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2. Sobre a incorporação agrícola dos cerrados

4.1 Quem são esses/as trabalhadores/as

Para a identificação de trabalhadores/as rurais assalariados/as de Uruçuí foi realizado, junto ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR local, um procedimento de contagem e análise das fichas de trabalhadores/as sindicalizados/as, visando-se chegar a um número aproximado. Porém, nas referidas fichas, não existe diferenciação entre trabalhadores/as rurais assalariados/as e agricultores/as familiares, não tendo sido possível obter as informações pretendidas. Mas, com as informações coletadas, montou-se um perfil inicial da população de trabalhadores/as rurais sindicalizados/as de Uruçuí, a qual pode ser considerada como representativa do universo social dos abordados nesta pesquisa (quadro 9).

Categorização Quantidade % Agricultor/a familiar 2.573 77,43% Rendeiro/a 25 0,75% Parceiro/a 30 0,90% Pequeno/a proprietário/a 0 0% Assalariado/a 0 0% Morador/a 1 0,03% Casa própria 0 0% Dias cativos 125 3,76% Não identificados 569 17,12%

Quadro 9: Classificação dos/as trabalhadores/as sindicalizados52

Categorização Quantidade %

Alfabetizados/as 2389 71,89%

Analfabetos/as 873 26,27%

Não identificados/as 61 1,83%

Quadro 10: Instrução dos/as trabalhadores/as rurais sindicalizados

52

Este quadro não apresenta totalização, uma vez que as categorias se interpenetram. Ex: rendeiros e parceiros podem ser, também, agricultores familiares.

O quadro 10 mostra o grau de escolaridade de trabalhadores/as rurais. Mesmo 71,89% deles sendo alfabetizados, constatou-se, por pesquisa, que esses/as trabalhadores possuem, em sua maioria, apenas o ensino fundamental concluído.

Durante a pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas com vinte trabalhadores/as rurais assalariados/as (dezoito homens e duas mulheres) de quatro fazendas de Uruçuí, que exerciam funções de serviços gerais, operadores de máquinas (tratoristas), aplicadores de agroquímicos, líderes de equipes (gerentes) e cozinheiras.

Diante das informações coletadas nas entrevistas puderam-se agregar novos elementos a um perfil, como demonstrado nos gráficos a seguir:

Gráfico 1: Escolaridade dos/as trabalhadores

Como se vê no gráfico 1 os/as trabalhadores/as, em sua maioria, completaram somente o ensino fundamental. No entanto, lidam com tecnologias avançadas da agricultura que exigem conhecimentos técnicos para saber os seus reais riscos.

A falta de instrução para trabalhar em propriedades que utilizam tecnologias modernas, bem como a ausência de qualificação, são problemas graves da região pesquisada. Os/as trabalhadores/as, socializados no modo de vida camponês53, na agricultura familiar, pelo sistema de roça-de-toco

53

Sobre o modo de vida camponês, ver MORAES, 2000.

ensino fundamental - 75% 1º grau - 10%

2º grau - 10% analfabeto - 5%

(MORAES, 2000), desconhecem o sistema produtivo em larga escala, que emprega tecnologias modernas. Mesmo assim, sem serem submetidos à cursos de qualificação profissional, dirigem tratores e operam máquinas das mais modernas existentes na atualidade, inclusive com Sistema de Posicionamento Global – GPS e demais tecnologias, além de trabalharem com agroquímicos.

A ausência ou incompletude de educação escolar, qualificação profissional e desconhecimento do sistema produtivo moderno trazem prejuízos aos/as trabalhadores/as, pois a tecnologia disponível na agricultura, se não usada de maneira adequada, afeta-lhes a saúde e a segurança, pela exposição a riscos decorrentes do meio ambiente de trabalho, e a acidentes de trabalho.

