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Relato concedido em 15/06/2012 na colocação Primavera, Resex Chico Mendes, Município de Xapuri/AC. 43 anos era a idade do colaborador no momento da entrevista. Meu nome é Raimundo. Eu vivo aqui sozinho com dois filhos. Um tem 10 anos e a outra 13 anos. Todo tempo cortei seringa. Desde os 14 anos eu corto. Aprendi com meu pai. Ele faleceu e eu fiquei com esse lugar. Até hoje eu vivo aqui, na colocação Primavera.

Acordo quatro horas da manhã para fazer um rango antes de ir cortar seringa. Depois de comer vou para a estrada cortar, e só volto meio dia. Não volto para colher o leite da seringueira no mesmo dia não. Só volto quando a borracha está coalhada na tigela, coalha na mata mesmo. Aí eu junto a seringa coalhada e vendo para o velho Manoel ali na frente

(Manoel mora em uma colocação próxima). Não vendo o leite para a fábrica de Xapuri não. Mas essa borracha coalhada no mato é barata, não é como a da fábrica. Essa daqui é R$ 4,00 o quilo. O leite vendido para a fábrica é R$ 7,80. Eu não vendo para a fábrica porque eles não têm baldes. É muito ruim, falta balde demais aqui. A fábrica não fornece, e o gerente não vai buscar. Aí o cara fica enrolado aqui. Porque quem corta seringa não pode ficar parado nenhum dia, porque precisa.

Além da seringa tenho roçado. Eu planto arroz, planto roça de macaxeira, planto feijão, banana, cana, abacaxi, tudo eu planto aqui. Depois que corto a seringa vou para o roçado. Pego duas horas no roçado e só largo as cinco, todos os dias. Se não o cara não dá conta do serviço, né? A produção é só para o consumo, pois não dá para vender. Eu sou sozinho aqui com esses meninos e não dou conta de vender. Não paro em casa, só trabalhando na seringa e no roçado, e não dou conta de fazer muito legume para vender. Não posso parar e ficar aqui para vender. E eles (filhos) também não ficam, pois passam o dia todo na aula. Saem sete da manhã e chegam só duas da tarde.

Figura 31 - Seringueiro Raimundo Nonato Correia Dias Foto: Carlos Estevão Ferreira Castelo/2012

Figura 32 - Vista do roçado da colocação de Raimundo Nonato Correia Dias Foto: Carlos Estevão Ferreira Castelo/2012

Perguntado sobre a alimentação, respondeu:

Aqui tem caça, mas eu não caço porque não tenho arma. Aqui só me alimento de arroz e farinha. Carne só aqui e acolá, só quando compro na rua. Carne de caça só se eu comprar de outros seringueiros daqui, pois não tenho arma. Eu só paro de trabalhar no domingo. Mesmo assim, no domingo, tenho que pegar no machado para tirar lenha para queimar no fogão. Tiro muita lenha para a semana toda, pois na semana estou cortando seringa e trabalhando no roçado e não dá para pegar no machado. Na semana, antes de sair para trabalhar, tenho que fazer a comida para os meninos.

Em Xapuri só vou aqui e acolá, para fazer compras. Aqui dentro as coisas são muito caras. Pelo menos lá compro uma farinha, pois não mexo aqui com farinha. Planto roça de macaxeira, mas os porquinhos do mato comem tudo. Compro em Xapuri mercadoria em geral. O leite, o açúcar, o café, a manteiga, o pão aqui para a gurizada. Quando estou com dinheiro, é só para comprar isso aí. Então espero o outro mês para ir de novo.

Figura 33 - Vista da cozinha da residência de Raimundo Nonato Correia Dias Foto: Carlos Estevão Ferreira Castelo/2012

Meu dinheiro é só da borracha que vendo para o velho Manoel. E algumas vezes trabalho na diária para outros aqui, mas a diária não tem preço por aqui. É R$ 25,00. (eventualmente vende sua força de trabalho para outros seringueiros, recebendo pelo dia de trabalho). O máximo que faço por mês com a borracha é R$ 300,00. Corto até no inverno, pois vendo a borracha coalhada (coagulada). Também tem castanha. Às vezes eu quebro castanha aqui e acolá, umas 100 latas, quando dá preço eu faço uns R$ 2.000,00 de castanha. Aí dá para fazer um dinheiro. Madeira não corto, o pessoal não deixa. O IBAMA não deixa, pois aqui é reserva, né. Aqui você não vende uma tábua. Aqui ainda não tem manejo. Eles só deixam tirar madeira para a casa, mas desde que não seja tipo aguana. Essa madeira eles não deixam derrubar não (silenciou).

Perguntado se gosta de viver na floresta, respondeu :

Mas eu gosto de viver na floresta mermo, pois nasci e me criei aqui. Nunca me acostumei na rua. Minha mãe mora na rua, mas eu nunca me acostumei. Aqui eu acho bom, se preciso de uma caça do mato, vou lá e busco, planto um legume, uma roça. Lá na rua é tudo comprado. Mas como não tenho arma não estou caçando. Na mata eu só vi onça e cobra. Outras coisas esquisitas não. Assombração, por exemplo, eu nunca vi. Eu não acredito nisso não (risos), eu não tenho medo.

