• Nenhum resultado encontrado

Quinolonas e fluoroquilononas: antimicrobianos de uso veterinário

3. REVISÃO DA LITERATURA

3.3. Quinolonas e fluoroquilononas: antimicrobianos de uso veterinário

A fim de reduzir a mortalidade de animais por doenças e infecções, os fármacos foram introduzidos na área veterinária. Os insumos farmacêuticos utilizados para este fim são substâncias químicas derivadas ou não de microrganismos, classificados em antibióticos ou antimicrobianos, e que, mesmo em baixas concentrações, inviabilizam ou inibem o crescimento dos microrganismos causadores de doenças ou exerça toxicidade seletiva (MAPA, 2009).

Os antimicrobianos podem ser agrupados quanto a sua estrutura química ou mecanismo de ação, sendo os principais grupos: quinolonas, tetraciclinas, macrolídeos, sulfonamidas e ß-lactâmicos.

Destaca-se a família das quinolonas (Figura 2), que compreendem as fluoroquinolonas (FQ) e as quinolonas de primeira, segunda, terceira e quarta geração, sendo que a cada geração há um aumento no espectro de atividade antimicrobiana (Tabela 2), melhora na absorção e melhora na farmacocinética.

11

Figura 2. Estrutura representativa das quinolonas

Fonte: OWENS , AMBROSE, 2000.

Tabela 2. Diferentes gerações de quinolonas e suas atuações antimicrobianas.

Geração Fármacos Atuação Primeira Ácido nalidíxico, ácido oxolínico, ácido pipemídico,

ácido piromídico e cinoxacina.

Organismos Gram-negativos aeróbios (não incluído pseudômonas).

Segunda Lomefloxacina, flumequina, norfloxacina, enoxacina, ofloxacina, ciprofloxacina, pefloxacina, difloxacina, martifloxacina, sarafloxacina e fleroxacina.

Organismos Gram-negativos (inclusive

pseudômonas), alguns organismos Gram-

positivos e pneumococci (não incluído

streptococcus pneumoniae).

Terceira Levofloxacina, balofloxacina, tmafloxacina, danofloxacina, tosufloxacina, grepafloxacina, pazufloxacina e sparfloxacina.

Organismos Gram-positivos, inclusive

streptococcus pneumoniae, e alguns

patogênicos atípicos.

Quarta Moxifloxacina, gatifloxacina, trovafloxacina, clinafloxacina, enrofloxacina, sitafloxacina, plurifloxacina e gemifloxacina.

Organismos Gram-positivos, inclusive

streptococcus pneumoniae, alguns

patogênicos atípicos e ampliação do espectro dos organismos anaeróbios.

Fonte: adaptado de RODRIGUES-SILVA et al. 2014, OWENS, AMBROSE, 2000).

A primeira quinolona gerada em 1962 foi o ácido nalidíxico, e com o intuito de ampliar o espectro antimicrobiano, os fármacos posteriormente gerados tiveram adição de substituintes como a piperazina, flúor, entre outros, nas diferentes posições dos carbonos presentes na molécula básica da quinolona.

As FQ são caracterizadas por apresentarem flúor na posição R6 e anel piperazínico na posição R7 e são extensamente utilizadas devido ao seu amplo espectro de atividade antimicrobiana (MITANI , KATAOKA, 2006). As FQ são recomendadas para o tratamento de

12

infecções bacterianas em animais, aves e peixes em vários países do mundo (World Health Organization - WHO, 1998), e também, para prevenir infecções, quando utilizada em baixas doses (DORIVAL-GARCÍA et al. 2013b).

As fluoroquinolonas são inibidores potentes do DNA girase e da enzima topoisomerase tipo II e IV, que são enzimas essenciais no processo celular de replicação do DNA, inibindo o superenrolamento no interior da célula, podendo resultar na diminuição da replicação do DNA (em concentrações mais baixas) e/ou a morte celular (em concentrações letais). Em geral, o alvo das FQ em bactérias gram-negativas é o DNA girase, enquanto que em microrganismos gram- positivos é a enzima topoisomerase IV (REDGRAVE et al. 2014).

A maior parte das FQ não é totalmente metabolizada no organismo (taxa de metabolização < 25%); por isso, são excretadas principalmente na sua forma original, farmacologicamente ativa. Dessa forma, as FQ são introduzidas no sistema aquático na sua forma inalterada, além dos seus metabólitos (VAN DOORSLAER et al. 2011; HAQUE, MUNNER, 2007).

3.3.1. Consumo mundial e ocorrência no ambiente

O consumo anual de quinolonas no âmbito mundial é grande; no entanto, devido a falta de fiscalização, os dados sobre o consumo de fluoroquinolonas são escassos.

A China, maior produtor mundial de antibióticos, consome anualmente 470 toneladas de quinolonas na medicina veterinária e 1350 toneladas na medicina humana (WHO, 1998).