Gráfico 2: Origem social dos/as trabalhadores/as

Como demonstra o gráfico 2, os/as trabalhadores/as rurais são, em sua maioria, de origem social rural, da agricultura familiar, onde têm um modo de vida distinto dos produtores rurais das empresas agropecuárias de agricultura moderna, como apontado no Capítulo II. Assim, para se inserirem no ambiente da agricultura tecnificada, passam por um processo de adaptação e disciplinarização.

rural - 80% urbana - 20%

Gráfico 3: Função dos/as trabalhadores/as

O gráfico 3 apresenta a distribuição das funções dos/as trabalhadores/as nas fazendas, as quais são definidas a seguir (quadro 11) com seus respectivos salários.

Função Descrição das atividades desenvolvidas salário Cozinheiras cuidam do preparo das refeições nas fazendas, além da

higienização dos ambientes de cozinha e refeitório.

508,00 Serviços

gerais

responsabilizam-se pelos serviços mais básicos da fazenda, como carpir, roçar, auxiliar o plantio e a colheita. Geralmente têm grau de escolaridade mais baixo (alguns inclusive analfabetos) e não têm nenhum tipo de especialidade ou nunca fizeram curso profissionalizante ou treinamentos.

508,00

Operadores de máquinas

tratam de operar os tratores, máquinas e implementos. São eles que fazem o plantio, a colheita, a pulverização terrestre e os serviços de preparação da terra, como gradear, adubar, etc. Esses trabalhadores já têm um grau de escolaridade maior (ensino fundamental, alguns com o primeiro grau completo) e já fizeram treinamentos ou cursos para trabalhar com máquinas e equipamentos. É uma mão de obra mais especializada.

728,00

Motoristas dirigem os veículos das fazendas e são responsáveis pelo transporte de pessoas, refeições, documentos, etc.

728,00 Chefes de

campo

lideram as equipes que trabalham no campo, diretamente com a lavoura, plantando, colhendo, pulverizando, gradeando, adubando, etc. Têm um grau de escolaridade elevado (técnicos agrícolas ou agrônomos, a maioria deles de origem sulista).

Não informado

Gerentes trabalham no escritório, na gestão da empresa. Gerenciam o setor financeiro, recursos humanos - RH, compras, etc. Dos gerentes entrevistados, todos tinham curso superior nas áreas de administração de empresas, contabilidade e agronomia, sendo a maioria de origem sulista.

Não informado

Quadro 11: funções dos/as trabalhadores/as e suas respectivas remunerações cozinheiros/as - 9% serviços gerais - 26% operadores de máquinas - 39% motoristas - 4% chefes de campo - 9% Gerentes - 13%

Gráfico 4: Idade dos/as trabalhadores/as

No gráfico 4 vê-se que a maioria dos/as trabalhadores/as entrevistados têm até 39 anos, o que demonstra que a mão de obra rural é jovem, por ser um tipo de trabalho, para cujo bom desempenho, necessita de força e vigor.

4.2 Meio ambiente de trabalho na visão dos/as trabalhadores/as

Para se apreender a qualidade do meio ambiente de trabalho, é importante compreender a visão dos trabalhadores/as sobre esse ambiente. Com diz Rocha,

o entendimento do meio ambiente de trabalho estabelece-se com a percepção do espaço do trabalho e, mais ainda, do próprio trabalhador, na medida em que não existe tal ambiente sem o ser humano. Logo, a maquinaria, os utensílios, os meios de produção, tomados em si mesmo, não transformam um simples lócus em ambiência do trabalho. Por consequência, a necessidade do trabalho humano, em qualquer de suas formas, é condição sine qua non para converter um espaço físico em meio ambiente de trabalho (ROCHA, 2002, pág. 130). (grifo nosso).

20 a 29 anos - 40% 30 a 39 anos - 50% mais de 40 anos - 10%

As entrevistas com os/as trabalhadores/as rurais tiveram como foco, além de verificar as condições de saúde e segurança no trabalho, apreender-lhes a percepção sobre o meio ambiente de trabalho. Assim, através das análises de conteúdo dessas entrevistas e de conversas no cotidiano, somadas a observações registradas no diário de campo, foi possível uma aproximação da visão desses/as trabalhadores/as sobre o seu próprio meio ambiente de trabalho em empresas agropecuárias de Uruçuí.