Também não tiro outros produtos da mata não (referia-se ao açaí, etc.). Aqui não tem venda para isso. Nem remédio eu tiro da mata. Quando alguém adoece aqui vou para a rua procurar um médico. Aqui não tem posto de saúde. Só na rua mesmo. Aqui tem que correr para a cidade. Eu passei dois meses agora na rua. Tomei uma injeção e travou uma perna,

passei dois meses na rua. Eu passei baixo por dias. Mas aqui tem muito febre. Só tem febre, uma gripe. É o que acontece por aqui. Não tem outro tipo não.

Perguntado sobre os filhos.

Meus filhos não estão aprendendo a cortar seringa não, estão muito pequenos. Mas eu penso em ensinar.

Filha interrompe da porta: “eu não quero não”.

Mas meu filho de 10 anos vai cortar, eu vou ensinar. Ela (filha de 13 anos) não quer aprender não, ela quer é estudar direto. Eu penso que eles devem estudar para o futuro para frente. Você sabia que eu tenho uma filha sabida? Ela é sabida mermo. Ela mora em Rio Branco com a mãe. Ela mora lá. Ela tem 15 anos. Ela tá estudando lá. Depois que ela saiu daqui nunca mais veio aqui não. Ela mora por lá (silenciou emocionado).

Perguntado se frequenta alguma igreja, respondeu:

Eu não sou crente, mas eles fazem cultos aqui na minha casa direto. Todos os meses eles fazem. Eles aconselham muito para mim entrar na igreja, mas eu quero ficar assim mesmo, como estou. Silenciou novamente.

E sobre as dificuldades?

Uma grande dificuldade que temos aqui é que não tem um carro de feira. Se tivesse, a gente poderia enviar o que plantamos aqui para vender em Xapuri. A Prefeitura não manda para cá o carro da feira, só manda para o assentamento Tupá (um projeto de Assentamento Agrícola localizado próximo a Reserva Extrativista). Acho que é o INCRA que manda. Eles vão pegar lá a produção. Aqui não tem. Se não consumir a produção ela vai estragar. Que nem uma vez que eu perdi o arroz. Não tem transporte para levar para a rua vender. Não mexem com isso para cá não. E no inverno é ainda pior, pois não passa carro. Daqui são seis horas de pé até Xapuri. Saio cinco horas da manhã e chego uma da tarde, andando mesmo. Faço essa viagem e ainda trago o quiba nas costas (coisas que compra na cidade). Para cá tem muitos que fazem isso. Silenciou.

Perguntado se possuía energia elétrica, respondeu:

Tem energia, mas falta muito. Sempre falta. Tem semana que tem dois dias de luz e fica quatro sem vir. Com a luz melhorou porque o cara não gasta com querosene. Tem a lanterna que o cara carrega a bateria na energia, e quando falta usa a lanterna. Coloca na tomada a lanterna e ela carrega, quando apaga usa a lanterna. Dura uns três dias, aqui todo mundo usa essa lanterna. Eu aqui não tenho geladeira nem televisão, mas muita gente tem por

aqui. Nesse local eu só escuto rádio, direto. A FM lá de Brasiléia que pega bem aqui. Também pega a difusora de Xapuri, pega limpa, limpa, limpa. Pega mermo.

Figura 34 - Vista da cozinha da residência de Raimundo Nonato Correia Dias Foto: Carlos Estevão Ferreira Castelo/2012

E os vizinhos?

Tenho uma vizinhança danada aqui, que me ajuda às vezes, outras vezes não. Passei dois meses doente e ninguém me deu uma ajuda aqui. Perdi um roçado inteiro de arroz. Adoeci quando tomei uma injeção de benzetacil para acabar com uns tumores que tive. Aí travou tudo. A mulher lá de Xapuri aplicou errado. Eu passei vinte e oito dias sem andar. Depois só me arrastando mermo. Só agora que estou quase bom. E nesse tempo tive que ir vendendo alguma coisinha que tinha para sobreviver. Aqui não crio boi porque eles não deixam. E também eu sou sozinho e não dá para mexer com isso não. Meu menino está muito pequeno. Eles dizem que aqui é o centro da comunidade e não pode criar boi. Mas muita gente tem por aí.

Perguntado se estudou, respondeu ?

Não tive como estudar porque no meu tempo não tinha esse negócio de escola no seringal não. Meu pai era meio carrasco e eu tinha que trabalhar mesmo. Estou com 43 anos e nunca estudei. O negócio do meu pai era colocar todos nós para cortar seringa. Aqui eu

cheguei com oito anos. A colocação era do meu pai e a casa foi minha mãe que mandou construir. Fiz o Crédito Habitação (programa da Caixa Econômica Federal e do INCRA que concede crédito para moradores da reserva construírem casas), mais o meu não chegou ainda não. Quero fazer uma casa melhor do que essa. Eu estou saindo agora para vender essa borracha, acho que vai dar uns 100 contos.

Figura 35 - Vista do jirau da cozinha de Raimundo Nonato Correia Dias Foto: Carlos Estevão Ferreira Castelo/2012