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Fonte: Fotos da autora.

Observe que existe uma porta no final da rampa e que ela está fechada; perguntei se essa era uma prática recorrente ou estava fechada porque estive na escola em dia não letivo. A resposta foi que alguns alunos da escola, majoritariamente com Síndrome de Down e/ou deficiência intelectual, às vezes, gostam de dar uma “escapadinha” das aulas e que a decisão de manter a porta fechada ajuda a controlar essas situações, com maior segurança para todos.

Em relação ao PNBE, a E1 recebeu acervos nos anos de 2012, 2013 e 2014, totalizando 84 objetos, como podemos observar no quadro a seguir.

Quadro 13 – Resumo da Tabela de Consulta de distribuição PNBE E1

Ano Objetos Total Quantidade Tipo

2012 4

1 Projeto Trilhas – Escolas Planilhas 03 Escolas – Tipo 3 – anos iniciais*

* Acervos compostos por 25 títulos.

2013 43

35 Periódicos – Categorias 01 – escolas urbanas 06 Periódicos – Categorias 03 – escolas urbanas 02 PNBE do Professor E.F – Anos Iniciais (escolas)

35 PNBE 2014 – Periódicos – Categoria Urbana

Total 84

Fonte: Elaborado pela autora.

Objeto é o termo utilizado pelo FNDE para indicar o material adquirido nas Tabelas de Consulta de Distribuição, disponibilizadas online,51 e pode significar um título ou mais de um, quando, por exemplo, se refere a um acervo, caixa ou coleção. Isso significa dizer que receber 84 objetos pode ser um número bem maior de volumes/títulos recebidos por escola.

Vale dizer que nenhum dos acervos recebidos pela E1 foi disponibilizado em formato acessível, na perspectiva desta pesquisa. Outro destaque é da ordem da localização dos acervos do PNBE na biblioteca da escola (que está desativada no momento); consegui localizar os periódicos porque estava com a lista deles em mãos, uma vez que, ao comentar com as profissionais que trabalham na escola, nenhuma conseguiu lembrar de alguma revista (título) que existia na biblioteca e que tinha como origem o PNBE. Parece que a identificação dos títulos do Programa não é algo de conhecimento geral (mesmo que os exemplares sejam identificados pela logomarca do PNBE). Ainda assim, não encontrei as coleções completas.

Não sou bibliotecária, mas,ao longo das visitas às quatro escolas, o que pude observar é que:

1º) nenhuma das profissionais lotadas nas bibliotecas das escolas pesquisadas é formada em Biblioteconomia e apenas B3 disse ter participado de

uma capacitação – em nível de extensão – que tinha como foco a biblioteca. Ou seja, as profissionais que estão locadas nesses espaços poucas vezes têm capacitação específica para a organização e catalogação dos acervos e para o trabalho na biblioteca. E isso tem efeitos.

A Lei n. 12.244, de 24 de maio de 2010, dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País e define em seu art. 3º que os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares seja efetivada, num prazo máximo de dez

anos, respeitada a profissão de Bibliotecário, disciplinada pelas Leis n. 4.084, de 30

de junho de 1962, e n. 9.674, de 25 de junho de 1998. (BRASIL, 2010, grifo meu). Estamos quase finalizando esses 10 anos (o prazo encerra em 25 de junho de 2020),

mas pouquíssimos concursos para a contratação de bibliotecários para as escolas no Brasil foram e/ou estão sendo realizados, o que significa que – dificilmente – a lei será cumprida.

Ainda nessa direção, a Lei n. 12.244, é complementar à Lei n. 4.084, de 30 de junho de 1962, que, em seu art. 2º, define o exercício da função de Bibliotecário em qualquer um de seus ramos. De acordo com o dispositivo legal, o exercício da função de bibliotecário só será permitido aos bacharéis em Biblioteconomia, portadores de diplomas expedidos por escolas de Biblioteconomia de nível superior, oficiais, equiparadas, ou oficialmente reconhecidas, aos bibliotecários (formados em instituições estrangeiras), que tiverem seus diplomas revalidados no Brasil,e não será permitido aos diplomados por escolas ou cursos feitos por correspondência, intensivos, de férias, etc. (Parágrafo único, art. 2º).

