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2 QUALIDADE DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE PÚBLICO

2.3 Quesitos de qualidade e valores de referência

2.3.1 Quesitos de qualidade de serviços de transporte

Além dos aspectos diretamente relacionados com a oferta dos serviços, em termos quantitativos (e.g., cobertura do serviço, frequência e capacidade de transporte) e qualitativos (e.g., regularidade, conforto e segurança), outros requisitos também são considerados pelos usuários e órgãos de regulação, tais como os custos (ou tarifas) e as facilidades (decorrentes de serviços acessórios ou infraestrutura).

QUADRO 2.1 - Quesitos de qualidade dos serviços de transporte público coletivo

Requisitos Conceito

1. Disponibilidade Locacional: distância das paradas em relação às origens e aos destinos das viagens

Temporal: período do dia durante o qual o serviço é oferecido

2. Frequência Intervalo de tempo entre duas paradas de veículo para embarque e desembarque de passageiros

3. Pontualidade Relação entre o horário real e o horário programado de parada de veículo para embarque e desembarque de passageiros

4. Tempo de Viagem (velocidade)

Na perspectiva dos operadores: velocidade dos veículos da linha, medida em quilômetros por hora

Na perspectiva dos usuários: tempo total de deslocamento da origem ao destino da viagem, incluindo deslocamento a pé e espera.

5. Conforto Ausência de tensão mental e/ou física e presença de experiências agradáveis em relação aos seguintes aspectos:

a) caminhada até o ponto de parada b) pontos de parada

c) embarque e desembarque

d) disponibilidade e dimensões dos assentos e) condições de viagem em pé

f) condições ambientais dentro do veículo - iluminação - temperatura - ventilação - ruído - relaxamento - fatores psicológicos

6. Facilidades Condições ou serviços associados com a viagem. As facilidades são muito relacionadas com o conforto, tais como:

a) opções de viagem b) informação

c) regularidade de horários

d) uso do tempo em viagem (e.g., TV, jornal, Internet e serviços) e) disponibilidade de estacionamento

f) facilidades para transferência

g) acomodação de pessoas com deficiência

7. Segurança Ausência de acidentes ou de fatores de risco de acidentes. Inclui a segurança dos usuários em relação a atos violentos cometidos contra eles no interior de veículos ou de dependências da linha

8. Custo para usuário

Custo da viagem para o passageiro (total ou percebido). Geralmente, é apenas a tarifa do transporte coletivo, mas pode incluir custos associados com a viagem, como, por exemplo, de estacionamento no caso de uma viagem envolvendo metrô e carro

Fonte: baseado em Vuchic (2005, p. 529-544 apud NTU, 2008, p. 7, adaptado pelo autor).

Observa-se que os quesitos elencados podem estar relacionados com o planejamento do serviço de transporte (i.e., disponibilidade, frequência, conforto, facilidades e custo) ou com a operação (i.e., pontualidade, tempo de viagem e segurança). Além disso, a operação pode ser aprimorada à medida que equipamentos físicos são acoplados ao sistema de transporte, tais como sistema viário prioritário (que melhora a pontualidade e reduz o tempo de viagem) e

câmeras de monitoramento embarcado e veículos novos (que aumenta a segurança). No conceito adotado por Vuchic (2005) todos os momentos da viagem (desde a saída do usuário de sua origem, espera no ponto, deslocamento embarcado, até a sua chegada ao destino) são avaliados através do quesito conforto. Esse conceito abrange questões relacionadas com a acessibilidade ou cobertura espacial, bem como questões relacionadas com a segurança. A

facilidade “regularidade de horários” confunde-se com os quesitos frequência e pontualidade.

Essa variedade e sobreposição de conceitos e formas de definição dos requisitos de qualidade em serviços de transporte é importante, pois visa abordar as especificidades de cada estudo em cada localidade e sob as diferentes percepções dos usuários.

A percepção dos usuários do que é um bom transporte também varia, como já apontado na Subseção 2.2.3, de uma região para outra. As necessidades primárias são definidas em função do tipo de serviço que já é ofertado, principalmente em termos de acessibilidade e conforto, e também das condições econômicas. Entretanto, apesar de a importância variar em termos percentuais, em todas as regiões do Brasil, o tempo de viagem (ou, em outros termos, a rapidez da viagem) é o principal fator que define um bom serviço de transporte.

Em pesquisa realizada pelo IPEA (2010), sintetizada no na TAB. 2.1 a seguir, os entrevistados das cinco regiões brasileiras elencaram uma série de fatores e condições que são imprescindíveis em um bom serviço de transporte.

TABELA 2.1- Condições de um bom transporte (%) segundo a perspectiva do usuário

Condições Brasil Sul Sudeste Centro-

Oeste

Nor-

deste Norte

Ter disponível mais de uma

forma de se deslocar 13,5 18,3 18,1 7,2 10,2 5,8

Ser rápido 35,1 31,2 36,9 36,8 38,5 25,5

Sair em horário adequado à

necessidade do usuário 9,3 11,5 8,0 7,2 10,8 9,4

Chegar ao destino no horário

desejado 4,8 5,6 5,3 2,8 5,5 2,7

Ser saudável 1,3 0,5 0,9 1,3 2,1 1,8

Poluir pouco 2,3 0,7 2,1 1,3 3,6 3,3

Ser barato 9,9 8,5 8,6 13,4 10,7 11,2

Ser confortável 9,7 7,8 7,6 10,6 10,5 16,4

Ter menor risco de assalto 2,3 1,5 1,3 2,5 1,9 7,0

Ser fácil de usar 1,2 1,5 0,7 0,9 1,5 2,4

Ter menor risco de acidente 4,2 4,4 4,2 5,3 2,7 6,4

Cobrir uma área maior 2,6 3,9 1,1 5,9 1,0 5,2

Ser cômodo 1,4 2,0 2,1 1,6 0,3 0,9

Outra característica 1,4 1,7 2,0 0,3 0,7 1,2

Não souberam 0,4 0,2 0,7 0,9 0,0 0,0

Não responderam 0,7 0,7 0,5 2,2 0,0 0,0

Fonte: IPEA (2010).

