• Nenhum resultado encontrado

3. M ETODOLOGIA

3.2. Fase II Casos de Estudo

3.2.1. Levantamento e Análise Individual

3.2.1.7. Quinta da Estalagem

3.2.1.7.1. Enquadramento e Caracterização

A Quinta da Estalagem, situada na freguesia de Palhais, concelho do Barreiro, implanta-se na margem direita do Rio Coina. A evolvente da propriedade caracteriza- se por terrenos expectantes e moradias, que se proliferaram pela pequena freguesia de Palhais. A norte da unidade ainda subsiste o Moinho de Maré de Palhais, mas em ruínas.

A propriedade é abrangida na totalidade pela “Faixa de Proteção do Estuário e Zonas Húmidas Adjacentes”, REN, devido à proximidade ao sapal do Esteiro do Rio Coina. A proximidade desta quinta ao rio, faz que este imóvel seja o único, dos casos de estudo, que faz fronteira direta com a superfície de água, tendo apenas o paredão como única barreira física de separação.

161 3.2.1.7.2. História

A “Carta Topographica Militar do Terreno da Península de Setúbal”, de 1813-1816, no sítio onde hoje se localiza a Quinta da Estalagem, regista uma edificação, de dimensão considerável, mas não referencia a toponímia. A sua localização, coincidente com o antigo porto de Palhais, poderá indicar que esta estrutura terá tido funções de apoio às atividades portuárias ligadas ao transporte de produtos para a capital. Nesta cartografia está também identificado o “Forno de Cal”, estrutura que remonta pelo menos até ao século XVIII.

A toponímia “Quinta da Estalagem”, acentua a ligação a estas funções de acondicionamento de bens e alojamento de pessoas, reforçadas também pela proximidade do Complexo de Vale de Zebro, bem como dos fornos de cal.

Nos documentos1 a que tivemos acesso, para além da toponímia “da Estalagem”, é

também atribuída a toponímia “das Palmeiras”, nome para o qual não conseguimos encontrar nenhuma justificação, a não ser pela eventual existência de exemplares destas árvores no local.

Apesar de não sabermos ao certo as origens da Quinta da Estalagem, documentação fornecida pelos atuais proprietários da quinta, permitiu-nos conhecer alguns dos seus anteriores proprietários.

Após leitura desses documentos, identificámos que os registos mais antigos referentes à quinta remontam a finais da década de 60 do século XIX. Nesta altura tanto a quinta, como os fornos de cal, faziam parte da mesma propriedade, e por partilhas desses bens, por óbito de Helena Maria da Conceição Pereira, a quinta e os fornos passam

para seu marido José Maria Pereira.2

A propriedade e os fornos de cal terão ficado na pertença dos descendentes de José Maria Pereira até a última década do século XIX. Após isto, a quinta e os fornos de cal são desanexados e adquiridos por proprietários diversos, que acabam por não conseguir manter a sua posse durante muito tempo. Efetivamente, até ao início dos anos 40 do século XX ambas as propriedades tiveram distintos proprietários, até que

1 Cf. Vol. II, Documentos Diversos, pp.32-51. Agradecemos aos proprietários da Quinta da Estalagem a cedência destes documentos, bem como toda a ajuda e disponibilidade prestada.

162

finalmente a quinta é adquirida por Adelino Martins, que mais tarde juntou os fornos de

cal à sua propriedade.1

Os documentos referidos distinguem também as componentes da quinta, algumas das

quais dissociadas ou perdidas, tal como dois moinhos de vento “tipo americano”.2

Atualmente a quinta e os fornos de cal, ainda se mantêm na posse dos descendentes de Adelino Martins, mais concretamente de seu neto, Adelino Manuel Correia Martins, e de sua esposa Teresa Sofia Alexandra Canas Martins, que há cerca de 16 anos fizeram da quinta sua casa de habitação permanente. Neste período a quinta tem sido alvo de um conjunto de intervenções, interiores e exteriores, com o objetivo de dinamizar e viabilizar a unidade.

Como tal, desde 2013, tem vindo a ser promovido na quinta um conjunto de atividades pedagógicas, num conceito de “Quinta Pedagógica”, adaptando-se o espaço exterior para esse efeito, e onde é promovido o contacto com a ruralidade, nomeadamente com os animais da quinta.

3.2.1.7.3. Descrição

A quinta tem cerca de 4,5ha e é completamente murada, separando-se do Esteiro do Rio Coina por um paredão. Distribui-se por dois terraços, tirando partido de três níveis ao incluir o rio como superfície contígua, sobre a qual a quinta se abre visualmente. Este último nível, inclui elementos que apontam para o passado portuário.

O primeiro terraço, sustentado pelo paredão, construído paralelamente ao rio, inclui alguns dos principais constituintes da quinta, como a casa, o pátio, o jardim de buxo e

os fornos de cal.3 No segundo terraço, na cota mais alta da propriedade, encontra-se

restos de estruturas hidráulicas recentes, solução que vincula esta propriedade

essencialmente à produção, e uma extensa vinha4.

1 Cf. Vol. II, Documentos Diversos, pp.32-51. 2 Cf. Vol. II, Documentos Diversos, pp.32-51.

3 É possível que este paredão tivesse servido de cais, nas quais se procedia ao transporte de mercadorias e produções associadas ao Complexo de Vale de Zebro, e até aos fornos de cal, e quem sabe se armazenadas neste local, temporariamente, nalguma construção.

4 Esta vinha foi plantada recentemente, e corresponde ao vinho designado de “Bastardinho”, um vinho típico da “Outra Banda”.

