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Quem nasce no morro, não morre no asfalto A compreensão dos elementos obrigatórios que integram a performance

3. Religiosidade e agregação

3.2. O lugar do negro na festa

3.2.1. A escravidão do negro no Brasil

3.2.2.7. Quem nasce no morro, não morre no asfalto A compreensão dos elementos obrigatórios que integram a performance

das escolas de samba exigia perceber como se deu a disputa pelo direito de brincar livremente o carnaval nas ruas do Rio de Janeiro, no início do século XX, um embate no qual, ao contrário daquilo que observamos no “sistema teatral”, as referências europeias não lograram êxito, por terem sido submetidas ao ritual de antropofagia, mais uma vez. No entanto, fazia-se necessário analisar com um pouco mais de atenção os argumentos que esbocei anteriormente (pp-139-141), sobre as pretensões de adoptar a festa veneziana como ideologia, e domesticar o carnaval.

O eco da coerência, se fez ouvir, e graças às referências seleccionadas, cheguei ao livro de Nelson da Nóbrega Fernandes (2001). A selecção qualitativa se justificava por tratar-se da visão de um geógrafo sobre o acontecimento “carnaval”. Não poderia perder de vista a coerência, numa abordagem transdisciplinar envolvendo Geografia e Performance, quando recuperamos que o conteúdo da primeira área de produção de conhecimento, procura reflectir sobre a relação entre o homem o planeta terra. Podemos, nesse sentido, olhar os acontecimentos de um ponto de vista que se acredita superior. Em termos da escrita, prevaleceu a visão cartográfica, o desenho dos mapas e os fluxos arrastados pela ganância comercial. O alto, a elevação, a cabeça, a racionalidade associada com os compromissos da escrita. Ainda não depositava na escrita a fluência do baixo corporal. Mas a compreensão disso só foi alcançada, quando me pus diante da seguinte indagação: qual é a importância do meu problema?

As portas de Alice ficaram para trás, e o som dos atabaques encontrava nesse ponto a pulsação da liberdade. Isso porque, em um breve recorte da produção do autor, encontrara um seguro levantamento de dados, cujo objecto era, o lugar da escola de samba, no território da cidade. Por evidente, ao estabelecer diálogo entre a performance e a da geografia, não deixaria de correr o risco de perder as coordenadas da pesquisa. Os conceitos operativos

eram a garantia da legitimidade das escolhas, na medida em que o ponto de intersecção se localizada nos estudos sobre o espaço da performance. O índice de amplitude, portanto, ficava estabelecido através das “relações de representação”.

Quando elegi como ponto de partida, o encontro entre o teatro e a colonização, a atitude de pesquisa passava pela racionalidade do processo. Nesse sentido, para uma representação cénica, bastaria estender um grande mapa sobre a mesa. Sobre ele, eu tinha visualizado a movimentação das peças, como num tabuleiro. Esse movimento abstracto, gradativamente, foi se conciliando com a memória empírica, fazendo recuperar que o essencial não partia do alto para o baixo corporal. Devia se mover num ciclo, entre o corpo e o pensamento. Se aceito como válida essa dialéctica, o fluxo correspondente se ampliava para a conexão entre a condição humana e seu elo com a terra. Quanto maior for o contacto com a terra, mais o homem sente a necessidade de manter-se conectado com a abóboda celeste. Objectivamente, porque trata- se de forças naturais que o transcendem.

O autor depositava atenção sobre a formação das escolas de samba, no Brasil, logo, não se trataria da necessidade de resgatar todas as sociedades que cultuam os mitos celestes. No plano da cartografia racional, ficou demonstrado que os elos do homem africano com o sagrado são percebidos através de fenómenos do mundo material. Ao mapear a cidade, o geógrafo descreve uma autêntica guerra, pontuada por recuos e avanços, e disputas acirradas de conquista no território da festa. E justamente, quando eu, como sujeito-pesquisador, me situo no campo de batalha, percebo como defender que o samba venceu a batalha. E se o samba venceu a batalha, o negro saiu vitorioso, foi a vitória do corpo.

Fernandes, em “Sujeitos celebrantes, objectos celebrados” parte da

mesma premissa: a cidade do Rio de Janeiro entre os séculos XIX e XX sofria uma enorme influência francesa. A servir de cartão postal, a rua do Ouvidor representava um pedaço da França no Brasil, para orgulho das elites imperiais, que não tinham acanhamento em acreditar que o período poderia ser

entendido como a “Belle Epoque” carioca. Os hábitos de consumo, o repertório

teatral e a inserção de “folhetins” na imprensa diária, figuravam entre os padrões importados da capital francesa (AMORIM, op. cit., pp. 2-3).

