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III: Análise do texto de partida relevante para tradução

III. 4. A questão do efeito

A última questão que recobre o TP visa o seu efeito, categoria que deve ser considerada por relação com o receptor: este tem determinadas expectativas relativamente ao texto, engendradas na decorrência tanto da análise da situação comunicativa, como dos conhecimentos prévios. Esta categoria não é exclusivamente extratextual nem intratextual, mas vive da sobreposição e interdependência de ambas os tipos de factores, que se interafectam reciprocamente. As informações relativas a um factor devolvem geralmente outros dados ou pistas sobre outro(s), ainda para mais tendo em conta de que estamos na presença de um processo recursivo (cf. Nord 1991:145).

Nord salienta, ainda assim, três pares de factores que julga serem determinantes para o seu estabelecimento. A intenção do emissor e a sua relação com o texto detém um papel particularmente relevante no controlo do efeito, ainda que não se deva confundir com este, pois trata-se mais de uma antecipação do efeito no receptor empreendida pelo emissor. Cada receptor apresenta expectativas de cariz cultural específico (por exemplo, face a convenções de tipos de textos ou princípios estéticos) e o efeito obtém-se da relação sempre variável entre os meios estilísticos empregues e as convenções culturais (cf. Nord 1991: 131). O tradutor tem de antecipar o efeito possível do texto, o que lhe exige competência cultural e imaginação prática relativa às consequências das suas acções linguísticas de forma a levar a bom termo o processo social em que se envolveu, colocando-se no lugar do receptor (Nord 1991: 132).

Já a relação entre receptor e o mundo do texto implica a comparação, por parte do receptor, do mundo extralinguístico verbalizado no texto com a sua expectativa, determinada pelos seus conhecimentos, os seus horizontes e a sua predisposição (Bernardo 2009: 661). Assim, a selecção do tema e do conteúdo do texto pode ser feita de modo a causar um certo efeito (um tema inusitado pode requerer concentração ou provocar desagrado, ou somente desinteresse), sendo de particular importância para o tradutor, que terá de recorrer a mecanismos de ligação para manter o interesse em temáticas desconhecidas (Nord 1991: 133). O mesmo se aplica ao conteúdo e selecção de detalhes informativos para ilustrar a temática, tal como às pressuposições, devendo o

tradutor decidir se deseja verbalizar informação que não pode ser pressuposta pelos conhecimentos prévios do receptor do TC (Nord 1991: 133).

Por último, a autora germânica destaca a relação entre receptor e estilo, que exige da parte do tradutor um conhecimento bastante aprofundado do efeito das figuras de retórica dentro de cada cultura (Bernardo 2009: 661). Isto inclui igualmente registos e formatos estilísticos que caracterizam todo o texto, como solenidade, carácter popular, coloquial, etc. O tradutor deverá, preferencialmente, analisar as qualidades retóricas do TP, confiando não apenas no seu instinto, e identificar o efeito dominante pretendido pelo emissor, como o de docere (transmitir informação), delectare (produzir prazer estético) ou movere (causar uma reacção específica no leitor). A convencionalização de funções textuais em certos tipos de textos implica a convencionalização do efeito com frequência, pelo que a escolha de características convencionalizadas é feita pelos produtores textuais pensando já na sua identificação por partes dos receptores (Nord 1991: 134).

Mesmo admitindo que há diferentes tipos de efeitos, a autora não os insere numa tipologia, preferindo falar de pólos entre os quais oscilam as variantes possíveis (Bernardo 2009: 661). Assim, distingue os seguintes tipos:

- efeito adequado à intenção vs. efeito não-adequado – o efeito pode (i) corresponder à expectativa gerada pelos factores extratextuais e suplementada pelo intratexto no receptor ou à intenção do emissor ou (ii) produzir um efeito distinto da intenção do emissor. Isto é tanto mais relevante em comunicação intercultural porquanto o emissor do TP visa o receptor do TP e não o do TT.

- distância cultural vs. distância zero – o mundo textual pode a) corresponder à CP (o receptor pode identificá-lo com o seu próprio mundo, havendo distância zero); b) não corresponder nem à CP nem à CC, ou seja, ambas apresentam distância cultural, devendo o emissor descrever explicitamente as características do mundo textual, que servirá para o receptor do TC; ou c) efectivamente corresponder de facto à CP, mas o emissor “desculturalizou-o” por meio de dados temporais e espaciais específicos, causando assim um possível efeito de distância zero para CP e CC devido à utilização de um certo grau de generalização (Nord 1991: 137).

- convencionalidade vs. originalidade – o efeito será tanto mais convencional quanto mais previsíveis forem os elementos intratextuais, com base na função textual, e quanto mais dominantes estes forem. Em sentido oposto, um texto terá um efeito “original” se contiver bastantes elementos textuais determinados pela pessoa do emissor ou a sua intenção particular. Os efeitos de textos com características estilísticas convencionais dependem principalmente da sua mensagem (Nord 1991: 137)

Nord ilustra a interrelação de factores externos e internos ao texto por meio de uma grelha extensa que apresenta para cada correlação factorial um exemplo de acção ou acto comunicativo (Nord 1991:138). Confessamos que julgamos enigmáticos os critérios de inclusão na mesma grelha, o que nos faz pensar na crítica de Bernardo à mesma grelha e que tem que ver com a falta de eficácia da mesma por se não reportar a um mesmo texto (Bernardo 2009: 661).

Relativamente ao nosso TP, podemos afirmar que estamos na presença de um efeito bastante próximo do pólo da intencionalidade, tendo em conta a relação próxima do emissor e sua intenção com a temática, como evidenciámos em análise prévia. Em termos do parâmetro da distância cultural, o mundo textual corresponde maioritariamente à CP (como a interrelação de factores extratextuais o mostra), prevendo nós necessitarmos de efectuar operações de omissão ou explicitação para aproximar da CC aqueles momentos textuais referidos a propósito das pressuposições. No que toca à convencionalidade, será desse pólo que mais se aproximará, porque dependentes de uma previsibilidade argumentativa e estilística deste tipo de texto de divulgação científica, como o evidencia a função do texto descrita. Contudo, certas características próprias do emissor, descritas no início da análise, contribuirão para um efeito ligeiro de maior originalidade, também pensando nas características supra- segmentais.

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