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O quinto aprendizado extraído do ato de observar: a dificuldade de ensinar a classe toda.

TEMAS QUE SERÃO ABORDADOS

2. Minha experiência como estudante-pesquisadora dentro do contexto escolar.

2.7 O quinto aprendizado extraído do ato de observar: a dificuldade de ensinar a classe toda.

Continuando a explicitar minhas impressões obtidas acerca do meu estágio de observação, o quinto aprendizado extraído por mim é acerca da dificuldade de se ensinar a turma toda. Ao que pude notar que a sala de aula em que estagiei possuía alunos dos mais variados níveis de aprendizagem. Nas discussões que tínhamos na universidade a respeito dessa diversidade de níveis de aprendizagem em uma sala de aula, eu sempre defendi a naturalidade dessa singularidade, pois cada indivíduo tem um tempo próprio de absorção de conhecimento, e que ao invés de reprimir é papel do professor respeitar e adaptar a sua aula de acordo com as necessidades de tempo de aprendizagem de cada aluno. Mas observando tal diferenciação, de níveis de aprendizagem na prática, conclui que o problema é bem mais difícil de resolver do que parece. A professora da sala que estagiei se esforçava muito para

conseguir adaptar o conteúdo às necessidades de cada criança, mas o desgaste dela nessas atividades era extremo e o resultado ficava bem longe do esperado por ela. De fato pior que se desdobrar para adaptar o conteúdo às necessidades específicas de cada aluno é aplicar uma mesma tarefa de determinada dificuldade a todos os alunos, pois se a tarefa é difícil para alguns, é simples demais para outros. Os que conseguem resolver rapidamente a tarefa exigem atenção em outra tarefa na qual eles encontraram dificuldade, mas o professor está tentando ensinar a primeira tarefa àqueles que ainda não compreenderam. Os que concluíram a tarefa se irritam por não ter a atenção do professor e começam a alterar seu comportamento na sala de aula. Isso gera a irritabilidade do professor, que se desgasta tentando dar atenção a todos ao mesmo tempo. No caso da sala em que observei, a proposta era que a monitora saísse com os alunos que não necessitavam das aulas de reforço enquanto a professora direcionava a aula para a temática do reforço com os que dele necessitavam. O tempo era de aproximadamente cinquenta minutos e, na maioria das vezes, os demais alunos permaneciam na sala, devido ao fato da monitora nem sempre ter tempo disponível para ficar com eles. Assim, a professora tinha que trabalhar com duas atividades ao mesmo tempo: uma para os alunos do reforço e outra para os demais. Notei diversas vezes o desgaste que esse tipo de prática trazia a ela. Segue o registro do meu relatório de estágio de observação onde aponto minhas impressões acerca do na sala de aula.

REE1 – Dezembro de 2007.

Por mais que a [nome da professora] se empenhasse, a proposta de reforço escolar era, a meu ver, uma grande piada. Os alunos já alfabetizados saíam da sala, juntamente com a inspetora de alunos, enquanto a [nome da professora] aplicava atividades específicas de alfabetização. O tempo era de cinquenta minutos. O dia reservado para o reforço era a segunda-feira. Para que o reforço acontecesse, era necessário que a inspetora estive com o tempo livre para olhar os demais. Mas isso era raro de acontecer. Assim, ou a [nome da professora] adiava a atividade, ou tentava conciliá-la com a atividade que ela aplicaria aos demais alunos. Isso causa um desgaste imenso no professor, que precisa coordenar duas atividades ao mesmo tempo. Dar atenção a todos e, principalmente aos que ainda não estão alfabetizados.

