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Quinto encontro literário: revisitando as sucatas e conhecendo o menino que ganhou um rio

3 METODOLOGIA DA PESQUISA: FORMAÇÃO

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS ENCONTROS LITERÁRIOS

4.5 Quinto encontro literário: revisitando as sucatas e conhecendo o menino que ganhou um rio

O nosso quinto encontro literário começou pela organização da roda de leitura e a saudação dos alunos. Tivemos uma frequência de dezessete aprendizes. Tínhamos como objetivo principal ler e discutir o poema “O menino que ganhou um rio”, depois os aprendizes correlacionariam os brinquedos produzidos com sucatas à ação da mãe que presenteou o menino com um rio; criar previsões sobre por que se ganha um rio, e pensar sobre a metáfora do rio.

Inicialmente, perguntamos aos aprendizes se eles tinham gostado da atividade de criar e de fazer brinquedos com as sucatas para presentear os amigos. Leiamos o que eles responderam:

(02) PP: Bom dia meninos! E vocês gostaram de fazer os presentes de sucata para os amigos de vocês?

(03) T: Si:::m.

(04) PP: Foi muito interessante pensar no que a gente poderia fazer com o objeto que a gente não quer mais.

(09) Humberto: Eu fiz logo no outro dia, depois que a senhora passou a atividade.

(10) PT: Foi no outro dia ele já tinha feito. ((Balança a cabeça para cima e para baixo positivamente com sinal de aprovação)).

O entusiasmo da turma com os brinquedos feitos com as sucatas encontradas em casa foi grande. Sequencialmente, a professora-pesquisadora pediu para que os aprendizes relatassem como criaram seus presentes.

(15) PP: Agora me digam uma coisa: alguém gostaria de relatar como criou seu brinquedo?

(16) Dorinha: Eu, eu, eu. (17) PP: Relate.

(18) Dorinha: Eu precisei de uma caixa de sapato, aí eu peguei a tampa de outra caixa de sapato e fiz isso aqui, também usei palitos e cola branca. Aí, eu tive ajuda para poder ((+)) fazer. Tinha um palito sobrando, eu fiz esse puxador da porta. A gente ía fazer as perninhas, ía usar tampa de vinho. ((Fez um guarda-roupa para boneca)).

(19) PP: E quem ajudou a fazer seu brinquedo? (20) Dorinha: Foi meu pai.

(21) Dorinha: Eu queria fazer um sofazinho, que meu pai me ensinou, só que no geral não deu muito certo. Aí, isso aqui, finalmente, deu certo.

(22) PP: Que legal!

(23) PP: E o seu Humberto, como é que você fez o brinquedo?

(24) Humberto: Eu tirei as rodas de outro carrinho, peguei essa garrafa pet. Meu pai furou a garrafa com a faca quente, colocamos esses canudos aqui para segurar as rodas e fiz.

(25) PP: E você conseguiu descobrir algum brinquedo ou brincadeira que seu pai brincava antigamente?

(26) Humberto: Ele brincava com esse tipo de carrinho e de rolimã. Fazia móveis tipo esse daqui ((aponta para o brinquedo feito pela aluna Dorinha)).

Essa atividade de apreciação dos modos de fazer os brinquedos gerou muito entusiasmo, as crianças se interessaram pelos brinquedos uma das outras e compartilharam as aprendizagens tecidas com seus familiares.

Após essa troca de experiência inicial, chamamos a atenção dos sujeitos aprendizes para fazermos a leitura do poema “O menino que ganhou um rio”.

Começamos o andaime pelas perguntas de pré-leitura, em que as previsões para o que ocorreria no mundo textual foram levantadas a partir do signo léxico do título.

(98) PP: O poema que a gente vai ler hoje, de Manoel de Barros, se chama “O menino que ganhou um rio”.

(99) PP: Qual história vai contar esse poema?

(100) Dorinha: É a história de um menino que ganhou um rio. (101) PP: E como é que se ganha um rio?

(102) Anjinho: Ele tava procurando, aí achou. (103) PP: E por que será que ele ganhou um rio?

(104) Dorinha: Porque ele tinha ::: que pescar palavras.

(109) Xaveco: Eu acho que ele ficou preso em uma ilha e considerou o rio dele.

(111) Xaveco: Ele chamou a ilha de lares da música, ou lar das palavras. (112) PP: Hum!

(113) PP: E vocês gostariam de ganhar um rio de presente só para vocês? (114) Hiro: Eu gostaria para tomar banho no lago.

(115) Marina: Eu vou achar pepitas de ouro no rio.

(116) PP: Olha ela quer achar pepitas de ouro no rio, não é? (117) PP: Esse rio é bem precioso.

(119) Dorinha: Vamos ler.

As respostas dos aprendizes seguiram um contínuo semântico e criativo na criação das hipóteses. Os sujeitos aprendizes elaboraram segundo Pound (2013, p. 48), fanopeia, “[...] a projeção de imagens visuais sobre a mente [...]”, do que poderia ser feito no rio: pescar palavras, tomar banho, encontrar pepitas de ouro. Observamos neste momento, que os sujeitos aprendizes encararam um personagem projetando fabulações que poderiam ter vivido caso estivessem no mundo textual. Vale destacar que a linguagem poética foi a grande responsável por despertar uma experiência vivida imaginativamente pelos sujeitos aprendizes, em resposta ao texto literário. Após o momento das previsões textuais, seguimos com a leitura do texto.

O menino que ganhou um rio Minha mãe me deu um rio.

Era dia de meu aniversário e ela não sabia o que me presentear.

Fazia tempo que os mascates não passavam naquele lugar esquecido.

Se o mascate passasse a minha mãe compraria rapadura

Ou bolachinhas para me dar.

