço e as regras em que as crianças estão submetidas influenciam na criação desta cultura lúdica. Podemos afirmar, assim, que a criança é uma co- criadora da cultura lúdica infantil.

A brincadeira, dessa forma, não é apenas mais um recurso pedagógico, mais do que isso, a brincadeira é cultural, histórica e social. Deve ser um momento para manifestação cultural das crianças. Os professores podem utilizar as brincadeiras com o intuito de atingir um objetivo específico, no entanto, é necessário que as crianças tenham tempo para criar

novas possibilidades do brincar, de pensar sobre a brincadeira proposta, de reestruturar essa brincadeira, ou seja, é necessário que as crianças possam manifestar-se de maneira criativa, e não apenas imitem exatamente o modo de brincar do professor.

O brincar, visto como ação social, relaciona-se com as interpretações de quem brinca, então, do que se brinca é menos importante do que como se brinca e quais as representações são construídas com ato de brincar. O que leva um indivíduo a encarar ou não como brincadeira determinado ato é a sua cultura lúdica, ou seja, um conjunto de experiências anteriores que já teve, relacionadas à ludicidade. Dessa forma, é muito importante que as crianças tenham ricas experiências lúdicas desde a primeira infância para que aprendam sobre as representações sociais de sua cultura, criando novas significações a partir de suas experiências.

A valorização da cultura lúdica é muito importante, pois, por meio desses momentos, as crianças podem interagir, relacionar-se, descobrir sobre si, sobre o outro e o mundo, conhecer seus pares, sua comunidade, fazer escolhas, organizar seus pensamentos, resolver conflitos, falar, escutar, ampliar as possibilidades de movimento, criar, imaginar, respeitar a si e ao outro, entre outros elementos ricos.

Quando o adulto pega um pano e finge esconder-se do bebê e logo aparece, dizendo: Achou! Quando propõe uma brincadeira cantada, quando organiza um ambiente que convida a criança a explorar, descobrir e criar, ele está favorecendo a criação da cultura lúdica infantil. Sendo assim, o adulto pode e deve favorecer essas experiências. Na escola, os professores precisam atentar-se a sua postura. O momento da brincadeira precisa da integralidade do professor, seja com o olhar atento e investigativo, seja na proposição do espaço e materiais e/ou na inserção efetiva no faz de conta das crianças. Muitas vezes o adulto pode tornar-se o cliente do salão de cabeleireiro da criança, ou tornar-se aluno na escola onde a criança leciona.

Ao observar a brincadeira o professor percebe elementos ricos nas práticas das crianças. Através das observações e registros o professor pode aprender sobre cada criança e pode, também, apropriar-se de elementos para organizar mais situações lúdicas, ricas em aprendizagem. Nesse sentido, a cultura lúdica pode apresentar diversas possibilidades de criação e resistência à cultura industrialmente produzida. Favorecer um espaço lúdico não é apenas organizar um espaço com móbiles, módulos e brinquedos, mas pode ser também propor possibilidades de exploração do espaço e/ou interações com os pares. O encantamento das crianças conduzirá o processo. Não precisamos de brinquedos sofisticados e caros, com

características únicas, mas de objetos que possam significar outros objetos e ações. Aqui reside a importância da brincadeiras de jogo de papéis. (VIGOTSKI, 2011).