• Nenhum resultado encontrado

Em cada processo descrito acima, há uma gama de atividades relacionadas e cada uma delas é desenvolvida por um determinado grupo de trabalhadores.

Em pesquisa de campo realizada em agosto de 2004 na região de Guapé, Carmo do Rio Claro, Varginha, cidades produtoras de café na região sul de Minas Gerais, foi possível verificar a situação do café naquele momento da safra. Nessa região, há a predominância de produções familiares, e nessas propriedades a família se organiza para a colheita do café, para a limpeza do cafezal pós colheita, e para as demais atividades do processo produtivo. A contratação de mão-de-obra é rara nessas propriedades; caso ocorra um aumento na produção, as famílias se organizam para realizar a colheita sem a necessidade de contratação. Há, ainda, o mutirão entre vizinhos de terras, que também resulta em uma colheita sem a necessidade de contratação de mão- de-obra.

Nessa mesma região, há também, embora em menor quantidade, propriedades rurais que requerem contratação de mão-de-obra. Nesses casos, a colheita é a atividade dentro do processo de cultivo que mais requer contratação, e representa 40% do custo de produção. Nessas fazendas onde a contratação para a colheita foi identificada, encontramos o processo não formalizado, que se utilizava de intermediários. A explicitação desse processo está abaixo, com maiores detalhes.

2.6.1 – Contratação

O processo de contratação da mão-de-obra para a colheita do café em lavouras de café commodity se dá através da figura do gato. O gato é responsável pelo agrupamento e disponibilização dos grupos de colhedores, ou seja, é ele que tem a informação de quem procura pelo trabalho na lavoura e qual é propriedade que está contratando colhedores. Dessa forma, é o gato quem aloca a mão-de-obra para a colheita do café e estabelece os termos do contrato como, por exemplo, as horas de trabalho e a remuneração por saca.

Há ainda a figura do turmeiro, subordinado ao gato; suas tarefas vão desde o transporte dos colhedores, até a fiscalização da colheita, forçando bons níveis de produtividade. Dessa forma, o proprietário das lavouras não tem nenhuma responsabilidade sobre o transporte dos trabalhadores e, em alguns casos, os turmeiros também são responsáveis pelo fornecimento das ferramentas de trabalho, como enxadas, peneiras, lona.

Na pesquisa realizada, trabalhadores se queixaram de que alguns turmeiros usavam da força bruta para pressionar os trabalhadores a renderem mais na colheita de café, o que lhes acarretaria maiores rendimentos.

2.6.2 – Remuneração

Os colhedores de café são remunerados por produtividade, ou seja, recebem pela quantidade de café colhido no dia de trabalho. O valor das remunerações varia de R$4 a R$5 reais o balaio de café10. No início da colheita, de maio a julho, e nos últimos meses, o valor do balaio aumenta para poder compensar os trabalhadores com a redução dos frutos nos pés de café, passando a R$6 reais o balaio.

Um trabalhador de rendimento médio, que representa a grande maioria deles, tem uma diária em torno de R$20,00, o que corresponde a 4,5 a 5 medidas de café por dia; já colhedores considerados menos habilidosos, apanham de 2 a 4 medidas por dia, obtendo uma diária de R$16. Já os considerados bons colhedores, muito habilidosos, apanham de 5,5 a 7 medidas de café por dia, resultando numa diária de R$24. Vale dizer que essa quantidade máxima de 7 medidas de café é obtida por um ou dois colhedores no grupo de 30.

A remuneração do gato e do turmeiro equivale a um percentual sobre o rendimento total do grupo de trabalhadores. Esse percentual oscila em torno de 2% a 3% do rendimento total do grupo.

Nos casos em que os turmeiros fornecem os equipamentos de trabalho, o percentual sobre o rendimento da turma é um pouco maior, entre 3% e 4%,

10

Medida padrão de café colhido, chamado de balaio, alqueire, lata de café, saco de 60 litros, medida de café, dependendo da região, mas todas as referências às medidas equivalem a um saco de 60 litros, que tem em torno de 30 quilos de café em côco.

ou a exploração dos colhedores se dá de outra forma, como, por exemplo, metas de produtividade, a fim de garantir a remuneração do turmeiro.

Essa forma de remuneração estimula o turmeiro a exigir uma produtividade sempre crescente de seus colhedores, o que nem sempre remete a uma prática saudável de condução das turmas, podendo gerar conflitos entre eles. Há ainda turmeiros que, além de transportar e fiscalizar na lavoura o grupo de trabalhadores, trabalham na colheita de café, para aumentar seus rendimentos.

Existe um outro agente além dos colhedores, gatos e turmeiros: são os fiscais de lavoura. A tarefa do fiscal de lavoura é geralmente desempenhada por funcionários fixos da fazenda e de confiança do proprietário. Além de fazerem a medição da produtividade dos colhedores, os fiscais de lavoura têm ainda a função de fiscalizar o trabalho dos colhedores, verificando se não estão danificando os pés de café ao colherem seus frutos. Dependendo das determinações dos fiscais de lavoura em relação ao modo de colheita, menor será a quantidade colhida no dia, implicando menor remuneração do colhedor de café.

