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3 DA ALDEIA À SALA DE ENSAIO: SABER, PRÁTICA E CRIAÇÃO EM

3.2 QUEM SÃO OS “OUTROS”?

Sobre a questão de definir quem são os índios do Brasil, Melatti (1980) diz que dentre as inúmeras perguntas que a maioria das pessoas faz sobre os povos indígenas, são freqüentes aquelas que se referem ao número deles. “Ainda existem índios no Brasil? Já estão todos civilizados? Quantas tribos indígenas há? São índios somente os que vivem na aldeia? E os índios que moram em cidade continuam a ser índios? Os mestiços de branco com índio ou de preto e índio devem também ser considerados índios?

O autor afirma que para saber quantos são os índios no Brasil, antes de tudo precisa deixar claro o que se entende por índio. Mas, antes de trazer as questões colocadas por Melatti vamos voltar no exemplo do servidor público. Segundo o servidor, morar numa aldeia indígena, com acesso somente por rio num percurso de cinco horas rio abaixo, de lancha, transporte rápido em comparação com os barcos, não é critério, para o funcionário, para que essa comunidade que ele visitou fosse considerada indígena. Por quê?

Melatti afirma que o conceito índio foi criado pelos europeus ao chegarem à América. Deram a seus habitantes a denominação de índios por pensarem estar pisando nas terras das Índias. Mesmo percebendo o engano, os habitantes do Novo Mundo continuaram a ser chamados de índios.

Com o termo “índios,” os colonizadores rotularam as populações mais diversas desde o norte ao sul do continente americano. Apesar destas populações terem aspecto físico, língua e costumes diversos, uns vivendo em grandes impérios (Incas) e outros vivendo em aldeias de casas de palha (Brasil) eram todos incluídos a um único termo: índios.

Assim, no principio era muito fácil para os colonizadores identificarem os índios: eram todos aqueles que eles tinham encontrado na América. No entanto, mais de quinhentos anos depois, com cruzamentos de brancos, pretos e índios, esses continuam a ser considerados índios? (MELATTI, 1980, p.25)

Ainda segundo o autor, vários tem sido/eram os critérios para distinguir os indígenas das demais populações que hoje habitam a América: o critério racial, o legal, o cultural, o de desenvolvimento econômico e o de auto-identificação étnica, conforme apresentado abaixo:

a. Critério racial:

Trata-se do critério mais antigo. Define o índio pelas características físicas, racial. Este critério apresenta uma grande fragilidade, pois os índios não se constituem como uma única raça, e as populações apresentam grandes diferenças entre si. Outro aspecto é a miscigenação (índio, branco e negro) tornando difícil classificar sob esse critério.

b. Critério legal:

Era utilizado na administração colonial, de caráter puramente legal: toda pessoa que satisfizesse às características definidas por lei como peculiares dos índios seriam classificadas como indígena. Nos Estados Unidos na década de 40 “uma pessoa com uma quarta parte de sangue indígena, que esteja legalmente inscrito nas listas do Governo como índio”.

c. Critério Cultural:

Um determinado povo não importa seus caracteres biológicos, seria classificado como indígena, como branco ou mestiço, conforme a porcentagem de elementos culturais presentes. Tal critério também é insuficiente para explicar a situação atual de vários grupos indígenas que acabaram adotando a maior parte dos costumes da população brasileira havendo esquecido a própria língua em razão do português.

d. Critério de desenvolvimento econômico:

Segundo Lewis e Maes (1945, p. 115 apud MELATTI 1980, p. 25), os critérios racial, legal e cultural até aqui referidos são insuficientes e eles sugerem que “para objetivos práticos, quais sejam, o de melhor as condições de vida dos grupos indígenas, a definição de índio deveria levar em consideração antes de tudo as deficiências concretas, tanto qualitativas quando quantitativas destas populações.” Deste modo, os autores com base em dados relativos à renda, produção agrícola, taxa de mortalidade, número e localização

geográfica dos povos, língua distinta da oficial definem que “quando um grupo tem o número máximo das necessidades e deficiências quantitativas encontradas em um povo, ao lado do máximo de freqüência das necessidades e deficiências qualitativas, estamos diante de um grupo que poderíamos denominar indígena” Lewis e Maes (1945, p. 115 apud MELATTI

1980, p. 25). Esse critério traz uma visão pessimista do índio: “é que nele

está implícita a afirmação de que é impossível progredir sem deixar de ser índio (1980, pag. 25)”

e. Critério da auto-identificação étnica

aquela parcela da população que apresentar problemas de inadaptação à sociedade brasileira, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana. Ou, ainda mais amplamente: índio é todo indivíduo reconhecido como membro por uma comunidade pré-colombiana que se identifica como etnicamente diversa da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com que está em contato.21

Para o autor, é importante ressaltar que o que decide se um grupo de indivíduos pode ser considerado indígena ou não, está no fato dos próprios se considerarem índios ou não e de serem considerados índios ou não pela população que os cerca.

Segundo os dados do censo demográfico 2010, com relação aos que se auto- declararam indígenas, podemos nos interar que

os primeiros resultados do Censo Demográfico 2010 revelam que 817 mil pessoas se auto-declararam indígenas e que o crescimento no período 2000/2010, 84 mil indígenas, representando 11,4%, não foi tão expressivo quanto o verificado no período anterior, 1991/2000, 440 mil indígenas, aproximadamente 150%. As Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentaram crescimento no volume populacional dos auto-declarados indígenas, enquanto as Regiões Sudeste e Sul, perda de 39,2% e 11,6%, respectivamente22.

21

Ribeiro, 1957, p. 35 apud Melatti, 1980, p. 26.

22

Assim, ainda no censo demográfico de 2010 é possível observar que população auto-declarada indígena no Brasil (2000-2010) aponta para um total de 817.963 (Brasil), 305.873 (Região Norte) e 12.015 (Rondônia).

O interessante é que nos livros de estudos sociais que eu utilizava na escola no ensino fundamental em meados da década de 80 e inicio da década de 90 só tratavam dos Tupinambás, Kaetés, Goitaká, grupos que desapareceram muito antes de iniciar o século XX, portanto, a referência que eu tinha dos indígenas naquela época, ficou marcada nos nomes das ruas de Belo Horizonte por onde eu passava: Rua Tupinambás, Caetés, Goitacazes, Guaicurus, Xavantes, Aimorés, Astecas, Timbiras, etc.