4.2.1 Sobre jornada e ritmo de trabalho

Jornada de trabalho é o lapso temporal que compreende o início do trabalho até o seu término, acrescido dos horários em que o/a trabalhador/a está à disposição do/a empregador/a e o tempo gasto para ir ao local de trabalho e dele retornar.

A Constituição Federal dispõe que a jornada de trabalho não será superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 7º, XIII).

Na agricultura, é comum haver dois períodos com jornadas de trabalho diferentes: o da safra e o da entressafra. Na entressafra, trabalhadores/as cumprem jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais. Porém, na safra, que compreende o plantio e a colheita, a jornada se estende por até dezoito horas diárias, conforme relatado pelos próprios trabalhadores. Isso se dá porque os períodos para plantio e colheita são curtos. Nas empresas agropecuárias pesquisadas, esses períodos são de trinta a quarenta e cinco dias, em cujo âmbito é necessário fazer todo o plantio e colheita. Além disso, a agricultura conta com imprevistos, como a chuva, que interrompe o trabalho, quebrando-lhe o ritmo, pois a terra fica molhada, impossibilitando a execução de serviços com tratores e máquinas.

Constatou-se no campo de pesquisa o excesso de jornada de trabalho, principalmente na época do plantio, conforme explanado no capítulo II. Questionados sobre a jornada de trabalho, os/as trabalhadores/as disseram o seguinte:

Thais – E a jornada de trabalho, como era, lá?

Trabalhador rural – Assim, porque no caso agora né, a gente não tá plantando nem colhendo, a gente pegava as seis e meia até as onze e meia e depois pegava uma e meia [13h30] e largava as cinco e meia [17h30]

Thais – E quando tá em época de plantio?

Trabalhador rural – Aí época de plantio a gente sai cinco, cinco e meia [da manhã], daí, meio dia para só meia hora, almoçou, ali, já prega o pau até nove, dez [21h, 22h] horas! Thais – E a noite, vocês não trabalham?

Trabalhador rural – Assim, quando tá apertado que tem trocancia de turno né? Aí, tem dois turnos, um a noite e outro de dia.

Thais – Aí, vocês alternam?

Trabalhador rural – É, das seis às seis, pega as seis da manhã até seis da tarde, outro pega das seis da tarde as seis da manhã.

Thais – Nessa época de plantio e colheita vocês têm folga todo final de semana?

Trabalhador rural – Tem não. Thais – Aí, vocês ficam direto lá?

Trabalhador rural – Aí, e o seguinte: folga nesse período é só de quinze [em quinze] dias ou mais a não ser que chova muito, né, e não dê pra colher ou plantar. Aí, eles liberam pra vir dormir em casa e no outro dia retorna. (comunicação oral)54

Algumas fazendas mantêm alguns serviços por vinte e quatro horas, com organização de turnos de trabalho. Uma parte dos trabalhadores cumprem turno das seis horas da manhã até às dezoito e a outra parte das dezoito até às seis. Os trabalhadores nessas fazendas, relataram que fazem o turno do período da noite em uma semana e, na seguinte, trocam e fazem o do dia.

Thais – Aí, vocês pegavam que horas o serviço?

Trabalhador rural – O serviço mesmo era umas seis e meia [6h 30]. Quando era época de plantio a gente saía, tinha uma vez que a gente saiu três [03h] horas da manhã. Nós dormimo tudo no chão, não chegamos a tomar banho não, porque não dava tempo. Cinco horas [05h] de novo tinha que levantar. Aí, não dava tempo. Era perigoso porque se nós não desse ao menos uma cochilada, quando está em cima daquela máquina, ali, vai que a gente vai e cai, é pior ainda, né?

