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Capítulo IV Análise comparativa dos provérbios e idiomatismos portugueses e chineses

4.1.1 Rato

indicada recorrendo às letras do alfabeto, a saber: A-Os Idiomatismos e Ditos Alegóricos de Duas Partes relacionados com o Zodíaco Chinês (2011), B-Os Idiomatismos com os Doze Signos Chineses (1994), C-Dicionário Xinhua do Provérbio (2016), D-Dicionário de Classificação dos Provérbios de Uso Comum (2000), E-Grande Dicionário Handa do Idiomatismo (2000), F-Dicionário das Locuções Idiomáticas em Chinês (1990), G-O Livro dos Provérbios Portugueses (2004), H-Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (2000), I-Glossário Português-Chinês de Expressões e Provérbios Portugueses (2015). Assim sendo, identificamos cada provérbio ou idiomatismo mediante indicação da letra do alfabeto e da página da obra de referência. Por último, confrontaremos as convergências e divergências dos provérbios e idiomatismos com os doze animais nos dois contextos culturais, discutindo os motivos a partir de dois aspetos – bases experienciais e características cognitivas, incidindo, desse modo, sobre as convergências e divergências culturais e cognitivas entre os dois acervos linguísticos e culturais.

4.1 Análise cognitiva dos provérbios e idiomatismos chineses

4.1.1 Rato

O rato é caracterizado de forma depreciativa nos provérbios e idiomatismos chineses, sendo que não foram encontrados mapeamentos com significado positivo no nosso repositório.

(1) Domínio-alvo: PESSOA MÁ a. 老鼠过街, 人人喊打 (D, 444)

romanização lǎoshǔ guò jiē, rénrén hǎn dǎ

significado dos termos rato/atravessar/rua, todos/gritar/bater

tradução

Quando um rato atravessa a rua, todos gritam: “Matem-no!”

fazem mal.

Tabela 6: Tradução e interpretação figurativa da expressão 1a

Contextualização:

Esta expressão foi utilizada no discurso proferido por Mao Zedong a 8 de fevereiro de 1942, que advogou o extermínio de dǎng bāgǔ 党八股 (jargão do partido, trad. literal: [estilo de] oito pernas do partido), onde o bāgǔ se referia ao bāgǔwén 八股文 (trad. literal: ensaio de oito pernas), que consistia num ensaio constituído por oito partes exigido nos exames imperiais a partir da dinastia Ming (1368-1644) (Elman 2000, 384), visto por Mao como um estilo apenas formalista e desprovido de conteúdo (CH 2009, 401). Comparou com o bāgǔwén o estilo de escrita vago, superficial, enfadonho, sem objetivo, formalista, irresponsável e danoso existente no partido, que foi o alvo de crítica no seu discurso. Além disso, referiu brevemente que o subjetivismo e o sectarismo, que faziam mal ao partido, eram dois ratos escondidos nos artigos do mesmo estilo de escrita, e para ele, ao se exterminarem os artigos deste estilo, o subjetivismo e o sectarismo tornar-se-iam em ratos que atravessavam ruas, i.e., sem lugar para se esconderem, perseguidos e mortos por todos (Mao 1991, 830- 846).

Com o tempo esta expressão passou a ter uma conotação mais abrangente, utilizada para se referir a coisas ou pessoas más detestadas por todos (B, 5; D, 444; E, 302), sendo que o rato traz doenças e é mau para a saúde humana, consistindo numa praga comum do ser humano (Li e Wang 2014, 9).

Motivação conceptual:

figurações simbólicas processo cognitivo

O rato é concebido como um animal repugnante, principalmente em virtude de viver em esgotos e se alimentar de dejetos, podendo ser prejudicial à

frame/conhecimento do mundo

saúde dos humanos.

PESSOA MÁ DETESTADA POR TODOS É RATO

metáfora conceptual

ATRAVESSAR RUA POR ESTAR EXPOSTO NA VISÃO DAS PESSOAS

metonímia conceptual GRITAR “MATEM-NO” POR MANIFESTAR

DESDÉM

metonímia conceptual Tabela 7: Motivação conceptual da expressão 1a

b. 器鼠难投 (E, 598)

romanização qì shǔ nán tóu

significado dos termos recipiente/rato/difícil/atirar

tradução

É difícil atirar (um pau para atacar) um rato perto de recipiente.

interpretação figurativa

É difícil castigar uma pessoa má sob proteção.

