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4.3 DESCRIÇÃO E COMENTÁRIOS SOBRE AS COMPLICAÇÕES DO CANINO INCLUSO

4.3.3 QUISTO DENTÍGERO DO CANINO INCLUSO

Por tudo que ficou dito, no decorrer do nosso estudo, sobre o quisto associado ao canino incluso e pelos resultados que encontramos, queremos reforçar a importância e gravidade desta complicação. Assim, recordaremos os mecanismos biopatológicos que originam o seu aparecimento, com breve revisão do desenvolvimento normal da erupção dentária e as características clínicas, radiográficas e histológicas das lesões quísticas associadas aos dentes inclusos.

Mecanismos biopatológicos envolvidos no desenvolvimento de quistos em dentes inclusos

Após se ter formado a coroa dentária, o epitélio reduzido do esmalte encontra-se constituído por uma camada interna de células cuboidais ou colunares, e uma camada externa de células poliédricas.

A camada interna tem origem nos ameloblastos e encontra-se normalmente inactiva. Durante o processo de erupção as suas células, por razões mecânicas, adoptam uma posição progressivamente mais inclinada em relação à superfície do dente, adquirindo características escamosas.

A camada externa deriva das outras camadas do órgão do esmalte, podendo as suas células dispôr-se em mais do que uma camada. Durante a fusão com o epitélio da mucosa oral, que ocorre se houver erupção, esta camada exibe uma actividade mitótica considerável.

Se o dente não consegue erupcionar, a camada interna vai ficando progressivamente mais escamosa, e a aderência do epitélio reduzido do esmalte à superfície dentária vai-se tornando mais fraca.

O dente incluso comprime o folículo, provocando a obstrução das veias foliculares. Desenvolve-se em consequência um transudado, cuja pressão hidrostática vai promover a separação entre o folículo e a coroa com ou sem interposição do epitélio reduzido do esmalte. Posteriormente há um aumento da permeabilidade dos vasos, e o extravasamento que ocorre assume as características de um exsudado.

A análise da composição proteica do fluido dos quistos dentígeros, suporta a ideia de que este se forma como um exsudado inflamatório: o conteúdo de proteína solúvel, a razão albumina/globulina e a percentagem de albumina são semelhantes às do soro. A análise dos níveis de imunoglobulinas nestes quistos, em que o infiltrado inflamatório da parede é geralmente escasso, também os revelam semelhantes aos do soro. No entanto os nívies de IgA estão ligeiramente aumentados.

Estes resultados sugerem que o fluido dos quistos dentígeros resulta de um exsudado dos vasos da cápsula, o que é ligeiramente modificado pela síntese local de imunoglobulinas pelos plasmócitos presentes no infiltrado inflamatório.

Além de proteínas, o fluido quístico pode conter colestrol, células inflamatórias (que embora mais frequentes nos quistos inflamatórios, também podem ocorrer nos quistos dentígeros), células epetiliais (mais frequentes nos queratoquistos) e bactérias.

Dependendo da composição do conteúdo quístico, este pode apresentar uma consis- tência muito variável, umas vezes apresentando-se sob a forma de um líquido amarelo transparente, outras vezes assumindo a forma de uma massa semi-sólida de aspecto "queijoso". A análise do conteúdo quístico, em determinadas situações, pode revelar-se importan- te. São disso exemplo os casos de lesão radiolucente associada à coroa de um canino incluso, em que o diagnóstico clínico é por vezes difícil (há que fazer o diagnóstico diferencial entre quisto dentígero, queratoquisto e ameloblastoma, lesões a que faremos referência mais adiante).

A análise do conteúdo quístico faz suspeitar de queratoquisto, quando a concentração de proteína é inferior a 4g/100ml, 70 % das proteínas são albumina ou quando a queratina é aparente.

O crescimento do quisto dentígero é explicado pela expansão secundária á hipertonicidade do seu conteúdo (121122).

Características clínicas, radiográficas e histológicas das lesões quísticas associadas a dentes inclusos

Concentraremos a nossa atenção nos quistos dentígeros, lesão que "elegemos" como a mais relevante pela sua frequência relativa. É no entanto da maior importância conhecer outras entidades que podem ser clínica e radiograficamente indistinguíveis dos quistos dentígeros concretamente os queratoquistos, os ameloblastomas e os carcinomas pavimentosos que, embora muito raramente, podem desenvolver-se no epitélio dos quistos.

Os quistos dentígeros ocorrem geralmente em dentes definitivos e, só excepcional- mente, em dentes temporários. Estas lesões afectam preferencialmente adultos jovens e mais frequentemente os terceiros molares (sobretudo os inferiores). Mais raramente podem envolver os caninos (maxilares e mandibulares), os premolares (maxilares ou mandibulares) e os incisivos (sobretudo os centrais maxilares). Na nossa amostra nenhum dos quistos dentígeros encontrados, estava associado a um dente temporário, e a sua ocorrência é, também mais frequente nos doentes mais jovens (idade média: 21,3 vs. 33,2 anos; p=0,017).

Clinicamente pode haver tumefacção, com ou sem sinal de "bola de pingue-pongue", dor ou deslocamento dentário. A sintomatologia clínica é agravada quando ocorre infecção secundária, eventualmente com formação de abcesso, complicação frequente neste tipo de lesão.