O Brasil, considerado líder mundial pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, 2013) na produção e exportação de animais, tais como aves e bovinos, não fornece estatísticas gerais sobre as quantidades de fármacos utilizadas e vendidas no país, bem como a ocorrência e potenciais riscos no ambiente. Como exceção, pode-se citar o estado do Paraná, que apresentou relatório da PAM-vet (2005), em que foram relatadas informações sobre o uso e comercialização de medicamentos veterinários em frango de corte. O grupo farmacológico mais utilizado com a função preventiva na fase de desenvolvimento final da produção de frango de corte foram as FQ. Os resultados do levantamento sugerem a necessidade

13

de uma revisão do processo de registro de medicamentos veterinários, por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, e também, a instituição de um projeto que avalie o risco toxicológico desses medicamentos.

O aumento no consumo das quinolonas, tanto na medicina humana quanto na veterinária, provocou também um aumento na sua ocorrência no ambiente. Concentrações de FQ podem ser encontradas em diversas matrizes ambientais e em diversos países, principalmente em águas, na faixa entre µg L-1 a ng L-1 (Tabela 3).

Tabela 3. Ocorrência de quilononas e fluoroquilononas no ambiente.

Fármacos Matriz Concentração média (ng L-1) País Referência Ciprofloxacina, enoxacina, enfloxacina, lomefloxacina, norfloxacina e ofloxacina. Rios e estuários 99 Japão (Osaka) ADACHI et al. 2013 Ciprofloxacina, fleroxacina, lomefloxacina, norfloxacina e ofloxacina. Afluentes e Efluentes de ETE

150 China ZHOU et al. 2013

Ofloxacina, norfloxacina, ciprofloxacina, fleroxacina e lomefloxacina. Efluentes e afluentes de ETE 290 China (Beijing) GAO et al. 2012

Fleroxacina, lomefloxacina, ácido pipemídico, ofloxacina, enrofloxacina, ciprofloxacina, sarafloxacina, moxifloxacina, norfloxacina, sparfloxacina e gatifloxacina. Efluente de ETE 234 China (Beijing) JIA et al. 2012 Norfloxacina, ciprofloxacina, sarafloxacina, ofloxacina, fleroxacina, lomefloxacina, difloxacina e enrofloxacina. Efluente de ETE 614 China (Beijing) LI et al. 2013 Norfloxacina, ciprofloxacina, sarafloxacina, ofloxacina, fleroxacina, lomefloxacina, difloxacina e enrofloxacina. Água superficial 6,28 a 212 China (Região do rio Baiyangdian) LI et al. 2012 Ofloxacina, norfloxacina, ciprofloxacina e enrofloxacina. Afluentes de ETE 2029 China (Hangzhou) TONG et al. 2009 Efluentes de ETE 778 Águas superficiais 83,5

14

Continuação - Tabela 3. Ocorrência de quilononas e fluoroquilononas no ambiente.

Fármacos Matriz Concentração média (ng L-1)

País Referência

Ácido pipemídico, ofloxacina, ciprofloxacina, flerofloxacina, norfloxacina, moxifloxacina, e gatifloxacina. Efluente de ETE 245 China (Beijing) XIAO et al. 2008 Afluente de ETE 90 Águas superficiais 56 Ofloxacina Efluentes de hospitais 0,039 Japão (Tóquio) MITANI , KATAOKA, 2006 Efluente de ETE 0,16 Ofloxacina, lomefloxacina, norfloxacina e ciprofloxacina. Efluentes de ETE e águas superficiais 63 Estados Unidos e Canadá NAKATA et al. 2005 Ofloxacina, lomefloxacina, norfloxacina e ciprofloxacina. Efluentes de ETE 173 Países Europeus ANDREOZZI et al. 2003 Ciprofloxacina e ofloxacina. Efluentes de

ETE 192 Geórgia, Califórnia e Arizona RENEW, HUANG, 2004

As taxas de biodegradabilidade das quinolonas e fluoroquinolonas são baixas (KÜMMERER et al. 2000), com um tempo de meia-vida de 10,6 dias em águas superficiais (ANDREOZZI et al. 2003), e por serem solúveis em água e excretadas mais facilmente pela urina, são encontradas mais facilmente em matrizes aquosas.

As FQ são detectadas principalmente em efluentes domésticos de entrada de ETE, devido ao alto consumo na medicina humana, e em concentrações maiores do que outras classes de antimicrobianos como sulfonamidas e macrolídeos (VAN DOORSLAER et al. 2014b).

Redução nas concentrações de FQ nos efluentes finais de ETE que utilizaram o processo físico-químico-biológico de lodos ativados foi observada nos estudos de Gao et al. (2012) e LI et al. (2013), sugerindo que este tratamento seria eficaz na remoção das FQ. No entanto, com a análise do lodo final do sistema de tratamento, foi constatada maiores concentrações deste grupo de antimicrobianos, o que corrobora com o estudo de Lindberg et al. (2007), que indicaram a presença no lodo de, aproximadamente, 70% das quinolonas e seus metabólitos que entram em uma ETE. Sendo assim, um dos principais motivos para a remoção destes fármacos

15

durante tratamento convencional é a adsorção no lodo. Este fato pode ser explicado pelas propriedades físico-químicas das FQ, como alto valor do Kd, coeficiente de partição ou distribuição solo/água, o que indica sua alta capacidade de adsorção (KÜMMERER, 2009c; JIA

et al. 2012; LI et al. 2013) ao lodo.

