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Parte III Uma Certa Compreensão da Política Brasileira

CAPÍTULO 7 JOSÉ BONIFÁCIO: CONTEXTO E RAÍZES IDEOLÓGICAS

7.5 RAÍZES IDEOLÓGICAS: HUMANISMO E ILUMINISMO

7.5.1 Razão e a Lei Natural

Após ter trilhado uma extensa carreira burocrática portuguesa, José Bonifácio começou a expor publicamente suas idéias políticas no Elogio acadêmico da senhora d.

Maria I, lido na Academia Real de Ciências de Lisboa em 2º de março de 1817 (Caldeira,

2002, p.20). Neste Elogio destaca-se o valor que Bonifácio atribui à capacidade da razão, como típico do Iluminismo. É a Razão humana a reveladora das leis naturais do comportamento humano.

Barreto demonstra que, nos meados do século XVII, encontrava-se definido o núcleo do pensamento que seria conhecido mais tarde por Iluminismo, que influenciaria o pensamento de Bonifácio, segundo o qual a Razão humana ocupa proeminência. A verdadeira filosofia, numa paráfrase de Rousseau, é a virtude, esta ciência sublime das almas simples, cujos princípios estão gravados em todos os corações. Para se conhecer suas leis, basta ao homem voltar-se para si mesmo e ouvir a voz da consciência no silêncio das paixões (Conf. Rousseau, 1997, p. 303 ss.). Assim, o antropocentrismo era referência para as teorias sociais e políticas. Neste construto, a lei natural constitui-se o portal para a Razão na busca da felicidade humana.

O primeiro tema da “weltanschauung” liberal, o naturalismo, começou a aparecer nos escritos filosóficos da época, sendo entendido como a expressão da opção do homem pela busca da felicidade na sua própria natureza. Não existe mais uma subordinação do homem a Deus, mas somente à sua própria felicidade. O naturalismo significa, por outro lado, a submissão à natureza, ou melhor, a procura incessante da felicidade através do domínio do homem sobre a natureza. A natureza para a imaginação do século XVII, cessa de ser mágica e misteriosa e abre-se por inteira à aventura da inteligência humana.[...] O homem passa a utilizar a sua inteligência para melhorar sua própria condição (Barretto, 1977, p.37).

A Razão é, no Iluminismo, o agente das realizações humanas, e a felicidade humana encontra-se implícita na Lei Natural (Barretto, 1977, p. 38). Sobre esta lei Barreto faz a seguinte consideração:

O homem vive de acordo com sua própria natureza. Existe uma lei natural que surge no pensamento ocidental como resposta racional à divisão religiosa e ao nascimento do espírito científico. O abandono da moral cristã provoca o aparecimento da moral natural, fundada na lei natural (Barretto, 1977, p. 39).

Rousseau escrevera que a tarefa mais difícil para o homem consistia em voltar-se para dentro de si “para conhecer e estudar sua natureza, seus deveres e seu fim”.

A lei natural, portanto, não fora prescrita ao homem, como estabelecia a tradição católica. Ela se encontrara na própria natureza do homem e o problema consiste, precisamente, na descoberta dessa norma, que servirá de princípio regulador do comportamento humano. [...] É através da razão que o pensamento moderno descobre e domina as leis da natureza. A razão descobrirá para os homens na lei da natureza o caminho da felicidade (Barretto, 1977, p.40).

Pode-se observar que estes dois temas são comuns ao Iluminismo e ambos são fontes de influência evidente em José Bonifácio. O progresso do indivíduo e da sociedade passa a depender da razão e do acúmulo de conhecimentos:

Os homens foram tomados pela idéia de que as condições nas quais os seus antepassados e eles viviam, produto da fé, do tempo e do costume, eram antinaturais e tinham que ser deliberadamente substituídas por padrões uniformemente planejados, que seriam naturais e racionais (Barretto, 1977, p.41).

Deve-se lembrar, entretanto, que este individualismo moderno já aparece no Humanismo renascentista. Agora, no Iluminismo, a ciência será o meio para operacionalizar o indivíduo no cosmos. “O homem torna-se através do conhecimento, o senhor do mundo. Liberta-se da crença não-científica, mitológica e religiosa” (Barretto, 1977, p. 42).

Referindo ao pensamento de Locke, Barretto considera que a sociedade política é formada para assegurar a felicidade individual definida pela razão.

O homem deixa o estado de natureza constituindo um Governo para preservação da Propriedade. O poder, porém, deverá ser estabelecido tendo em vista a lei da natureza. Para que a sociedade garanta a propriedade do indivíduo é necessário que ele seja limitado pelo “bem público da Sociedade. É um Poder que não tem outra finalidade a não ser a preservação, e por isso não pode ter o direito de destruir, escravizar ou empobrecer os súditos” (Barretto, 1977, p.57).

Observe-se que o poder que reside no governo tem como finalidade a preservação da propriedade. A ética na mentalidade de Bonifácio, conseqüentemente é esvaziada de significado.

O tipo de mentalidade encontrado na obra de José Bonifácio é ilustrativo do entendimento da ciência in abstracto, ausente de qualquer significado ético ou político [...] José Bonifácio, que encarava a ciência no seu duplo aspecto, teórico e prático, compreendeu que as luzes da razão teriam um papel social próprio. Além da transmissão de conhecimentos úteis, a educação serviria para criar uma elite politicamente pensante, que viria “iluminar” os conselhos reais (Barretto, 1977, p.92). Disto pode-se perceber que o papel da Razão e da Lei Natural ocupam proeminência na mentalidade deste brasileiro, e gerenciam sua forma de fazer política, de lidar com seus adversários, de lidar com a igreja, de construir a Nação.

Tendo em mente as raízes históricas e ideológicas de José Bonifácio, é mister voltar-se às questões: Primeiramente, qual seria a espécie de cimento que daria sentido à reunião dos brasileiros sob um governo próprio, da missão cultural que marcaria a particularidade deste país que surgia na história da humanidade? Depois, dentro de seu projeto, é possível encontrar os tipos ideais, no que diz respeito ao seu domínio político e construto ético, que permitam uma certa compreensão da política brasileira figurada em Bonifácio?