Ampliando as informações oferecidas por Eric Brasil, o primeiro combate contra os excessos do entrudo, ocorreu em 1855, com a fundação do Congresso das Sumidades Carnavalescas, que desfilou pelas ruas da capital, acompanhado por uma banda marcial e com os integrantes trajados com motivos luxuosos e inspirados nas cortes europeias, o que levou os jornais a estabelecerem comparações com os carnavais italianos, de Nice, Roma e Veneza (ENEIDA, 1958, p. 53). Desfilar no carnaval passava a ser assunto de

jornal, de modo que soava divertido para altos funcionários públicos, estudantes de nível superior e comerciantes que estavam habituados a se reunirem em clubes líricos ou literários, onde promoviam refinados bailes e saraus, as chamadas “Grandes Sociedades” (FERNANDES, 2001, p. 19). Para além da contemporaneidade com os quicúmbis, ao nível do maior detalhamento, os desfiles refinados traduziam seu discurso, compreendido como modernizador, mas carregado de preconceito, em canções sarcásticas, ricas fantasias e a condução de carros alegóricos. Em sentido amplo, tais componentes, canto, fantasia e alegoria, já se existiam nas procissões. Apesar da forma antipática com que algumas desses clubes tratavam os humildes, a paródia literária, em muitos casos era dirigido contra autoridades, de modo que o apelo ao riso tomava os desfiles populares entre diferentes camadas da sociedade carioca da época (op. cit., p. 20).

Em seus estudos, demonstrou como a participação popular no carnaval, herdada dos quicúmbis carnavalescos, foi preservada com a formação dos “cordões”, o primeiro deles registado em 1886, intitulado Estrela da Aurora. Os registos de pedidos de autorizações para desfilar, realizados juntos às autoridades policiais, até 1905, cresceu aceleradamente. Prova disso, em 1906, o jornal “Gazeta de Notícias” instituíra o primeiro concurso de cordões carnavalescos, ainda que, fosse limitado aos bairros populares (FERNANDES, op. cit., p. 27).

Com o grande fluxo de migrações, nas imediações da região central da cidade, negros nordestinos traziam consigo heranças religiosas, dentre as quais figuravam as “pastoris”, pertencentes ao ciclo da natividade, de acordo com a tradição, celebrados no dia de Reis, em 6 de Janeiro. Como essa tradição vinha desde o período colonial, quem passara por ela, acumulara experiência no que tocava às exigências de um espectáculo de rua, contando com mestres em harmonia, canto e coreografia. Em mais uma demonstração da capacidade de adaptação, os grupos incorporaram ao cortejo o ritmo da “marcha-rancho”. A táctica ajudaria a evitar os riscos de interdição impostos pelas autoridades oficiais que, da mesma forma, que as Grandes Sociedades, não viam com bons olhos tudo aquilo que pudesse ser associado aos ritos africanos. A orquestração das marchas se fazia com reduzido volume de instrumentos de percussão, com privilégio para os de sopro e cordas (op. cit., p. 30).

Um episódio vigoroso na batalha em favor do afrancesamento da cidade e contra o “barbarismo regressivo” dos pretos e dos pobres sairia do plano simbólico para a acção concreta a partir de 1903, durante a administração do prefeito Pereira Passos. Sob sua administração, o plano urbanístico da cidade foi remodelado, com as construções do Theatro Municipal, Museu Nacional de Belas Artes e Biblioteca Nacional. Em nome da segurança da saúde pública, a

obrigada a refugiar-se nas periferias ou ocupando os morros da cidade. A “higienização” da cidade incrementou a perseguição policial contra os moradores e suas formas de manifestação festivas e religiosas. Os cordões, cuja euforia, não deixavam de, por vezes, redundar em tumulto, resistiram ao máximo às perseguições, em boa parte, apelando à mesma estratégia de se esconderem sob a capa de ranchos, ou se transformando em blocos. No entanto, nessa fase, era extremamente difícil afastar o preconceito, as ofensas e as agressões (FERNANDES, op. cit., p. 31). Os valores patriarcais “modernizados” estendiam a “casa” por boa parte da cidade, queriam impor a sua geografia, para que a “rua” se mantivesse “civilizada”, mesmo nos dias de carnaval93.