No diagnóstico do quisto utilizamos por rotina as técnicas radiográficas tradicionais, recorremos frequentemente à tomografia computorizada (fig. 4.12) e pontualmente à resso- nância magnética.

Radiograficamente a imagem característica é a de uma lesão radiolucente, geralmente unilocular, rodeando a coroa

de um dente incluso. Nos casos em que a raiz, ou raízes do dente estão completamen- te formadas a sua localiza- ção é extra-quística e o quis- to designa-se como peri- coronário. Se só a coroa se encontra formada ou se da raiz só existe um esboço, o quisto designa-se como folicular. Convém notar que a imagem radiográfica do quisto tanto pode ser simé- trica, em relação à coroa dentária, como assimétrica ou descentrada (particular- mente nos casos em que o quisto é de grandes dimen- sões).

Histologicamente o quisto dentígero não apre- senta nenhuma particulari- dade que permita distingui- -lo de outros quistos odon- togénicos. Possui uma cáp- sula de tecido conjuntivo ri- co em colagénio e um reves- timento de epitélio pavi- mentoso estratificado, não queratinizado. O epitélio tem

Fig. 4.12 (a, b, c, d, e, f, g) — Quisto dentígero do canino maxilar esquer- do, apresentando transmigração, si- tuado no primeiro quadrante.

habitualmente poucas camadas celulares (fig. 4.13). Por vezes observam-se, para além das células pavimentosas, células mucosas e células ciliadas metaplásicas.

Como já referimos não é rara a ocorrência de complicações inflamatórias e infecciosas que tornam o aspecto histológico dos quistos dentígeros totalmente indistinguível do dos quistos radiculares ou periapicais de etiopatogenia inflamatória (fig. 4.14).

Uma outra entidade que como já referimos pode apresentar características clínicas e radiográficas indistinguíveis do quisto dentígero, é o queratoquisto. O diagnóstico desta

Fig. 4.13 — Quisto dentígero de parede conjuntiva e cavidade revestida por epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado.

Fig. 4.14 — Quisto dentígero com abundante infiltrado inflamatório da parede. A exuberante resposta infla- matória torna a lesão indistinguível de um quisto odontogénico de etiopatogenia inflamatória.

entidade só pode ser feito pelo epitélio com camada basal de

Fig. 4.15 — Queratoquisto com revestimento epitelial de caracte- rísticas típicas: camada basal mui- to bem definida e queratinização (paraqueratótica) das células das camadas mais superficiais do re- vestimento.

exame histológico que mostra características muito típicas: células cuboidais muito bem definida e queratinização das camadas superficiais do re- vestimento epitelial (fig. 4.15). A importância de reconhecer e diagnosticar correctamente esta lesão decorre da sua elevada taxa de recidiva, bem como da possibilidade, documenta- da em diversos trabalhos, de poder ser sede de desen- volvimento de neoplasias malignas. É ainda impor- tante referir que, quando múltiplos, os querato- quistos podem traduzir uma doença genética autossómica dominante em cujo contexto se associam a carcinomas basocelulares da pele e a numerosas ano- malias esqueléticas.

Fig. 4.16 — Ameloblastoma constituído por ninhos (folículos) de células ameloblásticas, basal com aspecto típico (células cubóides ou cilíndricas) e retículo estrelado com focos de metaplasia pavimentosa.

Embora raramente, também o ameloblastoma se pode apresentar como um "banal" quisto dentígero. Correspondem geralmente a proliferações de epitélio ameloblástico com origem no próprio epitélio da parede do quisto dentígero (fig. 4.16). São neoplasias com capacidade de invasão local mas que só muito raramente metastizam e que por isso são considerados como tumores odontogénicos benignos.

O tratamento de qualquer lesão com as características clínicas e radiográficas de quisto dentígero a que recorremos, é a exérèse cirúrgica (fig. 4.17). Convém reforçar a importância

Fig. 4.17 — Quisto dentígero do canino maxilar esquerdo. Exames radiográficos (a, b, c, d, e). Técnica cirúrgica (f, g, h, i, j , 1, m).

desta estratégia não só por razões terapêuticas mas também pela necessidade de estabelecer um diagnóstico correcto que implica excluir a possibilidade de se tratar de um queratoquisto ou de um ameloblastoma. Qualquer um destes diagnósticos obriga a que se proceda a um adequado "follow-up" dos doentes, quando não a uma reintervenção cirúrgica para enucleação

completa das lesões. Cabe recordar que embora muito raramente, o exame histológico pode revelar ainda um carcinoma pavimentoso com todas as consequências para o tratamento ulterior do doente que esse diagnóstico implica.

No nosso estudo 5,4% dos caninos inclusos tinham um quisto associado. Observaram- se quistos em 13,8% dos caninos mandibulares enquanto no maxilar encontramos quistos em 4,8% dos inclusos (p=0,064). Esta maior incidência de quistos mandibulares está de acordo

com observações anteriores de Bhaskar(66) que encontrou 70% de quistos na mandíbula e 30%

no maxilar. Embora a inclusão do canino maxilar seja mais frequente os quistos surgem mais

vezes associados aos caninos mandibulares inclusos (123124125).