A presença das quinolonas e FQ em lodos de ETE destinados à utilização na agricultura, por exemplo, pode aumentar a ocorrência destes fármacos no ambiente. Após o lodo ser aplicado no solo como fertilizante, os fármacos adsorvidos nele podem ser transportados para o solo, carreados aos mananciais por escoamento superficial, serem lixiviados para águas subterrâneas

e/ou assimilados pela vegetação e outros organismos presentes no ambiente

(DORIVAL-GARCÍA et al. 2013b).

Concentrações de fluoroquinolonas foram detectadas no sul da China em solo agrícola, na faixa de 27,8 a 1527,4 µg kg-1 (LI et al. 2011); em sedimentos na faixa de 65,5 a 1166 μg kg-1 e em plantas na faixa de8,37 a 6532 μg kg-1, na Região do rio Baiyangdian, o maior reservatório de água doce do Norte da China, que encontra-se muito poluído (LI et al. 2012) e em lodo de estações de ETE na China 0,16 mg kg-1, mesmo após tratamento aeróbio, anóxico e anaeróbio do efluente (JIA et al. 2012), estas concentrações muito elevadas poderiam afetar comunidades microbianas presentes no ambiente.

3.3.1.1. Toxicidade e resistência antimicrobiana

A ocorrência das FQ no ambiente pode apresentar prejuízo aos humanos e a outros organismos vivos, já que a parte do fármaco não metabolizada e excretada apresenta atividade antimicrobiana, podendo diminuir a suscetibilidade das bactérias a estes antimicrobianos

(FRADE et al. 2014; ADACHI et al. 2013; STURINI et al. 2012a;

VAN DOORSLAER et al. 2011). A World Health Organization – WHO (2011) já relatou preocupação quanto a correlação entre o aumento do consumo de fármacos e o desenvolvimento da resistência antimicrobiana em humanos e animais.

A incidência de resistência de bactérias (Escherichia coli, Salmonella, Campylobacter) às FQ já foi comprovada na Grécia, e também, em alguns países europeus, desde a década de 90, conforme descrito pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, 2014). Sendo assim, na Europa, o uso de antibióticos e antimicrobianos para fins não

16

terapêuticos/profiláxia foi banido, a fim de reduzir o consumo e diminuir a incidência de resistência de outros organismos (COGLIANI et al. 2011).

De acordo com a literatura, as FQ são consideradas altamente tóxicas para bactérias, algas, plantas e organismos aquáticos como peixes e crustáceos (AN et al. 2010a); portanto, há preocupação quanto à toxicidade das FQ à biota exposta.

Testes de toxicidade com cinco organismos diferentes (cianobactéria Microcystis

aeruginosa, lentilha d’água Lemna minor, alga verde Pseudokirchneriella subcapitata, crustáceo Daphnia magna e vairão Pimephales promela) foram realizados por Robinson et al. (2005) para

sete FQ: ciprofloxacina, lomefloxacina, ofloxacina, levofloxacina, clinafloxacina, enrofloxacina e flumequina. Os valores de concentração efetiva por inibir 50% da população do microrganismo variaram entre 7,9 a 23 103μg L-1, sendo o organismo mais sensível a cianobactéria Microcystis

aeruginosa, cujas concentrações efetivas (CE50) variaram de 7,9 a 1960 μg L-1. Este fato pode ser explicado pelas características estruturais das cianobactérias procariotas, semelhantes a bactérias, que são alvos de ação dos antimicrobianos. Contudo, concluiu-se que a toxicidade seletiva das FQ estudadas podem apresentar implicações à comunidade aquática e a biota expostas a estes antimicrobianos.

As FQ também apresentam fototoxicidade devido à capacidade da molécula em gerar radicais livres após reagirem com a radiação UV. Os radicais livres gerados são capazes de atacar as membranas lipídicas celulares, causando danos no DNA (BEBEROK et al., 2013; ALBINI e MONTI, 2003). Portanto, a presença das FQ no ambiente apresenta risco ecotoxicológico aos organismos presentes, principalmente aos fotossintetizadores, como plantas e algas. Esse fato se deve a fotoatividade do anel quinolona e do grupo amino pertencentes à estrutura molecular das FQ. Eles atuam como inibidores nos mecanismos de fotossintetização realizados pelas plantas e algas, exercendo toxicidade, alterando no desenvolvimento morfológico e no crescimento (ARISTILDE et al. 2010).

Algumas fluoroquinolonas, mesmo em baixas concentrações de μg L-1, também podem apresentar genotoxicidade, causando danos genéticos principalmente em bactérias suscetíveis ao espectro destes antimicrobianos (TAMTAM et al. 2008). Dessa forma, sua presença em matrizes

17

ambientais é de extremo risco toxicológico a biota exposta, principalmente aos microrganismos responsáveis pela degradação da matéria orgânica presente em sedimentos e água.

Documentos relacionados