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Quinta do Rouxinol trabalhos arqueológicos

Quanto ao momento de instalação da actividade olei - ra na Quinta do Rouxinol, vários indicadores apon - tam para que possa remontar à segunda metade do século II (SANTOS, RAPOSO e QUARESMA, 2015: 122; RAPOSO, SANTOS e ANTUNES, 2016: 19-20, QUARESMA, 2017: 296-297).

2.3. Outros sítios

Para além das três olarias mais conhecidas (Porto dos Cacos, Quinta do Rouxinol e Garrocheira), a produção oleira na região estuarina e no baixo Tejo está ates - ta da noutros locais directamente associados a esse rio ou à rede hidrográfica subsidiária (Fig. 12). Na margem Sul, é o caso da envolvente do Porto dos Cacos, bordejando o rio das Enguias e os pauis pró - xi mos, onde há evidência de fornos em Vale da Pa - lha (RAPOSO, 1990: 117) e na Fonte da Raposa (COR - REIA, 2005: 130-131), e indícios da sua presença jun - to à Ponte de Caparica (RAPOSO e DUARTE, 1996: 250, nota 1), todos no Município de Alcochete. No Olho da Telha, já em Palmela, também é visível pelo menos um forno semidestruído num talude (FERNANDES e CARVALHO, 1993: 14 e 1996: 122). A montante, na ba - cia do rio Sorraia e no território municipal de Be na -

vente, à mencionada olaria da Herdade da Garrochei - ra acresce um forno situado na zona do Monte dos Con des e da ribeira de Santo Estevão (FABIÃO, 2004: 388). E, por fim, há fortes indícios de produção cerâ - mica em Época Romana no Porto Sabugueiro, perto de Muge, em Salvaterra de Magos (CARDOSO, 1990; CARDOSO e RODRIGUES, 1996), onde posteriormen - te se comprovou uma ocupação de larga diacronia, do Neolítico à Antiguidade Tardia (PIMENTA e MENDES, 2008).

Na margem Norte, trabalhos de minimização de im- pactos vêm revelando também novos achados. No Município de Loures e junto à ribeira com o mes mo no me, a construção de uma zona comercial e a aber - tura de uma rodovia propiciaram a identificação, em 2005-2006, de três fornos integrados na villa / vic us

RAPOSO, J. M. C.

Figura 11 – Em cima, corte estratigráfico da principal fossa usada para descarte (quadrícula B10), na base da qual subsistem algumas ânforas quase completas e madeira não consumida

no aquecimento dos fornos. 10

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al do Seixal.

Figura 10 – Em baixo, pequeno vestígio estrutural do forno 3 da olaria do Rouxinol, cujo “negativo” foi posteriormente utilizado para despejo de materiais rejeitados.

das Almoínhas (BRAZUNA e COELHO, 2012). Quase em paralelo, em 2005, na construção da auto-estrada A10, surgiram fornos cerâmicos de cronologia romana em dois locais próximos da ribeira Grande da Pipa: na Quinta de Santo António, Carregado, Alenquer (SA - BROSA et al., 2012), e na Quinta da Granja, Cachoeiras, Vila Franca de Xira (SABROSA et al., 2012). No curso da mesma ribeira, mas já em Arruda dos Vinhos, a A10 afectou ainda um forno de interpretação menos se - gura, o “Forno da Pipa” (PINTO, 2012), e terá des truí - do outro a curta distância, na Quinta das Caldeiras (CNS 22342).

Não é clara a tipologia e função das produções ce - râmicas de todos estes sítios, mas boa parte abasteceria de contentores as unidades locais de transformação de pescado. Essa relação está confirmada arqueome - tricamente para os que, entretanto, foram analisados (Porto dos Cacos, Rouxinol e Garrocheira).