Um lance peripatético ocorre em 1908, com o surgimento do clube Ameno Rosedá, formado por funcionários públicos de baixo escalão, que contavam com a simpatia de figuras relacionas ao futebol, particular ao Fluminense Futebol Clube, na época formado por um massa adepta bastante elitista. O rancho do Ameno Rosedá incorporou a forma luxuosa das grandes sociedades e obteve a colaboração do caricaturista Amaro Amaral no desenvolvimento da visualidade do espectáculo. O enredo tinha como tema a “corte egípcia”, e, por seu trabalho, Amaral foi o primeiro carnavalesco brasileiro. O cortejo contava, até então, com um repertório musical múltiplo, com uma orquestra formada por instrumentos de naipes variados, obtendo grande êxito junto à imprensa e ao público.

Apesar das disputas e perseguições, Fernandes assinalava que por essa altura, o Brasil já poderia ser considerado o “país do Carnaval”, tamanho era o número de conjuntos a desfilar pelas ruas, mas ainda não era o país do samba (op. cit., p. 32). A luta pela garantia da participação popular no carnaval, acabaria envolvendo indirectamente o Ameno Rosedá, como fonte de inspiração para o Recreio das Flores, fundado em 1912, organizado por estivadores sindicalizados, imigrantes e negros e que levara para a avenida, em 1920, um desfile baseado na ópera “Aida” de Verdi (SOIHET, 1998, pp. 91- 92).

O carnaval elitista atingiria o ápice da ostentação, em 1907, ao levar para a avenida o desfile de “corsos”, formados por carros descapotáveis, de onde as raparigas de alta sociedade lançavam para o alto confetes e serpentinas. Esse espectáculo da disparidade social sobreviveria até os anos 1930, e estabeleceria uma demarcação entre dois territórios da folia, resultantes da Reforma Passos: a rua do Ouvidor e a Praça Onze. O primeiro ficara reservado às grandes sociedades, ao corso e, depois de 1908, aos

93

Entre 1926 e 1930, o Município contractou o urbanista francês Alfred Agache, cujo plano de renovação da cidade, apresentava explicitamente a “necessidade” de banir pobres e negros o mais distante possível da zona central, “não só sob o ponto de vista da segurança, como sob o ponto de vista da higiene geral da cidade, sem falar da estética” (FERNANDES, op. cit., p. 58).

ranchos, configurando o “Carnaval ‘chic”. A Praça Onze e suas imediações, convertera-se em “um território sagrado para o Carnaval popular das

mascaradas, dos cordões, ranchos pobres e dos blocos” (FERNANDES, op.

cit., p. 35). Nessas imediações, na casa de Tia Ciata, que abrigava um centro religioso onde se encontravam negros vindos da Bahia, teria lugar um hábito de improvisar musicalmente, conhecido como “partido alto”. Foi dessas rodas de improvisação que surgiu a composição que, popularizada pela gravação em disco, foi considerada o marco do nascimento do “samba moderno”.

O combate não comportava trégua da polícia e tudo aquilo que era visto como próximo da cultura negra era satanizado. Alguns dos cordões continuavam resistentes na luta pelo carnaval, até 1914, quando as autoridades municipais cortaram subsídios destinados ao evento na área suburbana. Sete Povos das Missões se encontravam distantes no tempo, mas as forças “de cima” voltavam a atacar. Mais uma vez, era preciso de mudar nomenclaturas, para se adaptar às regras da burguesia patriarcal, pois cadastrados como bloco ou rancho, era possível manter, essencialmente, a maneira de brincar. Como contradição, aceitos como pertencentes às novas categorias, não foi possível impedir que os grupos ocupassem o centro da cidade, no ano de 1922.

A transição do rancho para a escola de samba, traria mais referências,

mas todas apontavam na direcção do surgimento do bloco “Deixa Falar”, no

Bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, em 1928 (BELO, 2008, p. 5). A associação foi constituída num bairro periférico próximo ao centro da capital federal, habitado “por imigrantes, negros, operários, estivadores, prostitutas e malandros, moradores de cortiços, morros e favelas circundantes, cujos hábitos, costumes e festividades eram desdenhados pela elite e reprimidas pela polícia” (FERNANDES, 2002, p. 2). Tureta e Araújo também fazem referência à mesma origem, recuperando que os moradores do bairro se reuniam próximo à antiga Escola Normal da Corte. Por se autoconsiderarem “mestres do samba” e reunirem-se próximos àquela instituição, o termo “escola” “seria então apropriado para definir um grupo de professores de samba – composto por moradores da periferia e não-letrados perseguidos pela polícia – que possuiriam o dom para ensinar aos demais o prazer de viver com a dança, a música e o samba” (op. cit., p. 115).

