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Entre os Quisera…

No documento Monarquia e República (páginas 74-77)

II – rEPÚBLICa

3. Entre os Quisera…

Henriques Nogueira empresta a sua voz a um movimento europeu de resgate dos povos tiranizados através de uma obra a que procurou imprimir a raciona- lidade sem hipotecar o entusiasmo sincero.

Nos seus conhecidos e vibrantes quisera, o publicista português começa em maiúsculas pela REPÚBLICA e encerra pelo “Quisera, por último que Portugal, como povo pequeno e oprimido, mas cônscio e zeloso da sua dignidade, procurasse na FEDERAÇÂO com os outros povos peninsulares a força, a importância, e a verdadeira independência que lhe faltam na sua tão escarnecida nacionalidade”

Provavelmente o espírito dos quisera estaria presente no breve encontro de Paris com o veneziano Manin.

Entre esse quisera assume significativa importância, precisamente, o desejo de que os interesses da localidade fossem atendidos primeiro do que tudo. Pretendia- se que o território se dividisse, para todos os efeitos, em grandes e bem regidos municípios e que as aldeias obtivessem os melhoramentos indispensáveis ao bem comum dos moradores. Quanto ao modelo associativo aplicado ao município, Henriques Nogueira, para além da invocação de Herculano, parte do princípio de que “o concelho não satisfazia os grandes fins para que era destinado” devendo ser, antes, um “elo da cadeia social que, por um lado, prende ao governo e por outro ao lugar”28. Mais do que uma defesa histórica da afirmação local ou um contributo para o que era, e viria a ser, a sucessiva panóplia de projectos de reforma administrativa29 verifica-se no convicto municipalista um projecto estruturante e funcional do próprio Estado. A confiança na essência regeneradora das unidades locais justificam a epígrafe que retirou da obra La Democratie en Amerique, de Alexis de Tocqueville: ”A instituição municipal parece ter saído directamente das mãos de Deus”30.

Todavia, na óptica nogueiriana, o radicalismo anti-centralizador também poderia pecar por excesso. Na verdade, as pequenas povoações, fundadas em apertadas circunstâncias, sem possibilidade de ulterior desenvolvimento, ganhariam muito em unir-se a outras, em vez de “conservarem uma existência independente, vã, fidalga que lhe não proporciona as necessárias comodidades”31.

Não cabe no âmbito deste estudo referir mais do que alguns elementos que nos ajudem a compreender o essencial do projecto municipalista de Nogueira32 que se encontra, obviamente, correlacionado com a sua ideia de República. Bastará recolher a lição de que o município nasceu no nosso país pela influência das tradições romanas, se desenvolveu “pelo instituto de liberdade dos nossos maiores, definhou pela acção compressora do absolutismo” parecendo-lhe que “no período que decorre da nossa era revolucionária, de 1820 até ao presente,

28 Idem, p.140.

29 Cfr. Paulo Ferreira da Cunha, Prelúdio histórico ao problema do centralismo em Portugal, in Teoria do Estado Contem-

porâneo, Lisboa, Verbo, 2003, pp. 153-177.

30 O.C., II, p.15.

31 Idem, p.18.

32 Cfr. Vitor Neto, As ideias políticas e sociais de José Felix Henriques Nogueira, Torres Vedras, Câmara Municipal, 2005,

os destinos do município passaram por diversas fases, mas infelizmente a sua sorte não melhorou” 33

Como já verificámos, o município novo, na concepção nogueiriana, não é entendido enquanto intocável manutenção das unidades históricas. Sob o signo da associação, nada impede que o município, para ser económica e funcionalmente viável, tenha que encontrar condições para deter uma suficiente autonomia. Ao município vigente, formalmente autárquico mas, efectivamente, dependente da vontade do poder central, deveria suceder o município independente, grande e rico. No fundo, coincidindo nesse ponto com Alexandre Herculano, havia falta de um arquétipo a que procurou dar resposta, quer numa perspectiva compa- rada com outros municípios, quer através de proposta organizativa que veio a desenvolver.

O quisera de fecho da sua apresentação da obra é a federação, concretiza- vel, de modo mais imediato, através de uma solução ibérica34, respeitadora das identidades nacionais próprias dos diversos Estados que constituem a península. Fundamentando-se num princípio natural originário da família (federação de indivíduos) congregada no lugar como federação de famílias, por vínculos de parentesco, vizinhança e indústria vem a resultar que o município seja federação de lugares, o povo federação de municípios, a nação federação de povos de tal modo que a humanidade deveria ser, por fim, uma federação de nações “que se entendessem, aproximassem e amassem, no próprio desiderandum evangélico de

omnes unum sint”35, para que todos se tornem um só indivíduo. Mesmo que não haja alusão expressa a um modelo concreto nesta concatenação o entusiasmo federativo está associado, inegavelmente, ao ciclo revolucionário de 48 e aos movimentos de independência nacional que os acompanharam como se depre- ende de afirmações como esta:

33 O. C., II, p. 66.

34 Particularmente significativa, a este propósito, é a empática referência que Nogueira vem a fazer da La Iberia-Memoria

de las ventajas de la unión de Portugal y España, de Sinibaldo de Más y Sanz (1809-1868), obra urdida em Macau e publicada em Lisboa em 1851. Cfr. Maria da Conceição Meireles Pereira, Sinibaldo de Más: el diplomático español partidario del iberismo, in Anuario de Derecho Internacional, Pamplona, Universidade de Navarra, XVII (2001), págs. 351-370; Idem, Sinibaldo de Más. A difusão da Ibéria em Portugal e do Iberismo no Oriente (http://repositorioaberto. up.pt/bitstream/10216/20282/2/revpopsoc82002mcmeireles000084763.pdf). Em 1853, na recensão empática, datada de Paris, da mais recente edição da tradução portuguesa realizada por Latino Coelho (Memória em que se provam as vantagens políticas, económicas e sociais da união das duas monarquias peninsulares em uma só nação) de onde retira extensa citação, o iberista português ainda não sabia, muito provavelmente, quem era o autor. A identificação autoral, de facto, só viria a aparecer na 3.ª edição, em 1855.Ver O C., I, pp. 260-263.

“Não é só pelo que respeita à nossa Península que julgamos a federação altamente necessária, mas para todos os outros povos da Europa, que tendem a agrupar-se em nacionalidades robustas. É ou parece-nos ser este o caminho que provavelmente tem de seguir, em seu laborioso movimento de regeneração, os povos italianos, alemães, eslavos e magiares”36 .

No documento Monarquia e República (páginas 74-77)