As Olarias Romanas do Estuário do Tejo: Porto dos Cacos (Alcochete) e Quinta do Rouxinol (Seixal)

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Figura 12 – Localização dos sítios de produção oleira mencionados no baixo Tejo e na região estuarina: 1. Porto Sabugueiro (Muge);

2. Herdade da Garrocheira; 3. Monte dos Condes; 4. Fonte da Raposa; 5. Vale da Palha; 6. Ponte de Caparica; 7. Porto dos Cacos; 8. Olho da Telha;

9. Quinta do Rouxinol; 10. Almoinhas; 11-12. Forno da Pipa e Quinta das Caldeiras; 13. Quinta da Granja; 14. Quinta de Santo António.

Trata-se, contudo, de uma realidade parcelar, a en ri - quecer pelo desenvolvimento da investigação e pela incorporação de novos achados. O programa de ca- racterização de pastas cerâmicas por activação neu - trónica mostrou isso mesmo, ao identificar a assinatura geoquímica de pelo menos um local de produção ainda desconhecido ou não estudado (ver adiante, ponto 3.2).

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0 15 km Map a: supor te Google Maps.

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3. Produções anfóricas do Tejo 3.1. Morfologia e cronologia As produções anfóricas do vale do Tejo incluem as formas Dressel 14, Lusitana 3, Almagro 51c, Almagro 50, Keay 16 e Lusitana 9, para além de outras morfologias menos repre - sentativas e ainda insuficientemen - te estudadas.

Circunscrevendo a análise à região estuarina, a olaria do Porto dos Ca - cos é a única que se integra clara- mente numa fase inicial de produção intensiva, começada ainda na primei - ra metade do século I d.C. com a for - ma Dressel 14, à qual se veio juntar, já no século II, a forma Lusitana 3. As duas terão continuidade até ao fi nal desse século ou às primeiras dé cadas do século III.

O Porto dos Cacos mantém-se activo numa segunda fase, que se desen- volve a partir dessa transição dos séculos II-III d.C., onde transformações de natureza diversa (social, política, económica…) induzem o surgimento de novas formas de contentores – – Almagro 51c, Almagro 50 e Keay

16 –, que perdurarão pelo menos até meados do sé - culo V. Nesta fase, está também operativa a olaria da Quinta do Rouxinol, e em ambas se junta às três for - mas mencionadas uma quarta, a Lusitana 9, produzi - da desde meados do século IV.

No geral, são contentores destinados a envasar pre- parados piscícolas, mas há indícios que também dão crédito à hipótese de um conteúdo vínico para as for - mas Lusitana 3 e Lusitana 9.

Para além da atenção dedicada a todas estas produ - ções pela abundante bibliografia antes mencionada nos ca pítulos dedicados aos arqueossítios (ponto 2), a análise de talhada das mesmas está hoje disponível no catálogo de ânforas disponibilizado online pelo pro jecto Amphorae ex Hispania (http://amphorae.icac. cat/amphorae), que reúne o contributo de vários in- vestigadores portugueses e espanhóis. Aí se encontram

RAPOSO, J. M. C.

Figura 13 – Síntese das principais produções anfóricas detectadas nas olarias do Tejo (Porto dos Cacos e Quinta do Rouxinol): Dressel 14 (1 e 2. Porto dos Cacos); Lusitana 3 (3. Porto dos Cacos); Almagro 51c (4. Quinta do Rouxinol; 5 e 6. Porto dos Cacos);

Almagro 50 (7. Porto dos Cacos; 9. Quinta do Rouxinol); Keay 16 (8. Quinta do Rouxinol); Lusitana 9 (10 e 12. Porto dos Cacos; 11. Quinta do Rouxinol) (segundo RAPOSO,

SABROSA e DUARTE, 1995: Est. IV).

fichas detalha das das formas Dressel 14 (RAPOSO e VIEGAS, 2013), Lusitana 3 (QUARESMA e RAPOSO, 2014), Almagro 51c (VIEGAS, RAPOSO e PINTO, 2014), Almagro 50 / Keay 16 (ALMEIDA e RAPOSO, 2014a e 2014b) e Lu si tana 9 (RAPOSO e QUARESMA, 2014).