163 Na propriedade, associada à burguesia emergente de finais do século XIX e princípios do século XX, destacam-se a casa, os anexos agrícolas, o pátio, os jardins, os pomares e os fornos de cal.

Eixos e Caminhos

O principal eixo da quinta surge no arranque do portão, que se localiza no limite oeste da propriedade. Do lado direito do portão encontra-se um pequeno painel de azulejo, recente, com a inscrição “Quinta da Estalagem”. A ligação entre este portão e o principal núcleo da quinta tem cerca de 190 metros. Este caminho, que atravessa o pomar, termina no pátio da quinta, sendo cortado por um outro caminho que segue paralelo ao rio. Admite-se que através desta solução se pretendesse destacar a mais

relevante das portas da casa, cujas cantarias1 aparentam remontar ao século XVII e se

encontra, enquadrada por dois ciprestes-comum.

Já o caminho que segue paralelo ao rio, faz a ligação entre o núcleo principal da quinta e os fornos de cal. Este eixo, enquanto associado ao núcleo principal, é pavimentando por uma calçada de calcário e ensombrado por uma latada. Esta latada aparenta ser recente, excetuando os cachorros de pedra, e está parcialmente coberta por videiras, de pequenas dimensões. Este caminho é marginado por hortênsias e

lavandas, e conduz a uma pequena zona de estadia coberta por uma buganvília.2 Esta

zona está adoçada ao muro norte e é centrada por um painel de azulejos recentes

ladeado por dois bancos.3

Pátio e Casa

O acesso exterior ao pátio da quinta faz-se pelo limite norte da propriedade, onde se localizam os antigos anexos agrícolas, como a vacaria, que foram adaptados a escritórios. O pátio da quinta é limitado por construções, nas quais se inclui a residência e a antiga casa do forno. Este pátio, calcetado a calcário, está centrado por

uma peça de água.4 É também no pátio que se encontra um dos poços da

propriedade, no qual se reconhecem restos de um engenho elevatório. A cobrir o poço existe uma latada, parcialmente coberta por uma buganvília.

A partir do pátio acede-se à casa, tanto ao piso térreo como ao superior, este último

através de uma escadaria corrente, cujo patim é de mosaico hidráulico5 e o guarda

1 V. Vol. II, Fig. 56, p.119. 2 V. Vol. II, Figs. 57, 58, p.120.

3 É possível que neste recanto houvesse uma janela para o exterior, mas que terá sido fechada. 4 É provável que esta peça tenha sido importada de outro local.

164

corpos em ferro.1 Deste nível pode se observar o jardim de buxo, bem como a vinha,

no último terraço.2

Pomar

O pomar é composto sobretudo por citrinos, incluindo também algumas nespereiras. Encontra-se compartimentado por sebes de buxos, que delimitam as parcelas dos pomares. Na zona do pomar há ainda alinhamentos, ao longo dos caminhos, de choupo-negro, cipreste-comum e nespereira.

Segundo os atuais proprietários, a zona onde hoje estão instalados o campo de ténis e o parque infantil, correspondia à antiga horta da quinta, ainda reconhecível pelas caleiras de rega. No limite norte desta zona foi plantado um jardim de buxo, ensombrado por três árvores.

A zona do pomar encontra-se atualmente separada do núcleo principal, onde está a casa, o jardim de buxo e o pátio, por um caminho aberto provavelmente em cronologias posteriores às do primitivo sistema hidráulico da quinta.

Sistema Hidráulico

O sistema hidráulico incluía um tanque de rega, reservatório de água considerável que atualmente está descaracterizado, para o qual carranca de datação e origem

desconhecida debitaria água.3 O tanque fazia depois a ligação às caleiras, que ainda

são visíveis no pomar. As caleiras, que definem caminhos e delimitam parcelas, são de tijolo burro e estão marginais aos caminhos calcetados a calcário, nos quais foram construídos alguns bancos.

Construções Recentes

É no caminho em direção aos fornos de cal que se encontram as construções e equipamentos recentes, construídos para dar apoio às atividades pedagógicas, como

os galinheiros, canis, cavalariças e paddock.4

1 Ambas estruturas podem indicar obras ocorrentes durante o século XX. 2 V. Vol. II, Fig, 60, p.121.

3 O tanque depois de ter sido desativado teve funções de piscina, atualmente está coberto e foi convertido numa casa de apoio às atividades pedagógicas que ocorrem na quinta.

4 Ao compararmos a fotografia área de 2018, com a fotografia área de 2004, é possível verificarmos as alterações que ocorrem na quinta nesse período, pela necessidade de a adaptar às novas funções, enquanto espaço pedagógico. A fotografia área de 2004 está disponível em: http://mapas.dgterritorio.pt/viewer/index.html.

165 Fornos de Cal

No limite sul da propriedade, ainda se identificam três fornos de cal e respetivo caís, o

qual permitia que os materiais aqui transformados fossem facilmente escoados.1

3.2.1.7.4. Função Atual

A quinta, residência familiar e unidade de produção ativa, veio incorporar em 2013, novas funções, onde são promovidas inúmeras atividades lúdicas e culturais, direcionadas para uma faixa etária mais infantil, como festas de aniversário e visitas pedagógicas.

3.2.1.7.5. Considerações

Pela interpretação deste espaço, fica claro que a quinta foi ordenada recentemente, tendo sido sujeita a intervenções sucessivas, o que aparenta indicar que a sua génese não terá sido de Quinta de Recreio, mas sim de uma adaptação.

As intervenções que ocorreram, principalmente as mais recentes, não foram criteriosas, tendo sido sacrificadas estruturas importantes da quinta, como o tanque de rega, não tendo havido coerência de projeto algum.