Thais – Aconteceu de alguém cair? Trabalhador rural – Não, aconteceu não. Thais – Mas vocês tinham sono?

Trabalhador rural – Aqui, acolá, eu dava uma cochilada. Thais – Você cochilava em cima da máquina?

54

Trabalhador rural, 25 anos, operador de máquinas. Entrevista realizada no STTR, em Uruçuí, no dia 07/02/2009.

Trabalhador rural – É, porque a gente trabalhava até tarde da noite, aí, cochilava, não tinha como não cochilar, não tinha jeito!

Thais – Aí, você cochilava de que jeito?

Trabalhador rural – Ficava lá em pé, a gente estava ali em pé. Aí, ficava olhando se estava normalizada as máquinas, lá. Thais – E quem estava dirigindo a máquina cochilava que horas?

Trabalhador rural – Quem tava dirigindo não tinha tempo de cochilar não, por causa que ali é atenção direto, não tem. É direto pra não sair de cima do risco.

Thais – Mas eles conseguiam ficar sem cochilar?

Trabalhador rural – Conseguia, só que tinha vez: Eu trabalhava mais um amigo meu uma vez que ele parou a máquina, aí, chamaram a atenção dele. Só de sono. É porque não tem jeito da gente não cochilar, não. (comunicação oral)55

Nota-se que as jornadas de trabalho na agricultura, nesses períodos de pico, se estendem até dezoito horas diárias, muito acima do limite estabelecido por lei de oito horas diárias. Trabalhadores relatam que sentem sono e cochilam enquanto trabalham porque não aguentam o ritmo imposto, o que aumenta em demasia o risco de acidentes de trabalho, inclusive fatais.

Thais – Esses períodos de colheita e plantio, quantas horas vocês trabalhavam num dia?

Trabalhador rural – Nós pegava das quatro da manhã, acordava as quatro da manhã até nove, dez da noite, as vezes onze . Depende da terra molhada.

Thais – No outro dia, a mesma coisa? Trabalhador rural – Mesma coisa Thais –Isso dava quanto tempo?

Trabalhador rural – Quarenta dias, de trinta e cinco a quarenta dias, fazendo vinte e dois mil hectares. A máquina faz oitenta hectares por dia, rodando bem. As plantadeiras muito grandes faz cento e poucos.

Thais – E quando não estava nesse período de colheita e plantio vocês trabalhavam que horário?

Trabalhador rural – Nós pegava seis e meia, seis horas [da manhã] até cinco e meia da tarde.

Thais – E vocês faziam quanto tempo de almoço?

Trabalhador rural – Nós descansava uma hora, às vezes menos de uma hora, não todos os casos. Quando é plantio, não tem não. Só almoça e pega [retoma] (comunicação oral)56.

Esse período de pico, em que os trabalhadores cumprem jornadas de trabalho excessivas, se estende de trinta a quarenta e cinco dias. Ademais,

55

Trabalhador rural, 21 anos, serviços gerais. Entrevista realizada pela autora, na residência do trabalhador, em Uruçuí, no dia 08/02/2009.

56

Trabalhador rural, 27 anos, operador de máquinas. Entrevista realizada pela autora, no STTR, em Uruçuí, em 06/02/2009

nessa época eles não fazem horário de almoço, apenas param por cinco minutos para a refeição e logo em seguida continuam a trabalhar. No mesmo período, também as cozinheiras se dizem submetidas a um excesso de jornada:

Thais – E como era a jornada de trabalho de vocês?

Trabalhadora rural – Quando era plantio e colheita levantava quatro horas[ da manhã] e não parava não, ficava acordada o dia todo, porque terminava o almoço já ia fazer pra adiantar o pão, o bolo do café da manhã...

Thais – Você fazia pão, bolo, tudo, sozinha?

Trabalhadora rural – Sozinha, a outra pouco me ajudava, ela só ficava na limpeza. E aí era terminando o almoço já lavando a louça pra começar a janta. Cinco e meia a janta já tava na mesa.