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3.2. Arqueometria

A caracterização das produções cerâmicas do Tejo por observação directa, ou mesmo por métodos pe- trográficos, enfrenta dificuldades para distinguir as olarias locais, ou mesmo estas das do Sado, uma vez que todas usam matérias-primas provenientes de duas bacias sedimentares de matriz geológica muito similar.

Deve-se a António Vasconcelos Pinto Coelho e João Luís Cardoso o primeiro trabalho especificamente de - dicado à análise macro e microscópica das pastas de ânforas produzidas em fornos cerâmicos do Tejo e do Sado, num estudo que incidiu exclusivamente sobre fragmentos da forma Dressel 14 (COELHO e CARDOSO, 1990: 271).

Esse estudo foi largamente desenvolvido por Anne Schmitt, que, no contexto de um trabalho colectivo com François Mayet e Carlos Tavares da Silva, iden ti - ficou dois grandes grupos petrográficos regionais: 1) Sado jusante / Tejo, que inclui as olarias próximas da cidade de Setúbal e a Herdade do Pinheiro, no Sa - do, bem como as do Tejo (Porto dos Cacos e Rouxinol), sendo as duas zonas impossíveis de diferenciar por es ta metodologia; 2) Sado montante, que agrupa pro - duções das olarias da Enchurrasqueira / Xarroqueira, de Abúl, do Bugio e da Barrosinha (MAYET, SCHMITT e SILVA, 1996: 163). Segundo a mesma autora, as ca- racterísticas petrográficas do grupo que engloba o Te jo são a presença de elementos-não-plásticos de quartzo, feldspato e micas (IDEM: ibidem), mas é im- possível separar as produções das olarias do Porto dos Cacos e da Quinta do Rouxinol por métodos pe- trográficos (IDEM: 156). De qualquer modo, as cerâ - mi cas do primeiro desses sítios são descritas como homogéneas, resultando da mistura de argilas não- -calcárias e areia de granulometria média, numa pas - ta de cor laranja-clara com inclusões numerosas e gros seiras: quartzo, feldspatos alcalinos e plagióclases, mi cas e fragmentos de rochas graníticas, acompanha - das pontualmente de anfíbolas (IDEM: 152). Quanto à Quinta do Rouxinol, o estudo evidenciou “diferenças notáveis” entre as pastas das formas Almagro 50 e Al magro 51c, ainda que, no geral, todas sejam finas, não-calcárias, de cor alaranjada, com maior ou menor quantidade de inclusões arenosas grosseiras: quartzo, feldspatos (predominantemente alcalinos) e fragmentos

de rochas graníticas, com a presença pontual de mi - cas claras (IDEM: 154).

A caracterização mais detalhada dos fabricos cerâmicos da olaria da Quinta do Rouxinol foi entretanto rea - lizada no âmbito do estudo das cerâmicas comuns de produção local (SANTOS, 2011), e está sistematiza - da em RAPOSO, SANTOS e ANTUNES (2016: 22-23). No essencial, para as produções anfóricas está re gis - tado um grupo petrográfico largamente maioritá rio, de matriz não-calcária, onde as pastas apresentam tex tura grosseira ou média e a superfície é tratada por alisamento e, mais raramente, pela aplicação de uma aguada espessa e esbranquiçada. Um segundo grupo petrográfico, claramente minoritário, regista a inclusão de argilas cauliníticas na preparação da ma - triz cerâmica.

No sentido de ultrapassar as mencionadas limitações da análise petrográfica, João M. Peixoto Cabral deu início, na década de 1990, a um programa de carac- terização química das pastas cerâmicas de ânforas me - diante Análise por Activação com Neutrões térmicos (AAN / NAA - Neutron Activation Analysis), se gun do metodologia que então apresentou (CABRAL, 1990). O estudo incidiu essencialmente sobre as olarias do Tejo e, quanto ao Porto dos Cacos, provou ser pos sí - vel diferenciar e caracterizar grupos químicos associa - dos a formas de ânforas produzidas nesta olaria, no caso Dressel 14, Almagro 51c e Lusitana 3 (CABRAL, GOUVEIA e MORGADO, 1996). Contudo, a posterior comparação destes dados com os que resultam de amostras da Quinta do Rouxinol não foi totalmente esclarecedora quanto à possibilidade de diferenciar pe ças produzidas nas duas olarias por método geo- químico (CABRAL, GOUVEIA e MORGADO, 1993-1994; CABRAL, FONSECA e GOUVEIA, 2002). No mesmo con texto, ensaiou-se uma primeira abordagem às pro - duções do Sado, através da olaria do Pinheiro (CA - BRAL, FONSECA e GOUVEIA, 2000).