Encontramos algumas controvérsias relativas ao emprego do termo “escola”, de modo que, menos que uma relação de ensino/aprendizagem, a recorrência de citações relativas à violência policial oferecem crédito à

interpretação de Fernandes, para o qual, apresentarem-se como escolas “dava

um sentido de ordem e comportamento respeitável para os de baixo e para os de cima” (op. cit., p.6). Outra polémica dizia respeito ao carácter inaugural do “Deixa Falar”, visto que o bloco carnavalesco desfilava pelas ruas embalado pela marcha-rancho. Sob esse aspecto, Tureta e Araújo acompanhavam

Valença (1996) no entendimento que coube ao bloco do Arengueiros, que deu origem à Estação Primeira de Mangueira, incorporar definitivamente o samba em seus desfiles, assumindo-se como Escola, desde a sua fundação.

O geógrafo Fernandes retrocedeu muito além e demonstrou que a primeira citação ao samba aparecera em 1838, em Pernambuco, mas pôde ser associada a uma gama muito mais larga de manifestações, de Norte a Sul do Brasil, sempre vinculadas à música e à dança dos africanos. Com maior

segurança, apontava que há “consenso entre vários de seus estudiosos, o

género musical moderno conhecido como samba nasceu no Rio de Janeiro, inventado por músicos e festeiros de seus bairros populares, principalmente na Cidade Nova e no Estácio”. A música “Pelo telefone”, gravada em 1917, por

Donga foi composta a partir das rodas conhecidas como “pagodes”, onde se

experimentava o “partido alto”, um jogo musical, marcado pela improvisação, na casa de Tia Ciata. O sucesso dessa composição fez com que fossem esquecidas outras duas, “Em casa de baiana”, em 1913, por Alfredo Carlos Brício, e “A viola está magoada”, em 1914, por Eurípides Capelini, esse último,

por sinal, figuraria como compositor do grupo “Deixa falar” (FERNANDES,

2001, p. 41).

A importância da canção atribuída a Donga, considerado o primeiro “samba moderno”, mas ainda influenciada pelos traços estilísticos do maxixe, residia na efervescência da vida mundana do Rio de Janeiro, onde a Indústria Cultural dava seus primeiros passos, em particular no sector fonográfico. A novidade do samba de Donga abriu o espaço para que o novo ritmo ingressasse na disputa pelo embalo dos grupos carnavalescos, mesmo entre as Grandes Sociedades, onde até então figuravam as marchas, polcas e xotes. Com a abertura trazida com “Pelo telefone”, surgiram maiores oportunidades de inserção para compositores dos morros cariocas (FERNANDES, op. cit., p. 46).

Os ritmos presentes no carnaval se dividiam entre as danças de salão,

nos clubes fechados, e a cadência marcada da “marcha-rancho”, que se

mostrava pouco adequada para se dançar na rua. O “samba de avenida”

adquiriu a sua base rítmica particular, como forma de cumprir uma das regras que regulava a competição entre os ranchos:

É importante esclarecer que, até meados dos anos 30, a regra existente previa que os sambas tivessem duas partes. A primeira era composta por letra previamente conhecida e era cantada pelos puxadores acompanhados pelo coro da escola. A segunda tinha de ser improvisada na hora por sambistas especializados que cumpriam a função de versadores, improvisadores ou solistas. Sem qualquer aparato técnico, o versador deveria ser também dono de potente voz que pudesse ser ouvida entre centenas de pessoas, de modo, que ao terminar seus improvisos, todo o conjunto pudesse retomar com voz uníssona a primeira parte. Havia portanto a necessidade de um

instrumento suficientemente potente que marcasse este momento para o bloco. Daí a importância fundamental do surdo de marcação, inventado por Bide (…) (FERNANDES, op. cit., p. 51).

