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CAPÍTULO 4 LIVRO DIDÁTICO E REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADE

4.4 RAÇA

As questões que me preocupo nessa pesquisa condizem com as representações de identidades sociais de raça no livro didático de espanhol, logo, é fundamental esclarecer as significações dos conceitos que trabalho, como raça e identidade social de raça. A princípio evidencio a concepção que me valho do termo raça, que tem sentido seu constituído sócio-historicamente.

Segundo Munanga (2004), o termo veio do latim ratio que significa sorte, categoria ou espécie. Conforme o autor, “raça tem seu campo semântico espacial e temporal. No latim passou a designar a descendência, a linhagem. Grupo de pessoas que têm ancestrais e características físicas em comum.” (MUNANGA, 2004, p. 17).

O grande problema da classificação da humanidade em raças consiste na hierarquização que se fez nesse sistema, pois os conceitos e classificações são importantes para operacionalizar o pensamento humano. É nessa perspectiva que a ideia de raças teria servido, no entanto, esses conceitos caminharam para um sistema de hierarquização que fortaleceu o racialismo, (Munanga, 2004). Pois

Se os naturalistas do século XVIII-XIX tivessem limitado seus trabalhos somente à classificação dos grupos humanos em função das características físicas, eles não teriam certamente causado nenhum problema à humanidade. Suas classificações teriam sido mantidas ou rejeitadas como sempre aconteceu na história do conhecimento científico. Infelizmente, desde o início, eles se deram o direito de hierarquizar, isto é, de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças. E o fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais. Assim os indivíduos da raça “branca” foram decretados coletivamente superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), as formas dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que, segundo pensavam, os tornavam mais

bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos etc. e, consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra, a mais escura de todas, considerada, por isso, como a mais estúpida, a mais emocional, menos honesta, menos inteligente e, portanto, a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação (MUNANGA, 2004, p. 21-22).

Tal classificação da humanidade em raças hierarquizadas resultou no desenvolvimento da teoria pseudocientífica denominada raciologia. Essa de cunho mais doutrinário que científico, já que “seu discurso serviu mais para justificar e legitimar sistemas de dominação racial do que como explicação da variabilidade humana.” (MUNANGA, 2004, p.22), segundo o mesmo autor, se desenvolveu ao longo do século XX, passou das esferas intelectuais atingindo a sociedade em geral, com foco nas populações ocidentais dominantes. Essa teoria foi retomada nas frentes nacionalistas, como o nazismo, justificando as barbáries contra a humanidade na Segunda Guerra Mundial.

Portanto, atualmente, usamos o conceito de raça a partir do seu sentido social, que conforme Guimarães (2002) esclarece, podemos perceber a validade desse termo hoje,

Primeiro, não há raças biológicas, ou seja, na espécie humana nada que possa ser classificado a partir de critérios científicos e corresponda ao que comumente chamamos de raça tem existência real; segundo, o que chamamos de “raça” tem existência nominal, efetiva e eficaz apenas no mundo social e, portanto, somente no mundo social pode ter realidade plena” (GUIMARÃES, 2002, p. 50)

O que se entende por raça atualmente é a construção social “forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII”. (BRASIL, 2004, p. 5). O termo foi ressignificado pelo Movimento Negro, que frequentemente utiliza-o com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos africanos, conforme o Parecer CNE 03/2004, p 5.

O Movimento Negro por sua vez se refere à

luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social, e cultural. Para o movimento negro, a “raça”, e, por conseguinte, a identidade racial, é utilizada não somente como

elemento de mobilização, mas também de mediação das reivindicações políticas. (DOMINGUES, p.101, 2007)

As lutas do Movimento Negro por direitos iguais são historicamente intensas, pois após a abolição da escravatura, no Brasil República, o sistema político não assegurou os direitos da população negra, mas marginalizou-a, conforme Domingues (2007). O autor ainda destaca que é comum a ideia de que o movimento negro organizado começa apenas em 1930, através da Frente Negra Brasileira, e é retomado décadas seguintes com o Movimento Negro Unificado, porém haviam articulações de grupos negros em outros momentos. Por meio de diversas modalidades de protestos e mobilizações o movimento dialoga com a sociedade e com o Estado, dentro de sua pauta consta principalmente a igualdade social e a eliminação do racismo.

Dado o exposto acima, denota-se que a significação de raça pelo Movimento Negro e por sociólogos nada tem a ver com o sentido utilizado em séculos passados, não o utilizam com base em raças superiores e inferiores, conforme Gomes (2012) destaca, e muito pelo contrário, usam-no a partir de uma nova interpretação do termo, baseada na dimensão social e política do mesmo. Além disso, a utilização do termo raça acontece porque a discriminação racial e o racismo que existem na sociedade brasileira não derivam apenas de aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, no entanto, também por causa da relação que se faz entre esses aspectos e os aspectos físicos dos pertencentes à mesma (GOMES, 2012).

Concordo com Gomes (2012) que quanto mais a sociedade, escola e poder público negar a existência do racismo, mais ele se propaga, invade as mentalidades, subjetividades e condições sociais dos negros. O mito da democracia racial no Brasil trava e impede o processo de mudanças necessárias para percorrermos o caminho da igualdade racial.

Dado o exposto deixo claro o uso que faço do termo raça para desenvolver esta pesquisa, para falar sobre negros e negras e suas representações nas páginas dos livros didático, num sentido político, social, cultural.

A preocupação nesta pesquisa consiste em perceber a forma que são representadas as identidades sociais de raça em livros didáticos, de espanhol especificamente. Isso porque considero que as identidades sociais não são inatas

(VAN DIJK, 2003), elas são constituídas desde muito cedo, se transformam ao longo da vida através do discurso e de outras formas de interação.

Portanto, perceber quais são as possibilidades de representação de negros e negras que o livro didático constrói em seus discursos, é uma maneira de atentar para as ideologias que estão constituídas e naturalizadas em nossa sociedade. É uma maneira de refletir criticamente sobre essas construções sociais do outro a fim de desmistificá-las e torná-las mais justas, mais condizentes com as realidades das diversas identidades sociais possíveis.