Como mostra a TAB. 2.1, enquanto os habitantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste buscam em um serviço mais confortável a realização de seus desejos de um bom transporte, os habitantes das regiões Sul e Sudeste almejam formas alternativas de deslocamento. As questões de renda também são percebidas quando as prioridades relacionadas com os custos do transporte são priorizadas de formas distintas entre as regiões de mais alta renda (Sul e Sudeste) e as de menor renda (Norte, Nordeste e Centro-Oeste). Essas diferenças nas avaliações servem como subsídios aos órgãos gestores para a definição das prioridades em investimentos e ações de melhorias nos serviços de transporte.

Em uma outra pesquisa, constante do Sistema de Indicadores de Percepção Social do IPEA (2011), o principal motivo para os usuários escolherem o transporte público como meio de transporte é porque ele é mais barato. Apesar de as tarifas do transporte urbano terem aumentado em mais de 25% acima da inflação nos últimos 10 anos no Brasil, o custo do transporte público ainda é o principal motivo para a escolha desse modo de transporte. Parte dessa avaliação deve-se à condição da legislação brasileira, que prevê o vale-transporte, responsável por cerca de 40% dos usuários pagantes dos sistemas de transporte no Brasil (NTU, 2008).

O QUADRO 2.2 relaciona os principais motivos para a escolha de cada modal entre a população.

QUADRO 2.2 - Principal motivo para a escolha do meio de transporte

Classificação

Modo

A pé Bicicleta Carro Moto Transporte

Público

1º Ser saudável Ser mais

rápido Ser mais rápido Ser mais rápido Ser mais barato 2º Ser mais rápido Ser mais barato Ser mais confortável Ser mais barato Ser mais rápido 3º Sair em horário adequado

Ser saudável Ser cômodo

Sair em um horário adequado Ser a única forma que conhece Fonte: IPEA (2011).

Para a interpretação do QUADRO 2.2, deve-se ter em mente que os motivos das escolhas podem variar principalmente em função de questões sociais ou econômicas. A política de cobertura integral dos custos operacionais através da tarifa elevou os custos com transporte urbano no Brasil, que superaram a barreira de 20% do valor do salário mínimo (considerando- se uma tarifa unitária de R$ 2,45 com gastos mensais de 52 tarifas nominais e salário mínimo de R$ 545,00). Essa situação, agravada com o alto índice de excluídos do transporte público, que chega a 37 milhões de brasileiros (NTU 2009), distorce os fatores envolvidos na avaliação da qualidade do transporte coletivo.

A rapidez aparece como motivo em todos os modos, em primeiro ou segunda colocação, reforçando as opiniões citadas na TAB. 2.1 como condicionantes de um bom transporte. A

questão dos custos também é muito citada, exceto no caso do carro, cujo conforto e

comodidade superam os custos mais elevados. Sugere-se que os usuários do “carro” são

aqueles que superaram as questões financeiras relacionadas com a tarifa e passam a primar pelo conforto e comodidade. Essa questão será abordada na Seção 2.7.

Além dos quesitos, condições e motivos que envolvem um serviço de transporte de boa qualidade e das questões físicas e concretas que são consideradas pelos usuários nas suas avaliações de qualidade, tais como frequência, cobertura espacial e capacidade ofertada,

compete considerar outros fatores para superar uma certa “sensação de insaciedade” que os

usuários têm por um transporte melhor. Afinal, poder-se-ia indagar: “O limite é o carro?”

Alguns autores discutem essa situação. Ferraz e Torres (2001) fazem considerações sobre as dificuldades e a complexidade na definição de padrões de qualidade para os serviços de transporte. As percepções dos usuários variam em função de sua condição social, econômica, idade e sexo, dentre outras influências. Os referidos autores também alicerçam seus argumentos nas seguintes palavras de Kawamoto (1987 apud FERRAZ; TORRES, 2001, p. 106):

No entanto, a satisfação de ter conseguido um nível maior de conforto e rapidez nas viagens durará pouco tempo, pois o nível de aspiração está sempre além do nível alcançado. Assim, parece bastante lógico estabelecer a hipótese de que a natureza hedonista do homem associada à aspiração, torna ilimitado o desejo de viajar mais rápido e confortável [sic].

Também deve ser avaliada a questão econômica, a partir da qual os usuários podem priorizar um quesito dependendo de sua capacidade de pagamento, o que explica a existência de meios alternativos, seletivos e/ou executivos que aumentam o leque de possibilidades e de expectativas dos usuários. A regulação dos índices de conforto de um sistema de transporte afeta diretamente os valores tarifários e, consequentemente, a demanda transportada.