A partir de 2000, esta linha de investigação foi con - tinuada por uma equipa coordenada por Maria Isabel Dias e Maria Isabel Prudêncio. Alargou-se substan- cialmente a amostragem da Quinta do Rouxinol, de- senvolveu-se a comparação com o Sado e com ou - tras regiões produtoras e introduziram-se na análise materiais de centros consumidores como, por exemplo,

as unidades de salga da Rua dos Correeiros, em Lis - boa (DIAS et al., 2001; DIAS, PRUDÊNCIO e ROCHA, 2003; PRUDÊNCIO et al., 2003; DIAS et al., 2010 e 2012; DIAS e PRUDÊNCIO, 2016). Os resultados permitiram diferenciar as produções cerâmicas das várias olarias e estabelecer as respectivas composições geoquímicas, identificando até grupos composicionais sem cor- respondência nas olarias já conhecidas, o que aponta para realidades arqueológicas entretanto desapareci - das ou ainda por revelar ou estudar.

4. Arqueologia experimental

Desde o início, a abordagem metodológica à prepara - ção de uma exposição temporária sobre a olaria da Quinta do Rouxinol para o Museu Nacional de Arque o - logia ( já mencionada na síntese histórica do pon to 1), procurou integrar a produção museológica no processo de documentação, inves-

tigação e valorização do arqueossítio, de modo a induzir avanços na sua in terpretação técnica e operatória que perduras- sem para além da efe - merida de do evento ex- positivo.

Nes se contexto, assumiu particular relevância a di- gitalização de um dos for - nos com recurso a tecno - logia laser 3D e fotogra- metria digital incorpora - da, sob a responsabilida - de técnica da empresa Arte scan (http://www. artescan.net). Esse regis -

to rigoroso da estrutura conservada esteve depois na base do estudo que permitiu criar um modelo 3D que materializa uma proposta de restituição integral do forno e do seu modo de funcionamento. Os re- sultados da modelação 3D foram incorporados na re - ferida exposição e apresentados em eventos na cio - nais e internacionais (RAPOSO et al., 2009; RAPOSO e OLIVEIRA, 2010).

RAPOSO, J. M. C.

Figuras 14 e 15 – Em cima, imagem da digitalização in situ do forno 2 da

olaria do Rouxinol.

Em baixo, primeiros ensaios de modelação digital da câmara de combustão e da estrutura de suporte da grelha.

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Naturalmente, o modelo tridimensional do forno foi desenvolvido em interacção multidisciplinar com a equipa de Arqueologia 6, que consolidou o fundamento

da solução arquitectónica e funcional na investigação arqueológica do sítio, na análise comparativa de fon - tes nacionais e internacionais relevantes para este ti - po de contextos oleiros, e na aplicação do que co- nhecemos sobre as técnicas construtivas romanas. Nas fontes internacionais de referência, foi considera - da a tipologia de fornos cerâmicos romanos apresenta - da e posteriormente actualizada por Ninina CUOMO DI CAPRIO (1972 e 2007), tal como o artigo que a mes - ma autora dedicou à península itálica no n.º 9-10 da Acta Praehistorica et Archaeologica, editada na Ale - manha, que incluiu ainda outros contributos importan - tes, como, por exemplo, os de Geoffrey Bryant para a Britânia, e de Pascal Duhamel para a Gália (VON MÜL - LER, KUTSCHER e WAETZOLDT, 1979).

