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4 PLANEJAMENTO URBANO E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO

4.2 QUESTÃO FUNDIÁRIA E O DIREITO DE ACESSO À TERRA

As transformações econômicas ocorridas no Brasil no início do século XX, tiveram sua base nos princípios do liberalismo que preconizava, em especial, a

acumulação e a taxa de lucro. A industrialização no Brasil aconteceu de forma tardia, impulsionada pela burguesia cafeeira através de investimentos em importações e exportações. O acúmulo de capital por parte dessa classe gerou capital industrial, propiciando as condições necessárias às transformações internas no país.

Com o enfraquecimento da economia cafeeira em 1930, houve necessidade da interferência do governo na economia, abrindo caminho à organização da burguesia com o empresariado, eliminando do poder estatal oligarquias tradicionais que representavam interesses agrário-comerciais. O afastamento dos fazendeiros do café do poder provocou diversas mudanças na economia, proporcionando o surgimento de uma política orientada para um forte investimento na infraestrutura industrial, privilegiando a indústria de base e de energia que torna o setor mais prestigiado da economia, contribuindo para importantes mudanças nas estruturas sociais do país.

O entrelaçamento de investimentos externos com os internos e a importação da mão-de-obra assalariada deixou um grande contingente de trabalhadores à disposição dos industriais brasileiros, contribuindo com o aumento da circulação de capital, o lucro industrial, e a capacidade produtiva. Exigiu-se do Estado a garantia e proteção contra importações concorrentes e a realização de investimentos em infra- estrutura.

De acordo com os estudos de Furtado (1968), a crise mundial atinge o setor cafeeiro no Brasil no momento em que já se definia uma situação de superprodução estrutural. Como resultado, há substancial declínio do preço do café no mercado internacional e a formação de excedente de produção. Após a Revolução de 1930, o Governo Vargas decide retomar a defesa do café, tendo em vista não só a pressão dos cafeicultores, mas também os “interesses nacionais” por meio de novos instrumentos. A nova política de defesa do café, que se fazia via compra dos estoques excedentes do produto e da queima da parte invendável desses estoques, utilizava recursos provenientes da expansão do crédito (FURTADO, 1968).

As mudanças econômicas advindas com a expansão capitalista provocaram os movimentos migratórios do campo para a cidade, dificultando a vida dos trabalhadores rurais, que se viam totalmente desqualificados para atuarem no mercado de trabalho industrializado. Esse contingente de trabalhadores que fora expurgado do campo acabou ocupando os centros urbanos e tendo que se adaptar a uma nova forma de vida. Por outro lado, esse crescimento no fluxo migratório para

os centros urbanos mais industrializados, acelerou a oferta de mão-de-obra e o consumo de produtos, intensificando a taxa de crescimento industrial e proporcionando o aumento de novos estabelecimentos industriais no país o que vem provocar mudanças decisivas nos rumos da história brasileira, preparando o caminho para uma significante reorientação nos moldes da política econômica.

A revolução vigente no Brasil, na primeira metade do século XX, dividiu em dois momentos esse período da história econômica na sociedade brasileira: a época de vigência do sistema agrário-comercial, amplamente vinculado ao capitalismo internacional e a do sistema urbano-industrial, voltado para o mercado interno. Antes de 1930, um parque industrial ainda incipiente não permitira a concentração do proletariado, pois as condições de trabalho eram incertas e insalubres devido à falta de garantia de direitos trabalhistas. A partir desse período, apresenta-se um desenvolvimento econômico voltado para o aumento da renda per capita, dos salários e do consumo, consequentemente, o aumento da taxa de crescimento da população e de urbanização. Analisando o ponto de vista de Ianni (1986, p. 33-34), observa-se que

[...] pouco a pouco as classes sociais de mentalidade e interesses caracteristicamente urbanos impuseram-se sobre a mentalidade e os interesses enraizados na economia primária exportadora. Para os partidos e movimentos políticos que haviam lutado por instituições democráticas, a vitória sobre as oligarquias havia sido um malogro. Passava-se do regime oligárquico à ditadura do tipo burguês, depois de um entreato de grande fermentação política e econômica.

O crescente mercado de trabalho estimulou a migração interna, onde um grande fluxo migratório de trabalhadores nordestinos se concentrou nos centros urbanos, provocando transformações tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista social e cultural. Uma forte expansão urbana cria as grandes periferias, uma vez que essa população não dispunha de condições mínimas de infra-estrutura urbana e serviços públicos como assistência, educação, habitação, saneamento, saúde e tantos outros.