As agremiações, definitivamente formadas por trabalhadores dos mais diversos ramos, mas claramente situados na base da pirâmide social, estabeleceram contactos permanentes entre si e, em 1929, decidiram promover o primeiro concurso do melhor samba, no subúrbio carioca de Engenho de Dentro. Nesse ano a “Deixa Falar” desfilara do Estácio até a Praça Onze, reunindo setecentas pessoas, algo que ultrapassava em muito os cordões e blocos que raramente chegavam uma centena de integrantes (op. cit., p. 50).

A “Deixa Falar” esteve dividida entre as inovações do samba e a manutenção da forma do bloco de rancho, situação que colocava em questão se o conjunto teria sido uma autêntica escola de samba. Tais questões não foram suficientes para negar as contribuições para afirmação de alguns dos quesitos obrigatórios dos desfiles. Em 1930, foi incorporada um grupo de baianas, em homenagem às mães-de-santo, assim como apresentou a

comissão de frente94 como garantia da segurança dos brincantes e, em

especial, inovou na bateria com tamborins, cuícas, pandeiros, reco-recos, e aquele que seria o instrumento essencial à sustentação rítmica, o surdo, inventando por Bide, aproveitando latas de manteiga que foram revestidas com couro na parte superior.

A “Deixa Falar”, mesmo em sua posição intermediária entre o rancho e a escola de samba, foi merecedora da atenção da imprensa carioca, participou do concurso de desfiles de 1932, onde a importância alcançada pelos desfiles poderia ser percebida pela formação do júri, com representantes da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e de Belas Artes. Nesse concurso, porém, a agremiação, foi desclassificada. Junto com o resultado, desavenças internas levaram o encerramento das actividades sob essa nomenclatura, mas ocorreu a fusão com a União das Flores para a criação da União Estácio de Sá (FERNANDES, op. cit., p. 53).

Outras componentes que se tornariam obrigatórias nas escolas de

samba foram introduzidas pela “Estação Primeira de Mangueira”, fundada no

mesmo ano de 1932, que além da bateria e ala das baianas, passara a manter permanentemente, enredo, casal de mestre-sala e porta-bandeira, alegorias e

94 “Um bloco de corda era aquele que tinha seu espaço delimitado e vigiado, dentro do qual só participavam pessoas conhecidas e devidamente autorizadas, o que era muito diferente dos chamados blocos de sujo, que se formavam espontaneamente nas ruas por grupos que seguiam uns poucos batedores de bombo ou latas. Totalmente informais e livres, não se sujeitavam a qualquer regulamento e por isso eram o alvo preferencial das agressões policiais. Muito pelo contrário, normalmente os blocos de corda saíam às ruas com a devida licença oficial, o que minimizava as chances de seus integrantes serem molestados arbitrariamente pela polícia” (FERNANDES, op. cit., p.48).

comissão de frente. Outro aspecto que surge nesses primórdios do samba diz respeito à instrumentação básica das escolas, definida com base nas tradições de matriz africana, com tolerância apenas ao cavaquinho, além da percussão (op. cit., p. 54).

Na década de 1930, sob a presidência de Getúlio Vargas, o país vivia uma onda nacionalista, para o qual muito contribuíram o sociólogo Gilberto Freyre, na defesa da suposta harmonia entre as “raças”. Nesse quadro, as escolas de samba avançaram significativamente sobre o espaço da festa, enfraquecendo a posição das Grandes Sociedades, enquanto os blocos ganhavam autonomia na festa. Para isso também, contribuiu o prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto, que promoveu o primeiro campeonato entre as escolas em 1932, na Praça Onze. De início as agremiações priorizavam temas ligados à comunidade e à cidade, mas, submetidos ao regime ditatorial, entre 1938 e 1945, o Estado Novo interferiu na organização dos festivais, estabelecendo como norma que fossem exaltados temas nacionais. Sob esse aspecto, em que pese, a costumeira tentativa dos poderes instituídos de se apropriarem da festa, observava-se como, o atendimento a tal exigência, não prejudicou o desenvolvimento da linguagem do “samba de avenida”.

Ainda assim, em 1939, a Escola de Samba “Portela” conseguiu levar

para a avenida o tema “Teste o samba”, fugindo à norma ufanista, e constituindo uma unidade entre a música, fantasias e alegorias, considerada um marco na definição da estética do desfile das escolas de samba. Entre 1946 e 1949, as escolas conseguiram se libertar da tutela excessiva do Estado, mas preservaram e aperfeiçoaram a abordagem de grandes temas nacionais, amadurecendo a composição dos sambas e a produção do espectáculo,