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Reino Espiritual: Liberdade, Consciência, Dominação, Pertença

Parte II Maquiavel e Calvino: Domínio Político e Construto Ético

CAPÍTULO 6 CALVINO: DOMÍNIO POLÍTICO E CONSTRUTO ÉTICO

6.1.1 Reino Espiritual: Liberdade, Consciência, Dominação, Pertença

Embora Calvino estabeleça essa distinção entre um reino espiritual e um reino político, declara que não combate às autoridades das leis civis, mas sim aos que usurpam o poder, sendo cruéis (IV.XV.1). Observe-se que este assunto liga-se com a questão da liberdade cristã e da consciência: “não se deve impor necessidade ou obrigatoriedade às consciências nas coisas das quais foram liberadas por Jesus Cristo, recebendo liberdade sem a qual elas não podem estar em paz com Deus” (IV.XV.1). Há um só Rei que as consciências cristãs devem reconhecer neste campo, a saber, Jesus Cristo. É “pela lei da liberdade e a sagrada Palavra do evangelho” que estas consciências são governadas (IV.XV.2). De nenhuma forma elas devem sujeitar-se a qualquer servidão ou deixar-se capturar. Calvino não reconhece nenhum poder espiritual que não seja dado para a edificação dos homens. “Os que fazem bom uso desse poder não se consideram nada mais do que ‘ministros de Cristo e despenseiros dos ministérios de Deus” (IV.XV.5). Deve-se destacar que este poder é definido em termos de administração da “Palavra de Deus”.

Porque foi delimitado por Jesus Cristo, quando ele ordenou a seus apóstolos que ensinassem a todas as nações o que lhes havia ordenado. Lei esta que eu gostaria que os que devem governar a igreja de Deus conhecessem bem, isto é, que conhecessem bem o que lhes é ordenado (IV.XV.6).

Há nuanças de uma dominação tradicional no reino espiritual em virtude da santidade das ordenanças estipuladas. Weber considera esta forma de dominação "em virtude da crença na santidade das ordenanças e dos poderes senhoriais de há muito existentes” (1979, p.131). Este poder tem como base uma Lei escrita chamada aqui de “Palavra de Deus”, e os que receberam poder neste campo devem ser regidos por esta Lei escrita. Isso se evidencia mais adiante ao dizer: “tanto os profetas e sacerdotes como os apóstolos e discípulos, veremos que jamais lhes foi dado nenhum poder de comando e de ensino, senão o poder exercido em nome da Palavra do Senhor e com base nela” (IV.XV.7).

Calvino, no capítulo XV das Institutas, segue com diversos exemplos escriturísticos referenciados nos textos sagrados consolidando seu argumento. Ter nos textos sagrados a base para o exercício do poder espiritual é um princípio regulador e fundamental no pensamento deste reformador (IV.XV.13,14). Toda determinação neste campo que não encontre respaldo nos textos sagrados é alvo de repúdio e condenação, já que consiste num desprezo à “Palavra de Deus”, e conseqüentemente tenta obrigar a consciência cristã. Pode-se reconhecer nestas considerações aspectos de uma forma de dominação, mais tarde postulada por Weber de

dentro do reino espiritual. “Dominação legal em virtude de estatuto. Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua idéia básica é: qualquer direito pode ser criado e modificado mediante estatuto sancionado corretamente quanto à forma” (Weber, 1979, p.128). O domínio destes líderes eclesiásticos se legitima pela instrumentalidade desta Lei: “Palavra de Deus”, sem a qual não há governo espiritual legítimo (Calvino, IV.XV.15).

Observe-se que a obediência devida dos governados, e dos governantes, não se dá em virtude do direito próprio do líder, mas da norma estabelecida. Reflete Weber ao considerar este tipo de dominação: “obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à

regra estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer.

Também quem ordena obedece” (1979, p.129).

O sentimento de pertença e de identidade é percebido no elemento unificador, pelo qual Calvino reúne e sujeita a todos os crentes: o texto sagrado. Esta é a base de fé e de ação neste reino espiritual. Por meio dela, os líderes são convocados a dominar, sendo ilegítima qualquer dominação fora dos parâmetros sagrados. A herança de Deus citada por Calvino, os crentes, pertence a um reino espiritual e se identifica com o sacro elemento regulador de sua vida. O cidadão participe deste reino é governado pelo princípio identificador que lhe dá o senso de pertença (Mourão26, 2007, p.1).

O caminho da retidão compreende-se nesta vertente cuja vereda orienta-se pela Palavra e pelo Espírito. Sem estes, considera, os crentes cometerão erros em muitas coisas (IV.XV.25). Isso compreende também uma percepção de incompletude moral para a presente era neste reino.

considerar a igreja como santa e imaculada, sendo que os seus membros ainda são impuros e estão imundos, não é uma zombaria? Porquanto é verdade que Cristo lavou a sua igreja pelo Batismo com água mediante a Palavra da vida. Quer dizer que ele a purificou pela remissão dos pecados, purificação da qual o Batismo é símbolo, e a purificou para santificá-la. Mas desta santificação tão somente o começo aparece aqui; seu fim e seu cumprimento se realizarão plenamente quando Cristo, o Santo dos santos, a encher inteiramente com a sua santidade (IV.XV.26).

Observa-se nesta citação que há uma incompletude ética neste domínio enquanto os homens vivem na presente era, em virtude da própria natureza e limitações destes.

reconhecendo a sua ignorância, a igreja está sempre bem advertida para ouvir com toda atenção a doutrina do seu Mestre e Esposo [...] Por isso ela não se julga sábia em si mesma e não sonha nem pensa coisa alguma por si mesma, mas tem no que Jesus Cristo fala o objeto da sua sabedoria. E assim a igreja, como um corpo, desconfia das invenções do seu entendimento. E, apoiando-se na Palavra de Deus, não vacila nem

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Morão, A.R. Teixeira ; Cavalcante, Sylvia: O Processo de construção do lugar e da identidade dos moradores de uma cidade reinventada (Confira: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413- 294X2006000200003&script=sci_arttext)

padece nenhuma duvida, mas, com grande certeza e constância, nela repousa e tem segurança (IV.XV.26).

a igreja pode falhar e falha quando, usando em tudo a sua sabedoria, deixa de ser ensinada pelo Espírito Santo, por meio da Palavra de Deus (IV.XV.29).