O crescimento industrial, e consequentemente a grande concentração de renda, ampliou as desigualdades sociais, provocando tensões nas relações de trabalho e o agravamento da questão social, produzindo núcleos de população miseráveis, apresentando paradoxo sobre o crescimento acelerado do capital e o crescimento da desigualdade social, onde as relações estabelecidas entre o capital e o trabalho provocaram a exploração e a alienação do trabalhador.

A primeira da República no Brasil não apresentava qualquer entendimento quanto ao interesse social. O direito de propriedade era visto sob ênfase do direito individual, ocorrendo uma verdadeira ampliação do liberalismo trazendo uma diminuição da limitação desse direito. Somente a partir da Constituição de 1934, tem início o processo de uma nova conceituação do direito de propriedade, passando a dar uma razão do sentido social do direito, com a finalidade do coletivo como fundamento.

Transformações econômicas, políticas e sociais influenciaram a estruturação da propriedade e do acesso a terra. Segundo Rousseau (2008), “[...] a propriedade é a base sobre as quais se firma o processo causador da desigualdade social entre os homens”. Assim, a noção de propriedade criou a ideia de acumulação de bens, trazendo a superioridade de uns sobre os outros, o que convergiu em conflitos entre cidades e nações. Com o advento da propriedade privada da terra, a propriedade livre do solo significou a posse integral da mesma, que garantir a propriedade privada significa a dominação dos proprietários dos meios de produção sobre os não-proprietários e a reprodução da divisão da sociedade em classes.

O advento da Constituição de 1988 trouxe a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no território nacional a garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º, caput, CF/1988). Ao assegurar a propriedade como direito fundamental, o texto de 1988, estabelece uma garantia, entendida não como meio de defesa dos direitos, mas como barreira à ação dos Poderes Políticos, inclusive o Legislativo, a fim de manter íntegro o direito reconhecido. O Capítulo I que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos condiciona o direito de propriedade a uma função social (CF /1988, art. 5º, incisos XXII e XXIII).

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social [...].

A Constituição de 1988 elevou o direito de propriedade rompendo com o antigo pensamento individualista e privado que recaía sobre a propriedade. Com a supremacia do interesse público, a propriedade passou a atender sua função social, procurando trazer benefícios tanto para o proprietário quanto para a coletividade. Nessa nova Carta opera uma transformação da propriedade em razão da

interpretação da propriedade à luz da totalidade dos valores constitucionais, em especial na atenção dada ao meio ambiente, aos índios, ao objetivo fundamental de redução das desigualdades sociais, etc. Nessa mesma linha, Silva (1997) discorre a respeito:

[...] o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa, a instituição da propriedade privada. Contudo, parece-nos que pode fundamentar até mesmo a socialização de algum tipo de propriedade, onde precisamente isso se torne necessário à realização do princípio, que se põe acima do interesse individual. Por isso é que se conclui que o direito de propriedade não pode mais ser tido como um direito individual.

As transformações compelidas pela Constituição de 1988 sobre os novos contornos da função social da propriedade traz ao ordenamento brasileiro os efeitos sobre ações reivindicatórias e possessórias. No processo histórico brasileiro, os direitos fundamentais foram criados nos textos constitucionais e nas legislações brasileiras sem a efetiva participação da população. As lutas e os movimentos sociais deram significado e efetividade aos poucos direitos fundamentais que sustentam a frágil cidadania no Brasil.

A década de 1970 no Brasil traz a interação de movimentos camponeses da Igreja Católica progressista e da rede de direitos humanos pela luta da posse da terra no Brasil. Durante o regime militar, as oportunidades de articulação e de reivindicação dos direitos de trabalhadores rurais, posseiros, arrendatários e outras modalidades, eram mínimas. Segundo Martins (1982) “[...] a despolitização da questão fundiária e a exclusão política do campesinato das decisões sobre seus próprios interesses, que redundam basicamente em restrições severas à cidadania dos trabalhadores do campo”.

A Lei nº 4.504 de 1964, marco legal da política fundiária do Estatuto da Terra reconhece o direito de propriedade daqueles que demonstrassem a posse da terra, os direitos daqueles que a arrendavam e também daqueles que trabalhavam em terra alheia. Além de que, sancionava a ideia de função social da propriedade, que serviria de critério para desapropriações de terras visando à reforma agrária. Entre as principais bandeiras de luta desse movimento estão à reforma agrária, a melhoria nas condições de trabalho e o combate ao processo de substituição do homem pela máquina no meio agropecuário. Constituiu-se, historicamente, a partir das Ligas Camponesas (1940-1960), e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST), o reconhecimento de violações em importantes setores como o combate ao trabalho escravo.