Mas como não passara o mascate, minha mãe me deu um rio.

Era o mesmo rio que passava atrás de casa. Eu estimei o presente mais do que fosse uma rapadura do mascate.

Meu irmão ficou magoado porque ele gostava do rio igual aos outros.

A mãe prometeu que no aniversário do meu irmão

Ela iria dar uma árvore para ele. Uma que fosse coberta de pássaros.

Eu bem ouvi a promessa que a mãe fizera ao meu irmão

E achei legal.

Os pássaros ficavam durante o dia nas margens do meu rio

E de noite eles iriam dormir na árvore do meu irmão.

Meu irmão me provocava assim: a minha árvore deu lindas flores em setembro.

E o seu rio não dá flores!

Eu respondia que a árvore dele não dava piraputanga.

os banhos no rio entre pássaros. Nesse ponto nossa vida era um afago!

(BARROS, 2008, p.157)

Após a leitura, no momento da discussão, houve um questionamento semântico dos sujeitos aprendizes sobre o sentido da palavra afago e mascates:

(123) PP: O que vocês acharam dessa leitura? (124) Pipa: Legal.

(125) PP: Tem alguma palavra que vocês deixaram de compreender? (126) Maria Cebolinha: O afago.

(127) PP: Afago é carinho.

(128) Aninha: E o que é mascates?

(129) PP: Mascates são vendedores que passam de lugarejo em lugarejo vendendo coisas. Hoje não tem mais essa figura do mascate, do viajante vendendo.

(130) Aninha: Ah!

(131) PP: Porque tem as lojas, tem o comércio.

(132) Aninha: Professora, mas ainda tem alguns vendedores que vende nas portas.

(133) PP: É se pensarmos bem têm, mas não encontramos muito. Até certo ponto, ainda, podemos dizer que existe a figura do mascate.

Observamos que o léxico nas narrativas de Manoel de Barros chama bastante atenção dos sujeitos aprendizes, pois apresenta palavras das quais eles ainda não dominam o sentido, ou apresentam-se, muitas vezes, em desuso. O que é muito bom, afinal, quando falamos sobre a leitura literária em sala de aula, além da mobilização dos sentimentos e do raciocínio lógico, também se espera que nossos aprendizes ganhem conhecimento vocabular para aprenderem a ler cada vez mais e melhor.

Ressaltamos, mediante os saberes adquiridos na trajetória dos encontros literários, a importância da provisão pelo mediador de um vocabulário inicial para a compreensão eficiente do texto poético, mesmo que não tenhamos dado ênfase a

esse procedimento do andaime, sugerimos ser esse um fundamento importante na leitura de textos de natureza poética, ou outros textos que imponham desafios semânticos para os aprendizes.

Dando prosseguimento à discussão, perguntamos se algo no conteúdo do texto tinha causado nos aprendizes algum estranhamento:

(136) PP: E o conteúdo do poema causou algum estranhamento? Vocês acharam alguma coisa estranha no conteúdo do poema?

(137) Quinzinho: Tipo assim eu pensei, juntando a árvore com a água não dá certo, aí eu pensei se fosse com a areia daria uma ilha.

(138) PP: Certo, então, você acha que a árvore não combinou muito como presente?

(139) A: Eu achei porque um rio ninguém ganha. (140) PP: Por que não?

(141) Rosinha: Porque uma árvore já tem pelo menos como a gente cuidar, um rio já não tem como. O rio não vai ter como fazer nada.

(142) Rosinha: Eu pensei assim, um exemplo, que uma árvore pode morrer mais rápido, mas um rio dura para sempre.

(143) Humberto: Um rio pode secar, Rosinha.

(144) Dorinha: Eu achei também muito estranho porque os irmãos não dividiram o seu presente. E também são bem diferentes da gente, porque a gente fez o presente para dividir.

Apesar da compreensão global do texto pelas crianças ser voltada para a referencialidade, elas demonstram uma compreensão da complexidade do poema quanto à transitoriedade e mobilidade do rio, e o enraizamento e permanência da árvore. As crianças também exploraram a fanopeia ao tentarem montar uma cena para o poema e a logopeia ao se preocuparem com o sentido lógico da cena projetada pelas palavras: “Tipo assim eu pensei, juntando a árvore com a água não

dá certo, aí eu pensei se fosse com a areia daria uma ilha”. (Quinzinho – dados

137).

Existe, ainda, um dado da intervenção que demonstra que a recepção estética da criança se deu pela não aceitação do caráter ficcional, temos: “Eu achei [estranho] porque um rio ninguém ganha”. (Rosinha − dado 139, grifo nosso). Para

Rosinha a ação de ganhar é material e referencial, ela não alcançou, naquele momento um sentido metafórico para a palavra. No meio dessas vozes surge uma voz indagadora “Eu achei também muito estranho porque os irmãos não dividiam o

seu presente. E são bem diferentes da gente porque a gente faz o presente para dividir”. (Dorinha – dado 144). O dado mostra a existência de uma divergência entre

a compreensão do poema pela criança e a ideia de partilha presente no texto: “Os pássaros ficavam durante o dia nas margens do meu rio/ E de noite eles iriam dormir na árvore do meu irmão/ [...] mas o que nos unia eram/ os banhos de rio entre pássaros”. (BARROS, 2008, p. 157).

Apesar dos sujeitos aprendizes, nesse encontro literário, não terem feito grandes avanços na compreensão da metáfora, eles criaram previsões para o texto, indagaram-no e ampliaram o vocabulário, mobilizando assim o pensamento. Depois da etapa de discussão, seguimos com a troca dos presentes feitos de sucatas, momento de muita alegria e integração entre os participantes da pesquisa.