Thais – E você ia dormir que horas?

Trabalhadora rural – Oito, nove da noite. Até oito e meia eu ainda tava na cozinha lavando prato.57

As cozinheiras, nesta época de pico do trabalho na agricultura, acordam, em média, às quatro da manhã para preparar o café e só terminam o trabalho por volta de vinte e uma horas, quando encerram as tarefas relacionadas ao jantar.

As tarefas atribuídas a elas são o preparo dos alimentos do café (pão, bolo, cuz cuz, café), almoço (salada, arroz, feijão, carne, suco) e jantar (o mesmo cardápio do almoço), além da higienização da louça, ambientes da cozinha e refeitório.

Nesse período, sobretudo, o próprio tempo para as refeições fica comprometido, sendo feitas no próprio campo e não no refeitório.

Sobre o local onde trabalhadores que estão no campo fazem suas refeições, os relatos foram os seguintes:

Thais – E quando vocês vão pro campo, vocês levam a comida ou vocês voltam para almoçar no refeitório?

Trabalhador rural – Não, a gente come lá no campo mesmo Thais – Tem alguma sombra, algum lugar para vocês [ficarem para] comerem, onde é que vocês comem?

Trabalhador rural – Debaixo das máquinas (comunicação oral)58

57

Trabalhadora rural, 35 anos, cozinheira. Entrevista realizada pela autora, no STTR de Uruçuí, em 27/04/2009.

58

Trabalhador rural, 25 anos, operador de máquinas. Entrevista realizada no STTR, em Uruçuí, em 07/02/2009.

Thais – E quando vocês estavam no campo, vocês voltavam para almoçar?

Trabalhador rural– Não, almoçava no campo. Thais – E como é que era?

Trabalhador rural – Marmitex59, quentinha. Meio dia.

Thais – Mas, aí, vocês almoçavam debaixo do sol?

Trabalhador rural – É, se é plantio, em cima do trator, caçava uma sombra, se era outro, encostava. Almoçava quentinha. Tipo assim, quem vai gradear no dia almoça no campo. Não tem como pegar todos [trabalhadores] e levar [para o refeitório]. Eles passaram uns dias, o Ministério do Trabalho estava aqui, aí eles levavam, [os trabalhadores] passaram uma semana almoçando na sede. Mas quem ta no campo almoça no campo. Tem o carro pra levar a comida (comunicação oral)60.

Os trabalhadores que estão no campo almoçam, lá, mesmo. Seja dentro das máquinas, sob as máquinas, ou ao sol, pois nenhuma fazenda lhes disponibiliza tendas ou algum tipo de proteção.

Eles relataram que nas épocas de plantio e colheita só param por cinco minutos para a refeição, pois, se os gerentes virem a máquina parada por muito tempo, chamam a atenção dos operadores pelo rádio. Os trabalhadores que fazem a pulverização da lavoura, e os que trabalham como auxiliares de plantio, em contato com as sementes imunizadas por agroquímicos, almoçam no campo, não lavando sequer as mãos para as refeições porque a água que levam é para beber e não para higienização.

Thais – E você comia onde?

Trabalhador rural – Eu comia, lá, no tempo, mesmo. Tinha vez que nós era os últimos a comer porque nós estava naquela ponta lá. Aí, era longe.

Thais – Aí, você ia comer que horas?

Trabalhador rural– Ia comer umas doze horas [meio dia], doze e meia.

Thais – Você já estava com fome, já? Trabalhador rural – Com uma fome danada! Thais – Vocês comiam debaixo do sol?

Trabalhador rural – Debaixo do solzão, aí! Debaixo da plantadeira não dá pra ficar e, às vezes, pegava chuva no meio da roça. Aí, ficava molhado e os trator são cabinado [possuem cabines fechadas], eles não quer que suje lá dentro. Aí, não tinha como mesmo.

Thais – E tinha como lavar as mãos?