Para a realidade hispânica, Jaume COLL CONESA (2005) sistematizou igualmente uma proposta tipológica e voltou ao tema na monografia Cerámicas Hispanor- romanas, editada por ocasião do XXVI congresso da associação Rei Cretariae Romanae Fautores (COLL CO - NESA, 2008), onde também merece leitura a apro- ximação ao ambiente funcional das olarias ela- borada por José Juan DÍAZ RODRÍGUEZ (2008).

Anos antes, a realização do congresso internacional Figlinae Baeticae.Talleres alfareros y producciones ce - rámicas en la Bética romana (ss. II a.C. - VII d.C.), em Cádis, havia também propiciado a edição de dois vo - lumes de actas coordenados por Darío BERNAL CA- SASOLA e Lázaro LAGÓSTENA BARRIOS (2004), des- tacando-se no primeiro deles várias sínteses sobre as olarias e as produções cerâmicas de diferentes regiões ibéricas.

Contudo, face à realidade parcelar que caracteriza a maioria dos arqueossítios, onde as estruturas nos che - gam já incompletas e/ou parcialmente arruinadas, muitas destas abordagens centram-se essencialmente no que subsiste, isto é, na planta da câmara de com- bustão e na arquitectura de suporte da grelha que a separa da câmara de cozedura. Esta última raramente está presente, o que coloca problemas à interpretação técnica e tecnológica dos fornos, como bem notou COLL CONESA (2008: 116-117).

As Olarias Romanas do Estuário do Tejo: Porto dos Cacos (Alcochete) e Quinta do Rouxinol (Seixal)

Figura 16 – Modelo 3D com proposta de restituição integral do forno 2 da olaria do Rouxinol.

6A investigação e programação museológica de todo este projecto foi assegurada por Jorge Raposo, Carlos Fabião e João Pedro Almeida, com o apoio pontual de outros elementos das equipas técnicas dos museus envolvidos (Ecomuseu Municipal do Seixal e Museu Nacional de Arqueologia).

Desenho 3D: Ar

O problema ganhava acui- dade no caso do Rouxinol, onde se pretendia precisa- mente “recuperar” a arqui- tectura integral e o modo de funcionamento de uma das estruturas de combustão da olaria.

Para esse atingir esse objec - tivo, revelou-se de grande utilidade a bibliografia bri- tânica, nomeadamente a de Vivien G. SWAN (1984), pois a autora elaborou uma ti- pologia de fornos romanos que integra a superestrutura da câmara de combustão. E ao fazê-lo destacou um as - pecto que nos pareceu par- ticularmente adequado ao fabrico de peças de grandes dimensões, como as ânforas, por exemplo: a existência de câmaras de combustão aber-

tas no topo, sendo essa zona encerrada a cada for - nada pela sobreposição de fragmentos de cerâmica de cozeduras anteriores (ver Fig. 17) 7.

A pertinência desta solução arquitectónica e funcio - nal foi também sugerida por outra linha de inves - tigação, de natureza arquivística e documental, nomeadamente no banco de imagens em mo- vimento da RTP - Rádio e Televisão de Portugal. Aí se conservam programas e documentários das décadas de 1960 a 1980, preciosos para o registo do funcionamento de olarias das zonas de Montemor-o-Velho, Mafra, Lisboa e Viana do Alentejo, por exemplo (RAPOSO, 2009) 8.

RAPOSO, J. M. C.

7Em data posterior à elaboração deste texto, tomei conheci- mento de outras propostas de restituição seme lhantes à definida para a Quinta do Rouxinol, nomeadamente no ateliê de Chapeau Rouge, em Vaise, Lyon (França) (DESBAT et al., 2001). A informa- ção ajuda a consolidar a solução adoptada no Seixal.

8Um desses documentários, de 1986, tem agora acesso livre na colecção “O Homem e o Trabalho”, em boa hora disponibiliza - da no arquivo online da RTP (ver “O Oleiro”, em https://arquivos. rtp.pt/colecoes/o-homem-e-o-trabalho).