O que isso significa no contexto desta viagem/pesquisa, quando um dos grupos de passageiras entrevistadas é formado por profissionais que estão atuando na biblioteca escolar (em desvio de função), mas que não têm formação para isso? Veja, problematizo tal situação por entender que, dentre as competências gerais e específicas dos Bacharéis em Biblioteconomia (profissionais formados para o exercício), de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia estão: elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos; utilizar racionalmente os recursos disponíveis; desenvolver e utilizar novas tecnologias; e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos e comunidades nas respectivas áreas de atuação, entre outras ações (Parecer CNE/CES 492/2001, p. 32). Bem como: interagir e agregar valor nos processos de geração, transferência e uso da informação, em todo e qualquer ambiente; e processar a informação registrada em diferentes tipos de suporte, mediante a aplicação de conhecimentos teóricos e práticos de coleta, processamento, armazenamento e difusão da informação.

Mas como exigir isso das passageiras entrevistadas se, no geral, essas profissionais estão em desvio de função, deslocadas da sala de aula para a biblioteca e não têm formação para o exercício da função de bibliotecárias? Como esperar resultados na perspectiva da formação de leitores literários, se cada acervo tem uma organização diferenciada, que obedece a critérios mais intuitivos do que técnicos?

Isso dificulta, entre outras questões, a identificação dos títulos pelos seus usuários, até mesmo pelas profissionais que ali estão locadas.

Observei que não foram executadas nas escolas (pelo menos não foram relatadas pelas passageiras) ações, com o objetivo de dar visibilidade aos acervos e/ou capacitar os professores e demais usuários dos espaços. Também ações com o viés da formação de leitores não foram relatadas pelas passageiras que atuam nas bibliotecas – pela legislação, nem poderiam ter sido. O uso das bibliotecas fica, portanto, restrito a atividades semanais e/ou quinzenais de leitura (dependendo da escola e da faixa etária dos alunos), em geral com tempo máximo de 45 minutos; os alunos são convidados a ir à biblioteca escolher livros selecionados pelos professores. Proponho uma analogia em relação a esse tipo de prática: você vai a um restaurante, percebe que existe um cardápio variado – você o está vendo –, mas só pode pedir determinados pratos selecionados (os livros que estão na mesa, por exemplo). Ou seja, você come/lê o que outros querem que você coma/leia e, na maior parte do tempo, nem sabe por quê.

O que quero chamar a atenção aqui diz respeito à intencionalidade da leitura na escola que, na maior parte das vezes, não pergunta aos leitores o que gostariam de ler e tem um fim formativo. E essa é uma prática recorrente que observei nos relatos das passageiras, mas que também experienciei em minha trajetória escolar. Posso dizer que mais de 30 anos, depois da conclusão de minha escolarização na educação básica, pouco ou quase nada mudou, no que diz respeito à formação de leitores na escola. E o mesmo se aplica a formação de professores para o trabalho com os futuros leitores.

Ainda, a partir da analogia do restaurante, atrevo-me a comentar que o mesmo se aplica às políticas públicas para a formação de leitores no Brasil, são ofertados livros selecionados por especialistas que escolhem de um cardápio elaborado para cada restaurante (apenas seguindo na analogia), que traz pratos/livros que correspondem a critérios de um edital de seleção de obras (edital que pode ser chamado de categoria de restaurante – porque cada categoria oferece um tipo específico de prato/título) definido por outros especialistas e, para os quais, os chefs (as editoras) ajustam seus menus. Há aqui uma intencionalidade regida pelo mercado, que interfere no processo e se reflete na oferta e na seleção dos pratos/títulos.

Pergunto: Quando nossos estudantes poderão ler/comer aquilo que gostam? Aquilo que desejam? Quando de fato iremos distinguir a formação de leitores, na

perspectiva da alfabetização e do letramento, da perspectiva da formação literária, da leitura por prazer, na perspectiva estética? Quando o Estado, a escola, os gestores e as políticas públicas para a formação de leitores irão se preocupar, de fato, com as ações necessárias à formação dos profissionais que ocupam as bibliotecas, com as estratégias para divulgação, distribuição e visibilidade dos acervos disponibilizados pelas políticas públicas? Quando os profissionais das escolas estarão capacitados para o trabalho com esses acervos se, a maior parte deles, sequer sabe que eles existem e/ou que estão disponíveis na escola? Vale dizer que esse desconhecimento náo é culpa deles!