Trabalhador rural – Não, não (comunicação oral)61.

59

Esse termo é usado para se referir à refeição, levada pelo motorista da empresa em recipientes descartáveis, aos trabalhadores no campo.

60

Trabalhador rural, 27 anos, operador de máquinas. Entrevista realizada pela autora, no STTR, em Uruçuí, em 06/02/2009

61

O trabalho na agricultura, por ter esses períodos de pico, necessita de horas extras, uma vez que os períodos de plantio e colheita são curtos e sempre acontecem imprevistos, como a chuva que deixa a terra muito molhada e impede a entrada das máquinas para o trabalho. Porém, não houve um esclarecimento sobre o sistema de remuneração das horas extras. O fato é que das fazendas pesquisadas, três delas (Canel, Progresso e Itália) adotam o banco de horas62 e efetuam o pagamento em algumas situações. As outras efetuam a remuneração direta dessas horas. Como os empregados não entendem o sistema do banco de horas, sentem-se prejudicados, pois normalmente, quando chove e não tem como trabalhar no campo, as fazendas os dispensam naqueles dias e compensam as horas-extras.

Todos os trabalhadores entrevistados afirmaram que preferem receber as horas extras em vez de compensar. Por desconhecerem as regras do banco de horas, sentem-se lesados quando a empresa faz a compensação, uma vez que, para eles, as horas-extras não são pagas nem compensadas corretamente.

Trabalhador rural – Não, eles compensavam mas as compensações deles não vale a pena, por exemplo, das quatro da manhã às nove, dez [21h, 22h], você faz uma base de dezesseis, dezessete horas por dia, certo? No final do plantio eles davam 112evar112nte horas-extras pra nós.

Thais – Mas essas 112evar112nte horas, eles pagavam? Trabalhador rural – Pagavam ou tiravam em folga. Thais – E, aí, era vocês que escolhiam ou eles?

Trabalhador rural – A gente que escolhia, mas era melhor pagar porque, folga: Sabe por que? Depois que terminava tudo, por exemplo, hoje é sábado né, você trabalha até meio dia, que é o normal né, o certo por lei. Aí, o gerente descontava sábado à tarde nosso

Thais – Mas o sábado à tarde vocês não trabalhavam.

Trabalhador rural – Pois é, eu tenho os papel aí, foi por isso que começaram a pegar birra com eles e se você não assinasse pegava advertência. Em matéria de alojamento, epeí do trabalhador, em Uruçuí, em 08/02/2009.

62

O banco de horas é uma sistemática adotada pelo empregador para compensar todas as prorrogações de horas de trabalho do empregado com as respectivas reduções. O controle deve ser feito individualmente por intermédio de uma ficha onde se consignará periodicamente o quantum extrapolado ou mitigado em relação ao limite semanal de 44 horas. Ao final do ano o empregador terá que, necessariamente, por cobro à compensação (DALLEGRAVE NETO, 2000, p. 93)

[EPI], essas coisas eu não tenho o que reclamar deles, só tenho que reclamar das horas.63

Nessa perspectiva, a maneira como se faz a remuneração das horas-extras não é explicada para os/as trabalhadores/as, mas imposta, pois se não concordassem com o sistema ou o questionassem, corriam o risco de levar advertência.

Thais – E a remuneração das horas-extras?

Trabalhador rural – Olha, eles estavam pagando, sabe? Agora, esse mês, eles não pagaram, fizeram o seguinte: eles inventaram o banco de horas, inclusive, eu desci [veio para a acidade] essa noite e só vou voltar com quinze dias. Eles não pagaram em dinheiro, mas mandaram a gente ficar em casa, né.

Thais – E, aí, vocês preferem o que?

Trabalhador rural – Com certeza o dinheiro porque a gente já ganha pouco e, aí, quando... tipo eu passar quinze dias, aqui, aí, fica brabo!

Thais – Mas eles não pagaram nenhuma hora-extra?

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