Tabela 8: Tradução e interpretação figurativa da expressão 1b

Contextualização:

A expressão tem origem no Livro da Dinastia Han, no qual se constata “Quando um rato está perto de recipiente, é difícil atacá-lo, sendo que se pode destruir o recipiente, muito mais difícil será castigar os vassalos poderosos à volta do soberano!” (Ban 2003, 220). Com o tempo, o sentido da expressão mudou, sendo aplicado às pessoas más com proteção.

Motivação conceptual:

Figurações simbólicas processo cognitivo É difícil atacar um rato quando se

encontra perto de objetos valiosos.

PESSOA MÁ É RATO metáfora conceptual TER PROTEÇÃO É ESTAR PERTO

DE RECIPIENTE

metáfora conceptual

RECIPIENTE É PESSOA QUE DÁ PROTEÇÃO

metáfora conceptual

CASTIGAR É ATACAR metáfora conceptual Tabela 9: Motivação conceptual da expressão 1b

(2) Domínio-alvo: PESSOA ASTUTA a. 獐头鼠目 (A, 4)

romanização zhāng tóu shǔ mù

significado dos termos hidrópote/cabeça/rato/olhos

tradução cabeça de hidrópote e olhos de rato interpretação figurativa aparência feia e ar astuto

Tabela 10: Tradução e interpretação figurativa da expressão 2a

Contextualização:

Esta expressão tem origem no poema Sonhar Com Uma Floresta De Zen Na Qual Se Senta Num Lugar Alto Um Abade Budista Idoso de Lu You (1985, 455). O hidrópote, que tem cabeça pequena e pontiaguda, é tido como feio na cultura chinesa (E, 1078). O rato é tido como um animal esperto (cf. 1.3).

Motivação conceptual:

Figurações simbólicas processo cognitivo O hidrópote é tido como feio e o

rato é tido como astuto.

frame/conhecimento do mundo

FEALDADE HUMANA É

CABEÇA DE HIDRÓPOTE

metaftonímia conceptual

metáfora com base na metonímia CABEÇA POR APARÊNCIA FÍSICA

ASTÚCIA HUMANA É OLHOS DE RATO

metaftonímia conceptual

metáfora com base na metonímia OLHOS POR ASPETO

Tabela 11: Motivação conceptual da expressão 2a

O rato é um animal hábil e cauteloso, pelo que podemos observar que, na cultura chinesa, é representado como esperto, normalmente com juízo de valor pejorativo, o que é evidenciado neste idiomatismo.

(3) Domínio-alvo: PESSOA INCOMPETENTE a. 老鼠烧尾 (A, 3)

romanização lǎoshǔ shāo wěi

significado dos termos rato/queimar/rabo

tradução

O rato queimou o seu rabo (para se tornar no dragão).

interpretação figurativa

Uma pessoa incompetente queria tornar- se funcionário público.

Tabela 12: Tradução e interpretação figurativa da expressão 3a

Contextualização:

Contava-se na dinastia Tang que o dragão se transformava do peixe. Para a transformação, o trovão tinha de queimar o seu rabo (Sun 2003, 72). “Queimar o rabo” nesta época referia-se ao banquete realizado quando uma pessoa passava no exame para a entrada na burocracia imperial (CH 2009, 1981), sendo que o dragão simbolizava pessoas com estatuto, poder e competência (cf. 1.3).

Este idiomatismo surgiu duma história sobre um homem chamado Yu Wenhong na dinastia Tang, que apesar de não ter uma grande educação, queria ser funcionário público. Tinha uma filha muito bonita e casou-a com um homem já com mais de sessenta anos, a fim de que o homem o recomendasse ao seu

irmão, que tinha influência para o ajudar a ser funcionário público pelo favorecimento ilícito. Assim, as pessoas gozavam de Yu ao dizer que quando o peixe se transformava no dragão, o trovão queimava o seu rabo, e que agora o rato também tinha queimado o rabo (Sun 2003, 71-72).

Motivação conceptual:

figurações simbólicas processo cognitivo

PESSOA INCOMPETENTE É RATO metáfora conceptual

mito da transformação do peixe para o dragão

frame/conhecimento do mundo

O dragão representa pessoas com estatuto, poder e competência.

frame/conhecimento do mundo

QUEIMAR O RABO POR PRETENDER TORNAR-SE NO DRAGÃO

metonímia conceptual

FUNCIONÁRIO PÚBLICO É DRAGÃO metáfora conceptual Tabela 13: Motivação conceptual da expressão 3a

O idiomatismo em questão é inspirado no comportamento atribuído ao rato. Enquanto domínio-fonte, temos o processo de “queimar rabo”, na base do qual se produz a metamorfose em dragão que é mapeado no domínio-alvo da figura do funcionário público. Assim sendo, o mapeamento do dragão enquanto figura mitológica com elevado estatuto e poder na figura do funcionário público confere- lhe estas mesmas características na escala social. A conotação do rato decorre do facto de que o rato é um animal muito repugnante e que o estatuto social se associa frequentemente à dimensão do animal na cultura chinesa, o que se reconhece ser uma representação na base da metáfora conceptual IMPORTANTE É GRANDE (Lakoff e Johnson 1999, 51). Nesta linha, o rato afigura-se, na escala de grandeza, como figura antagónica ao dragão por ser uma pessoa incompetente sem estatuto.

as espécies não são permanentes, mas encontram-se em metamorfose, sendo que os animais são atribuídos de características culturais.