Não posso condenar as passageiras que ocupam as bibliotecas por não se darem conta disso, por não saberem disso, nem é essa minha intenção... Mas, na perspectiva da pesquisa como viagem de balão, que sofre os efeitos do clima e dos ventos, essas DEScobertas podem fornecer indícios que ajudam a problematizar, por exemplo, a INvisibilidade do PNBE e das políticas públicas para a formação de leitores no Brasil. Tais como:

1º) a disposição dos acervos (livros e revistas/periódicos) nas prateleiras e

estantes não favorece a busca por títulos; e

2º) o ambiente das bibliotecas é pouco convidativo/atrativo para os alunos, pouco acolhedor.

O que problematizo não pode ser analisado de forma isolada, porque os dois destaques dizem respeito às competências e habilidades que tocam ao profissional da biblioteca – que deveria ser um Bacharel em Biblioteconomia – mas que, por questões políticas e de DESresponsabilização, principalmente do Estado (que não cobra e não amplia os orçamentos estaduais e municipais para a educação) e dos estados e dos municípios (que não contratam porque não têm verbas para isso), tem sido realizado intuitiva, superficialmente e, de forma provisória (ainda que seja uma prática quase institucionalizada), por professoras em desvio de função, como se pode observar nas escolas locus desta viagem/pesquisa. Será que tal situação reflete a situação das escolas no Brasil todo? Posso arriscar que sim. Fica a provocação: as escolas públicas brasileiras têm em suas bibliotecas profissionais habilitados para o exercício da função de bibliotecário?

Outros desdobramentos ainda são possíveis, por exemplo: Quais profissionais da escola estão sendo deslocados para o trabalho nas bibliotecas escolares e por quê? B2 e B3 nos ajudam a refletir sobre isso: – Eu estou na biblioteca

desde que retornei da minha licença saúde (B2). – Eu trabalho em escola há mais de 20 anos, estou quase me aposentando e alguém tinha que assumir a biblioteca (B3). Parece que o trabalho na biblioteca das escolas tem sido destinado aos professores que estão perto de atingir sua aposentadoria, que estão cansados da prática docente em sala aula, que estão retornando de licença saúde, etc. Terá a biblioteca se tornado a opção nº 2 dos profissionais de educação, que estão adoecendo no processo e cansados de ensinar?

Veja, caro leitor que me acompanha, todas essas questões emergem dos movimentos que fiz ao longo da pesquisa empírica, da viagem em si. Não eram necessariamente o foco, mas passaram a fazer parte do meu Devir Pássaro e permitem, em minha opinião, entender alguns aspectos que envolvem as políticas de formação de leitores literários no Brasil, configurando-se em chaves de leitura, que orientam as análises e as possíveis considerações finais desta viagem, as quais chamo de Novos Mapas de Voo.

Destaco outras questões que podem ser consideradas: Qual é o espaço de uma biblioteca na escola? Qual o seu papel? Qual a sua potência em relação aos alunos e professores, na perspectiva da formação de leitores literários? E, na perspectiva inclusiva? Essas são questões que emergem das visitas e das entrevistas e que me ajudam a refletir também sobre o papel, os impactos e a potência (ou IMpotência) das políticas públicas para a formação de leitores no Brasil, ainda mais quando o foco se dá em relação às obras disponibilizadas em formatos acessíveis. Vale lembrar que, na biblioteca da E1, não localizei nenhum título em formato acessível. E que os títulos do PNBE que encontrei só foram identificados, porque mostrei para as professoras onde estava inserida a logomarca do Programa e as informações sobre ele nas páginas iniciais (paratextos editoriais).

Desacomoda também pensar sobre nossa formação leitora que, muitas vezes, desconsidera as informações pré-textuais que fazem parte das obras e isso ocorre, independentemente, da nossa intencionalidade com os livros. Como esperar que as profissionais das escolas trabalhem com tudo o que um livro oferece, se elas não são formadas para isso e não sabem o que podem explorar?

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