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3.2 Os quilombolas na agenda social: (des)construindo a pobreza quilombola

5.2.2 Quem tem pouca ou nenhuma renda

O “pobre” também é entendido, por alguns moradores de Ariquipá, como aquele que “tem pouca renda”, e que precisa “lutar para sobreviver”, conforme enunciado por Jéssica, professora municipal:

Jéssica: A diferença do pobre pro rico é que o rico ganha o salário dele pra viver e o

pobre ganha o salário dele pra sobreviver.

Pesq.: E qual a diferença entre viver e sobreviver?

Jéssica: Viver é ter vida boa, né, sobreviver, não, sobreviver a gente tá ali na

batalha, tentando pegar uma renda pra poder ter o que comer, pra... ter uma renda pra suprir as nossas necessidades.

Segundo Jéssica, enquanto o rico vive uma vida boa, sem dificuldades financeiras, o pobre é aquele que sobrevive, que tem que lutar, batalhar, para conseguir uma renda para poder se alimentar e para suprir outras necessidades. Como o “pobre” não tem como auferir renda com tanta facilidade quanto o rico, ele também é entendido como aquele “de vida difícil”, “vida dura”, “com dificuldades”.

Léa: Ser pobre... [silêncio] ser pobre é assim, na maneira, assim, às vezes, a gente

precisa das coisas a gente não tem como comprar e também não tem como a gente ter pra manter nossos filhos... se não for trabalhar na lavoura, não tem outro recurso.

Nesta fala, a condição de “ser pobre” é representada em situações concretas: precisar das coisas e não ter como comprar e não ter como manter os filhos. Devido à necessidade de ter de comprar muitos produtos não adquiríveis diretamente na roça, as pessoas sentem precisão de possuir uma renda cuja falta é acionada para identificar determinado agente social como “pobre”.

Interessante observar que, para a maioria das famílias em Ariquipá, o Bolsa Família ocupa este papel de garantidor de uma renda mínima para a reprodução doméstica, sendo também um meio de vida para elas, razão pela qual apontam que não se consideram “tão pobres”.

No entanto, entre os contratados pela prefeitura, sobretudo, para as professoras e para a diretora da escola pública municipal (que é moradora de Ariquipá), o Bolsa Família não possui essa representação e seria, ao contrário, o que caracterizaria a “pobreza” da/na comunidade. Além deste, outros critérios identificadores de “pobreza” são acionados na fala de Ana Luíza, diretora da escola municipal:

Pesq.: Você acha que Ariquipá é uma comunidade rica ou pobre? Ana Luíza: É pobre.

Pesq.: Em que sentido?

Ana Luíza: Por que a renda é baixa demais, por que a renda quem tem aqui é só os

aposentados, e vivemos de Bolsa Família, né. Ou tem uma escola que o funcionário depende da prefeitura, que é o salário, que não é tão alto como do professor, e todo mundo sabe, que, pelo trabalho que o professor tem, o salário não é suficiente. Mas a gente vive basicamente é do Bolsa Família e dos aposentados que tem o seu salário. Então, não tem outra renda, não tem outro tipo de trabalho, no caso, só a agricultura que cada vez tá baixando mais né, por que a juventude não quer trabalhar, os poucos que vivem aqui às vezes não querem fazer aquilo do que ele vive, né, da agricultura. A pesca é precária, então, a gente depende muito de comprar, é pouca renda, que a renda é em maioria do Bolsa Família. [...] Que é uma comunidade pobre, é. O meio de transporte nosso ainda é via animal, ainda fazemos transporte com animal, ou cavalo, jumento... poucos têm transporte próprio, no caso, moto. Carro aqui ninguém tem. Então a gente depende muito de transporte, só tem um carro que entra aqui na comunidade semanalmente. Ele entra, aí vamos pro município.

Inicialmente, Ana Luíza aponta a questão da baixa renda da comunidade, afirmando que esta provém unicamente da aposentadoria, do Bolsa Família e dos contratos com a prefeitura, mas que mesmo assim, o salário recebido não é suficiente. Além destas, não há outras fontes de renda, a não ser o trabalho agrícola que, segundo ela, também está precarizado. Com a diminuição na produção de alimentos, os moradores necessitam comprar

muitas coisas, e como a renda é pouca, oriunda principalmente do Bolsa Família, fica caracterizada, para ela, a situação de “pobreza”.

Além disso, outro critério acionado é a questão da utilização dos animais como meio de transporte. Para Ana Luíza, possuir motos e carros seria um sinal de “não pobreza” ou de “melhoramento de vida” das famílias, e o uso dos animais, como cavalo, jumento, boi, o seu contrário.

