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R EPRESENTAÇÕES P ARENTAIS E P RÁTICAS E DUCATIVAS

Ao longo do desenvolvimento da criança, as práticas educativas parentais, além de configurarem o contexto onde a criança irá crescer, influenciam as suas atitudes, modelos e valores futuros, tendo influência na problemática da gaguez. Nesta perspectiva torna-se importante ressaltar o papel dos pais na dinâmica familiar, como detentores de autoridade no âmbito da educação, cuidado e afecto para com os seus filhos.

Segundo Baptista (2000), a maior parte dos trabalhos referentes à educação da criança e aos seus efeitos têm procurado identificar as características pelas quais os pais diferem significativamente uns dos outros, tendo sido consideradas como influentes nas diferenças que se verificam entre as crianças a vários níveis. Os comportamentos e estilos parentais variam e influenciam, de forma diversificada o desenvolvimento de determinadas características das crianças e adolescentes, bem como o seu desenvolvimento social, cognitivo, emocional, filiação no grupo de pares e desempenho académico, podendo actuar como factor de protecção, mas também como factor de risco.

Johnson (1967), salienta como a causa da gaguez com a hereditariedade, mas os pais que gaguejavam ou que já tivessem gaguejado, que estariam assim atentos a todos e quaisquer sinais de gaguez nos filhos, tentando evitá-la de maneira inadequada e precipitando assim o seu desenvolvimento; a gaguez decorreria assim de práticas educativas, ou seja, de comportamentos aprendidos, muitas vezes causados por pressões ambientais.

A literatura sobre o tema permite identificar dimensões na interacção de pais e filhos, como as práticas e estilos parentais, sendo estes aspectos considerados como variáveis

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importantes dentro de um contexto familiar (Darling e Steinberg, 1993, citado por Costa, 2011).

Segundo Torres (2008), sabe-se hoje que certos pais, por vezes sem terem consciência, reforçam os comportamentos problemáticos dos filhos, quer por excessiva atenção parental, quer pela crescente intervenção de comentários desagradáveis. O tipo de competências parentais desempenhadas pelos progenitores, surgem como um dos aspectos importantes no processo de desenvolvimento da criança. Certas características consideradas como positivas na relação pais-filho (apoio, carinho, protecção, autonomia, baixo nível de punição, regras claras e consistentes, certo grau de controlo e comunicação), parecem proteger as crianças de determinados comportamentos inadaptados. Outros factores como o estatuto conjugal dos pais e a relação entre a criança e cada um dos seus progenitores, bem como o ambiente emocional vivenciado pelos pais, podem influenciar o desenvolvimento de competências na criança. Separações, divórcios, conflitos com impacto directo, nas atitudes dos pais ou algumas alterações indirectas que advêm do mal-estar emocional, social e psicológico, interferem nas suas competências de parentalidade e influenciam o modo como os progenitores exercem as suas funções parentais, podendo advir consequências psicológicas, no sentido de prejudicar o processo de desenvolvimento da criança.

Ao analisarmos os dados obtidos através do Questionário de Ligação Parental (QLP-A), que privilegia três dimensões essenciais à harmonia familiar, sendo elas o “Carinho”, a

“Autonomia” e a “Protecção”, tentámos perceber quais as práticas educativas parentais para

as crianças participantes neste estudo, tendo verificado a não existência de diferenças significativas entre o pai e a mãe nas pontuações globais destas dimensões; no entanto, observaram-se diferenças, nalguns itens no sentido das crianças identificarem a figura materna como a mais carinhosa e protectora e a figura paterna como promotora de autonomia. Constatou-se também que, quer para a figura materna, quer para a figura paterna, obtiveram- se resultados mais elevados na dimensão “Carinho” (associada a comportamentos de afecto, empatia e proximidade). Belsky e Isabella (1998), Gulone e King (1993), referidos por Torres (2008), salientam que, as práticas parentais educativas carinhosas e estimulantes de autonomia, proporcionam aos filhos ajustamento emocional e aquisição de competências, contribuindo assim para um desenvolvimento harmonioso. A dimensão “Autonomia” (que sugere promoção de independência) aparece mais associada à figura paterna, sendo como refere Torres (2008), importante favorecê-la, no sentido da criança ou o jovem aprenderem através da sua própria acção, estimulando-se assim a imaginação e incentivando-se a criança a

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ter uma boa imagem de si própria. Sampaio (1994) e Fleming (1993), que se dedicam ao estudo de dinâmicas relacionais, consideram que o desenvolvimento e crescimento no processo de autonomização, se relacionam com o equilíbrio entre o controlo excessivo e uma liberdade próxima do abandono; entre estes dois pólos, encontra-se um estilo parental que tem como suporte ou alicerce fundamental a comunicação, o ouvir e o ser ouvido, o estar disponível e atento sem invadir o espaço e privacidade do outro, factores também eles muito importantes para a gaguez. Torna-se então necessário que exista flexibilidade ao nível dos papéis familiares, fomentando-se a negociação das regras de funcionamento, procurando-se uma solução conjunta entre os vários elementos, para cada dificuldade ou problema que surja. De acordo com o estudo realizado por Costa (2011) a dimensão da autonomia aparece mais identificada com a figura do pai. No nosso estudo, dado verificarem-se alguns casos de famílias reconstruídas, ou seja, construídas pela mãe e pelo padrasto com quem a criança convive mais tempo (comparativamente ao pai), poderá este facto também contribuir para um aumento de autonomia em relação à figura paterna. No entanto, na dimensão “Protecção”, (que inclui indicações de controlo, super protecção, intrusão, contacto excessivo, infantilização e prevenção do comportamento independente) as crianças destacam claramente o item “protege-me excessivamente” para ambas as figuras parentais.

Será importante salientar, neste contexto que algumas destas crianças, se encontram na pré-adolescência, o que pressupõe uma maior aproximação aos pares e afastamento dos pais, podendo ter alguma influência na representação que estas têm das figuras parentais. Segundo Cavaco (2010, citado por Simões, 2011), a chegada da adolescência envolve uma mudança acentuada nas relações familiares, verificando-se que, o adolescente parece ter duas tarefas completamente contraditórias, a necessidade de afirmação, da sua autonomia e independência perante os seus pais e por outro lado, a necessidade de manter a ligação com eles, de modo a

sentir-se seguro para poder ir em frente. Para Monteiro e Santos (1998, citado por Carvalho,

2011) a amizade assume nesta fase uma nova dimensão, sendo muito investida ao nível dos afectos; os grupos começam a ter um papel central na socialização dos pré-adolescentes, oferecendo-lhes a possibilidade de desenvolverem novas relações consigo próprios e com os outros. Contudo, segundo Rodrigues (2001, citado por Carvalho, 2011), essa desvinculação não implica uma ruptura afectiva ou mesmo ideológica com os pais, pois o pré-adolescente continua a necessitar de ter figuras adultas significativas na sua vida. Os dois grupos (pares e família) são

complementares e indispensáveis para um desenvolvimento equilibrado. Consideramos assim

que apesar de algumas destas crianças estarem na idade da pré-adolescência, têm uma noção muito consciente e realista da representação e papéis de ambas as figuras parentais.

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