(4) Domínio-alvo: PESSOA DE VISÃO LIMITADA a. 鼠目寸光 (A, 3)

romanização shǔ mù cùn guāng

significado dos termos rato/olhos/polegada/luz

tradução

O rato só consegue ver luz à distância de uma polegada.

interpretação figurativa Refere-se a pessoa de visão limitada. Tabela 14: Tradução e interpretação figurativa da expressão 4a

Contextualização:

A expressão surgiu da peça de teatro Guilinshuang, sendo utilizada para se referir à característica antagonista da mente aberta e compreensiva (Jiang 1993, 131).

Motivação conceptual:

figurações simbólicas processo cognitivo PESSOA DE VISÃO LIMITADA É RATO metáfora conceptual

OLHOS POR VISÃO metonímia conceptual

TER MENTE SUPERFICIAL É TER VISÃO REDUZIDA

metáfora conceptual

Tabela 15: Motivação conceptual da expressão 4a

Estamos perante uma instanciação da metáfora conceptual VER É COMPREENDER (UNDERSTANDING IS SEEING) (Lakoff e Johnson [1980] 2003, 48).

(5) Domínio-alvo: PESSOA REGULADA COM COMPORTAMENTO IMORAL OU ILÍCITO

a. 猫鼠同眠 (A, 3)

romanização māo shǔ tóng mián

significado dos termos gato/rato/juntamente/dormir tradução O gato e o rato dormem juntos.

interpretação figurativa

O regulador tolera os comportamentos imorais ou ilícitos do seu regulado. Tabela 16: Tradução e interpretação figurativa da expressão 5a

Contextualização:

Este idiomatismo surgiu dum conto registado noNovo Livro da Dinastia Tang. Em novembro do ano 661 d.C., no lugar chamado Luozhou o gato e o rato dormiam juntos, o que era considerado agouro de que os polícias irresponsáveis toleravam atividades ilícitas dos ladrões, sendo que o rato agia subrepticiamente, tal como os ladrões; e o gato, que por natureza apanhava ratos, agora dormia com o rato, tal como os responsáveis por perseguir ladrões estavam de conivência com os mesmos (Ouyang e Song 1975, 882). O conto atribuiu ao gato e ao rato um comportamento de cúmplice, que evidentemente não correspondia à relação gato-rato na natureza. Tal acontece porque os chineses consideravam que o rato e o ladrão denotavam semelhança, e já o gato tinha um papel semelhante ao do polícia. Com base na relação entre o ladrão e o polícia, o gato e o rato assumiram um comportamento irreal. Derivou deste conto o idiomatismo, cujo sentido se alargou, significando que o regulador tolera os comportamentos imorais ou ilícitos do regulado (A, 3; B, 7; E, 516).

Motivação conceptual:

figurações simbólicas processo cognitivo

biológica mundo

PESSOA REGULADA É RATO metáfora conceptual PESSOA REGULADORA É GATO metáfora conceptual SER CONIVENTE É DORMIR JUNTO metáfora conceptual RELAÇÃO ÍNTIMA/COOPERAÇÃO É

PROXIMIDADE

metáfora conceptual

Tabela 17: Motivação conceptual da expressão 5a

No idiomatismo acima, o rato e o gato, animais com estatutos diferentes na hierarquia animal, assumem um comportamento cúmplice para realização do mal, que é mapeado no comportamento humano de cooperação entre pessoas de alto e baixo nível, em regime de proximidade, para realização de más acções. A metáfora em questão é inspirada em “SEMELHANÇA É PROXIMIDADE (SIMILARITY IS CLOSENESS)”, conforme evidenciado por Lakoff e Johnson (1999, 51).

A expressão em questão é inspirada no comportamento atribuído ao rato e ao gato, sendo que não se afigura um comportamento natural para os dois dormirem juntos.

Resumindo, é por demais evidente que ao rato estão associadas conotações muito negativas nos provérbios e idiomatismos chineses estudados.

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