Em pesquisa realizada no sul de Minas Gerais, foram identificadas práticas abusivas de como se obter os rendimentos sobre os trabalhadores. Os turmeiros transportavam seus trabalhadores em caminhões cobertos com lona, sem nenhuma infra-estrutura para segurança dos trabalhadores, como é regulamentada pela legislação trabalhista. O acordo de pagamento aos trabalhadores tinha como referência o horário de início 7h da manhã - mas o seu transporte iniciava-se às 5h30, e não havia pagamento da parcela de itinerário – in itinere11 – também regulamentada por lei, o que implicava em uma dedicação ao trabalho de quase 12horas diárias, carga horária muito acima da permitida e, claro, recomendada.

11

Legislação Trabalhista, Art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

§ 2º O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de

transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.

Aos colhedores de café é recomendado o uso de equipamentos de proteção individuais, como óculos, botas, luvas, mas não foram registrados trabalhadores utilizando-os. Os equipamentos de proteção individual, EPIs, devem ser fornecidos pelo proprietário das terras, e o cuidado e manutenção ficam sob a responsabilidade dos trabalhadores. Em entrevista com estes, foi possível identificar que os proprietários das fazendas não forneciam tais equipamentos, bem como, também, não lhes ofereciam condições mínimas de higiene durante a colheita, como a disponibilidade de banheiros (fossa) junto à lavoura.

2.6.3 – Migração ?

O grupo formado por colhedores de safra de café commodity é muito heterogêneo em relação à sua origem. Muitos deles são originários do Nordeste e do Sul do país, vindos para Minas Gerais especificamente para o período da safra de café, de maio a setembro. As regiões mais destacadas foram: sul da Bahia e norte do Paraná.

Esses trabalhadores permanecem na terra especificamente durante a safra do café, e há poucas ocorrências de contratação para permaneceram na propriedade. Em geral, voltam para suas cidades de origem e buscam outro tipo de emprego que não o do setor rural. Nas entrevistas, foi possível identificar que os que migram em busca de trabalho acabam por exercer atividade em ramos diversos, desde a construção civil nos centros urbanos, até lavouras de qualquer cultura, se a remuneração for minimamente adequada.

Embora a região do sul de Minas Gerais tenha grande parte da produção de café em pequenas propriedades rurais, existem outras com área entre 100ha e 200ha que necessitam contratação de mão-de-obra para a colheita.

Os trabalhadores que migram para a colheita do café necessitam de hospedagem na fazenda até o final da safra. Embora a legislação permita o desconto de até 20% no salário do trabalhador para o pagamento da moradia (BRASIL, 2002, p. 31), essa prática não é utilizada. Os proprietários disponibilizam alojamentos aos trabalhadores.

Em visita a uma fazenda de média produção de café na cidade de Guapé-MG, foi possível verificar as péssimas condições de alojamento dos trabalhadores de café.

Na pesquisa realizada, foi verificado que as condições básicas de saúde e higiene não eram seguidas. No local não havia luz elétrica, não era disponibilizado nenhum tipo de aquecimento para o banho e não havia mobiliário adequado; os colchões ficavam no chão dos quartos, junto às roupas, sapatos, equipamentos de proteção individual e ferramentas.

O banheiro era único e por não haver vaso sanitário, as condições de higiene eram precárias. Em relação à alimentação, parcela dos alojados pagava a uma ex-colhedora de café, aposentada da função devido a problemas de coluna, para cozinhar para eles; outros, para economizar, preparavam sua própria comida em fogareiros utilizados dentro dos quartos.

Nas Normas de Segurança e Saúde dos Trabalhadores, podemos verificar que existe uma série de recomendações e proibições em relação ao trato com os trabalhadores. Em relação aos alojamentos temos:

“Os alojamentos, separados por sexo, devem atender aos seguintes requisitos mínimos: ● capacidade não superior a 100 empregados; ● as camas individuais ou beliches poderão ser de madeira, alvenaria ou de estrutura metálica, oferecendo perfeita rigidez, com distância mínima de 70 cm entre as camas; ● as paredes construídas de madeira, tijolos ou concreto, devendo ser pintadas, podendo ser utilizadas tintas a base de cal, desde que mantidas limpas e com renovação periódicas de sua pintura; ... ● o alojamento deve possuir rede de iluminação elétrica, com fiação adequadamente dimensionada, com fios cobertos, não permitindo condições que exponham os usuários ao risco de choques elétricos ou curtos circuitos. Nos locais desprovidos de energia elétrica, a iluminação não deverá colocar em risco a saúde e a segurança dos trabalhadores; ... ● não é permitido o uso de fogareiros ou equipamentos similares no interior dos dormitórios; ● as instalações sanitárias dos alojamentos, separadas por sexo, deverão se localizar a uma distância máxima de 50m destes, com gabinetes sanitários de no mínimo 1m2, ter portas que impeçam o devassamento, sendo prevista uma unidade para cada grupo de 20 trabalhadores. Deverão ainda possuir um lavatório e um chuveiro aquecido para cada grupo de 10 trabalhadores; ...” (BRASIL, 2002, p. 48)

Diante do exposto, é possível verificar que não há condições adequadas de hospedagem, alimentação, e muito menos de remuneração.