Em casos como esse, pensei na possibilidade de promover uma ação a partir de um projeto de reforço extracurricular, fora do horário de aulas e pedir a colaboração dos alunos que conseguem acompanhar, que desempenham as tarefas sem dificuldade, convidando-os a participar do reforço como colaboradores. Pois talvez, nesse contexto, eles contribuam muito, porque o papel deles não é mais o de aluno que terminou a atividade e quer ter atenção e sim de um ajudante da professora, de alguém que está ali para ensinar. Essa ajuda mútua entre os alunos, de projeto como uma possível solução para o problema do reforço escolar é o que

Area (2007) chama de tutoria. Segundo a autora, o trabalho de tutoria é um trabalho desenvolvido em duplas de alunos que “favorece a mediação entre os alunos” (AREA, 2007, p.46). Ela levanta ainda a importância da cumplicidade nesta relação, que somente acontece quando um aluno aceita ajuda do coleguinha que se dispõe a ajudá-lo.

A tutoria exercida por um colega consiste em ações que variam desde orientações pedagógicas específicas até apoios em situações práticas na rotina da escola. Para ser um tutor de outra criança, o aluno precisa ter empatia, afetividade, sociabilidade, responsabilidade e capacidade de aceitação, pois um dos objetivos principais dessa função é o de auxiliar nas relações interpessoais, cabendo ao professor ajudar as crianças a adquirirem estas capacidades, caso não as tenha. O tutor procurará ajudar o colega a superar as dificuldades e propiciar sua integração em sala de aula. A troca será recíproca, pois cada criança sempre terá algo para aprender, assim como algo para ensinar. Cabe ao professor facilitar atividades diferenciadas para que estas trocas aconteçam (AREA, 2007, p. 47).

Vejo na idéia de tutoria uma possibilidade de integrar todos os alunos em uma mesma atividade, que no caso seria a atividade de reforço. Se assim realizada, a tutoria permite, aos alunos que já sabem o conteúdo do exercício proposto, atuarem em sala de aula como colaboradores da professora e parceiros de seus coleguinhas de classe.

Esta é apenas uma idéia que pretendo experimentar em minha futura docência, pois ainda partilho da opinião que cada um tem seu tempo de aprendizagem, desse modo colocar todos os alunos que não acompanham o tempo de aprendizagem imposto pela escola em seu calendário oficial em uma sala sozinhos, e dizer a eles que necessitam de reforço, é, em minha opinião, bastante desmotivador. Talvez, criar situações de interação entre os que acompanham com aqueles que vivem outro tempo de aprendizagem, em um contexto diferente da sala de aula, talvez em parques, praças, com passeios. Preocupou-me observar como a escola foi constituída para homogeneizar o conhecimento, a meu ver, de maneira excludente e intolerante. Penso que estamos em tempos onde o discurso da inclusão e da diversidade está presente em todos os âmbitos sociais, inclusive na escola, com isso me pergunto se é possível falar em diversidade, multiculturalismo e inclusão nos moldes em que a escola atual está inserida? Será que os caminhos que estão sendo trilhados são os caminhos certos? Estes questionamentos fez-me lembrar de um conselho que certa vez ganhei de um amigo.

Ele me disse que em sua experiência de vida ele havia constatado que tudo que está complicado é porque está errado. Ele me contou que as coisas certas são simples de se fazer. Aconselhou-me a lembrar sempre disso em minhas experiências e não insistir em algo que está demasiado difícil de fazer. Parar, refletir e encontrar uma maneira mais simples de se

fazer, pois era na simplicidade que eu encontraria a forma correta de fazer algo. Pensei que talvez pareça tão difícil ensinar a classe toda, por tentar trilhar caminhos complexos, enquanto a solução talvez seja mais simples. Eu, por exemplo, depois dessa experiência, passei a enxergar a educação de uma maneira menos ingênua, eu deixei de acreditar que irei ensinar a todos de maneira uniforme. A educação é para mim um ato de partilha; sendo assim, cada um pega para si a parte que lhe completa e, portanto, cada parte tem um tamanho. Enxergo no sistema escolar dos dias de hoje, uma estrutura que não respeita a diversidade e o tempo de aprendizado de cada aluno, e obriga a todos a receberem o mesmo pedaço de conhecimento, e “engolirem-no” no mesmo espaço de tempo.