A esse respeito, observei em Ariquipá que os animais são muito utilizados como instrumentos de trabalho e de transporte, mas já há muitas famílias que possuem motos. Quando indagava sobre esse tema, as pessoas afirmavam que ter uma moto “não é luxo, é questão de necessidade”. Embora, nos povoados rurais, a moto confira certo status a seu proprietário, ela também é apontada como uma necessidade pelos moradores, inclusive, para os considerados pobres:

Maria do Carmo136: Pra quem não tem [moto] tem que pagar um transporte, um

carrinho pau de arara pra ir daqui pra Bequimão. Pra quem não tem é ruim demais. Fica dependendo desse carro, aí não é todo dia que entra, aí ele entra mais é pro final do mês, que tem um aposentado, um pessoal que vai receber Bolsa Família. Eu acho assim, que pra pobreza, eu acho que uma moto não é luxo, é um meio de um

transporte, tem gente que vai lá na vila lá comprar um alimento, uma coisa que a

gente necessita que nós não temos dentro do mato. Que nós mora aqui nesse povoadinho, aqui não tem um comércio pra ter as coisas... E de primeira, não tinha nem esse transporte, o transporte que a gente tinha era de pés (grifos meus).

Em outra fala, Cleudes, lavradora, também comenta:

Cleudes: Eu acho, assim, que [ter uma moto] é necessidade. Por que você tendo

uma moto em casa, você pode ir ali comprar uma comida, tem um doente, você vai comprar um remédio rapidinho, eu acho assim, tá vendo?

Nesse sentido, ter uma moto própria é visto como uma alternativa para a dependência ao transporte pau-de-arara, o único que entra na comunidade, mesmo assim, “não todo dia”. O uso dos animais para ir à sede de Bequimão (“vila”) não é mais uma prática comum entre os moradores, sendo a moto cada vez mais entendida como uma necessidade. Esta, por sua vez, não deixa de ser influenciada pela sociedade de consumo ao ditar determinadas normas e comportamentos encarados como necessários ou imprescindíveis. Assim, a noção de necessidade também não é algo evidente ou homogêneo, mas sim construído culturalmente.

      

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Já para Carlos Alberto, presidente da associação de moradores, a “pobreza” é associada à falta de renda, ocasionada pela dificuldade na produção e comercialização dos alimentos plantados. Assim ele discorre sobre o assunto:

Carlos Alberto: Olha, olhando, olhando Ariquipá, pelo que possa ser desenvolvido,

é uma comunidade rica, agora, em condições que tá hoje, é uma comunidade pobre. Como? Por que as coisas que têm na comunidade que a gente não tem condição de desenvolver e trazer aquilo pra gerar renda, ela se torna pobre, entendeu? Mas, no que ela tem que pode ser desenvolvida que possa trazer renda, ela é rica. Então, essa é a concepção que eu tenho, essa é a conversa que eu tenho com as pessoas: ‘gente, nós tamo numa comunidade que é rica, simplesmente nós não tamo tendo condição financeira de trazer essa riqueza pra gerar renda pra comunidade, aí ela se torna pobre, nessa parte.

Pesq.: E essa condição financeira é através do quê?

Carlos Alberto: Na verdade, a nossa terra é muito fértil, tudo o que você planta ela

dá, mas o que que acontece, deste mês aqui [Agosto] até Outubro você não vai plantar nada por que você não tem como cultivar por que não tem água. Então, aí se torna um período pobre. Aí quando chega de Janeiro pra frente, quando começa a chuva, tudo que você planta dá. Mas, você também não tem, é... vamos dizer assim, você não tem ainda um mercado específico praquilo que você planta, você também não tem um incentivo pra que você faça aquilo, você ainda não tem, é... uma ajuda técnica pra que você desenvolva aquilo, entendeu? Então, ela se torna pobre por isso.

Carlos Alberto entende que em matéria do que possa ser desenvolvido em Ariquipá, esta é uma comunidade rica, no entanto, os moradores não teriam condições para potencializar essa riqueza de forma que ela pudesse gerar renda na comunidade, razão pela qual ele a considera “pobre” nesse aspecto. A terra, segundo o presidente da associação, é rica, no entanto, necessita de incentivos para continuar produzindo durante o período de falta de chuvas (considerado “pobre”). Além disso, faltaria um mercado específico para distribuição e comercialização desses produtos haja vista que muitos moradores alegam que não adianta plantar se “não tem pra quem vender”.