Figura 17 – Tipologia de fornos apresentada por Vivien G. SWAN (1984).

Da vila alentejana destaca-se um dos programas da série Presença do Passado, gravado em 1973 na ola - ria que então funcionava no interior do arruinado Con vento de Jesus. A narração e o diálogo com o olei - ro são da responsabilidade do arqueólogo Fernando Russell Cortez (1913-1994), que dedicou a parte fi - nal da sua vida à Antropologia e ao registo etnográfi - co. As imagens mostram-nos o quotidiano da olaria e atestam um caso muito interessante de forno a le - nha com câmara de cozedura de acesso lateral e aberta no topo, onde cada fornada é coberta apenas pelos cacos de peças partidas em ocasiões anterio - res (Figs. 18 e 19) 9.

A exploração de pontes com o passado recente e o presente da olaria tradicional portuguesa materiali- zou-se também em várias sessões de trabalho de campo que estimularam o diálogo directo com actuais e antigos oleiros das povoações do Sobreiro e da Achada, na zona de Mafra 10. Partilharam-se

me mórias, experiências, histórias de vida, e discutiu- -se um saber técnico valiosíssimo e indispensável pa - ra incorporar na investigação uma base de conhecimen - to empírico não despicienda, desde que acautelado o risco da sua transposição acrítica para contextos culturais e temporais muito diferentes.

O modelo concebido e modelado em suporte digi - tal 3D integra e relaciona a investigação multidiscipli - nar acima sumariada. Constitui uma proposta in- terpretativa do forno 2 da Olaria Romana da Quin ta do Rou xinol e teve a sua primeira ma- terialização física num exemplar construído à escala 1:1, projectado como elemento museo - gráfico central da exposição exibida no Museu Nacional de Arqueo logia no período 2009- -2013, já mencionada.

Em 2010, um segundo exemplar 11, também

na escala real e aqui com plenas condições de funcionamento, foi instalado no próprio sítio ar queológico (sem intrusão), tendo sido testado no ateliê de Arqueologia experimental associado ao seminário internacional de que resultou a presente edição.

As Olarias Romanas do Estuário do Tejo: Porto dos Cacos (Alcochete) e Quinta do Rouxinol (Seixal)

9A propósito desta técnica, é muito interessante também o exemplo entretanto disponibilizado online pela Sardegna Digital Library (http://www.sardegnadigitallibrary.it/index.php?xsl= 2436&id=191011), que apresenta o documentário Artigiani della creta, gravado em 1954 na região de Oristano (Sardenha, Itália). Mostra toda a cadeia operatória da olaria, da recolha e trata- mento da argila à distribuição das produções, incluindo a utili- zação de um forno a lenha de câmara de combustão aberta no topo, o que prova ser esta uma solução tecnológica eficaz e lar- gamente difundida.

10O trabalho de campo foi realizado em Janeiro de 2008, e inci- diu sobre as olarias de Álvaro Silvestre Gomes, de Araújo e Duarte, de António Batalha e de Hernâni Tomás.

11Tal como o primeiro, construído pelos mestres Amândio Santos e Nuno Santos (Sobreiro, Mafra).

Figuras 18 e 19 – Dois fotogramas de programa gravado na olaria do Convento de Jesus, em Viana do Alentejo, no ano de 1973 (Arquivo RTP), que fixam um aspecto geral do forno na fase de aquecimento e um pormenor do topo da câmara

de combustão, encerrado com a simples sobreposição de fragmentos cerâmicos. 18 19 Fot ografias: Ar quiv o R T P.

A fornada então cozida 12incluiu 28 ânforas e 150

ta ças/tigelas que replicaram as produções da olaria, com base nos originais recolhidos em contexto es- tratigráfico 13. No conjunto anfórico contaram-se oi -

to peças da forma Lusitana 9, sete Almagro 51c e outras tantas Almagro 50, a que se juntaram seis Keay 16. O enfornamento ocupou dois dos oleiros du rante cerca de 3,5 horas, a que se seguiram perto de 11 horas de aquecimento da estrutura até a tem-

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