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RAZÕES PARA REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA

No documento Processo Nº: (páginas 68-78)

RAPHAEL GONÇALVES E SOUSA

DA POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DOS PRODUTORES RURAIS

VI. RAZÕES PARA REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA

a) Distinção entre empresário civil e empresário sujeito às normas comerciais

27. Desta forma, a LRF traz com fundamentação basilar a regulamentação da recuperação judicial e falência de empresário e de sociedade empresária todos doravante referidos como devedor, ou seja, a LRF só se aplica a empresários e sociedades empresárias, conforme define o Código Civil em seu art. 966.

28. Assim, nos termos do art. 966, para ser empresário deve haver, obrigatoriamente, 3 (três) requisitos: (i) exercer atividade econômica; (ii) que tal atividade seja organizada, com atuação do empresário na organização de fatores de produção; e (iii) que haja circulação de bens e serviços.

29. Contudo, os produtores rurais, ora Agravados, violam tais requisitos. Apesar de ser evidente que os Agravados exercem atividade voltada na produção de bens agrários, é nítido que tais atividades não são dotadas de organicidade, uma vez que o Agravado, Raphael, ora contratava a Agravante como pessoa física e ora como sócio administrador da Agravada, Talismã, basta uma simples analisada na documentação referente as vendas da Agravante para os Agravados.

30. Inclusive as trocas de e-mails de cobrança entre Agravante e Agravados, tanto para valores referentes à TALISMÃ, quanto a valores referentes aos débitos do RAPHAEL, eram cobrados para o mesmo endereço.

31. O Código Civil de 2002 quebrou a concepção típica do direito comercial antigo de que a exploração da atividade agrícola não teria caráter comercial, contudo esta quebra foi feita com imposição de algumas restrições. Por tal razão, o art. 971 do CC prevê que o empresário rural, ainda que preencha os requisitos do art. 966, somente será equiparado a empresário submetido à legislação comercial, se registrar-se na Junta Comercial.

Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal diferenciou o regime a que se sujeitam os empresários rurais, utilizando o registro como critério objetivo de distinção:

Enunciado 202: O registro do empresário ou sociedade rural na Junta

Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade

rural que não exercer tal opção.

33. Ou melhor, a atividade rural só será equiparada a atividade empresarial sujeita à legislação comercial a partir do devido registro na Junta Comercial (natureza constitutiva do registro).

34. E neste sentido a doutrina é uníssona.

35. Para o ilustre Haroldo Duclerc Verçosa, o produtor rural opta pelo enquadramento de sua atividade:

(...) observe-se que o enquadramento da atividade rural fica condicionada a escolha de empresário, podendo ele optar pelo regime de Direito Civil (empresário civil ou sociedade civil não empresária) ou do Direito Comercial, adotando uma das formas próprias (CC arts. 971 e 984). No segundo caso suas obrigações são mais acentuadas, e daí pode-se dizer que a opção preferencial para o exercício da atividade rural, na prática, deverá fixar-se na primeira possibilidade.1

36. Já o mestre Fábio Ulhôa Coelho reforça que caso o empresário opte pelo não registro na junta deverá ser regido pelo Código Civil:

(...)2.

37. E Cassio Cavalli e Luiz Roberto Ayoub reforçam o conceito anterior, frisando para o fato de que o ato de registro na junta comercial tem natureza constitutiva:

Os produtores rurais continuam a não ser classificados como empresários (isto é, continuam não sujeitos às normas empresariais), a menos que, voluntariamente, se submetam às normas empresariais, mediante inscrição

na junta comercial. Os produtores rurais e sociedades que tiverem por objeto

o exercício da atividade rural que inscreverem seus atos constitutivos na Junta Comercial (Registro Público de Empresas Mercantis) serão equiparados ao empresário, sujeito a registro (CC arts. 971 e 984) e, desse modo, estarão legitimados a postular recuperação judicial. Com efeito, o registro do produtor

rural possui natureza constitutiva, conforme assentou o Enunciado 202 do

Conselho de Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil.3

38. Assim, diante de tais ensinamentos e da legislação vigente, resta evidente que os produtores rurais, ora Agravados, não se enquadram como empresários sujeitos à legislação comercial, não estando legitimados a requerer o benefício da Recuperação Judicial. Os Agravados são empresários civis, legitimados a requerer tão somente, se for o caso, a insolvência civil, restando claramente o erro na decisão ora, agravada.

b) Da violação ao art. 48 da LRF

39. Como muito já discutido, a Lei nº 11.101/2005 adotou expressamente o princípio da preservação da empresa, como forma de manutenção da função social que esta desenvolve na sociedade como fonte de

Ulhoa Coelho:

“Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos - materiais, financeiros e humanos - empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não

deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo.

Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a

permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores. ”4

41. No caso dos autos verifica-se que os Agravados estão transferindo o risco de sua atividade empresarial para seus credores, uma vez que tentam de todas as formas burlar os dispositivos legais esculpidos na Lei de Recuperação Judicial, com o intuito de “blindar” seu patrimônio.

42. Isso porque, os produtores rurais Agravados NÃO possuem registro da atividade empresarial exigidos pela lei, não podendo, desta forma, ser permitido que os benefícios da recuperação judicial se estendam a eles.

43. Nesse sentido é o escólio de Manoel Justino Filho,

verbis:

“(...) a prova de tal exigência é de extrema simplicidade, bastando juntar certidão da Junta Comercial, comprovando a regularidade da empresa. Caso não esteja regularmente registrada na Junta Comercial, não poderá pleitear

44. É requisito essencial para o deferimento da recuperação judicial que no momento de seu pleito, o devedor, demonstre sua condição jurídica de empresário, por meio da inscrição na junta comercial, ainda que tal empresário seja produtor rural.

45. Imperioso destacar que a norma prevista no artigo 971 do Código Civil, não pode esbarrar ou se sobrepor ao requisito previsto no artigo 48 da Lei nº 11.101/2005.

46. Extrai-se dos autos, que é conveniente aos Agravados não estarem inscritos no registro público de empresas, tendo em vista os benefícios fiscais que lhes são ofertados.

47. As atividades comerciais exercidas por produtores rurais, como pessoas físicas, possuem escrituração contábil idêntica às pessoas jurídicas tributadas pelo sistema simples. Entretanto, é permitido aos produtores rurais, compensarem os lucros do ano atual com os prejuízos sofridos nos anos anteriores.

48. Ora, Excelências, não se pode permitir que os credores se sujeitem as conveniências dos devedores, como pretendem os Agravados, e a favor da Agravante já vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça de que é necessário o cumprimento da exigência legal prevista na Lei 11.101/2005, confira-se:

49. Diante do julgado acima, conclui-se pela observância e necessidade de cumprimento da formalidade prevista na Lei nº 11.101/2005, o que não ocorreu no caso dos autos.

situação extremamente temerária, pois empresas não mais poderão contratar com pessoas físicas, visto que repentinamente poderão se considerar pessoas jurídicas, podendo então pleitear o processamento da recuperação judicial de sua “empresa”, se beneficiando em detrimento de seus credores.

52. Portanto, a lei de recuperação judicial é clara, lógica e restritiva, visto que para o processamento da recuperação é necessário que o empresário atenda TODOS os requisitos nela esculpidos, não admitindo qualquer interpretação.

53. A doutrina também ratifica estas razões e a jurisprudência aqui colacionada, a ilustríssima Doutora Mestre Rachel Stajzn ressalva tais posicionamentos:

O prazo de 2 (dois) anos de regular exercício da atividade, que se demonstra mediante apresentação de certidão de registro Público de Empresa, tem como função evitar oportunismos, isto é, a obtenção de vantagem ou benefício por quem, aventurando-se e assumindo riscos, exerça atividade econômica sem, para tanto, estar devidamente matriculado, na forma previsto no Código Civil para qualquer empresário, pessoa natural jurídica. Pode-se presumir que o prazo mínimo quanto ao exercício regular da atividade tenha que ver com análise empírica da realidade6.

54. E tais mecanismos servem não para proteger o “empresário”, mas para proteção de terceiros que realizam, comercialmente, operações econômicas com este na segurança das informações e qualificações devidamente registradas (princípio da publicidade dos atos).

55. O total desconhecimento ou a incerteza do mercado a respeito da qualificação do “empresário” e o respectivo regime jurídico a

nesta esteira continua a ilustre professora:

No plano da regularidade, será regular quando o exercente, sobre o qual recai a imputação, observa as normas legais incidentes quando requerida habilitação especial do sujeito. Quando se requer, para o exercício de certas atividades, qualificação do sujeito [leia-se o registro], tutela-se interesses de terceiros, não do exercente que fica sujeito às penalidades.

Essa é a hipótese do caput – sem inscrição do registro específico, a atividade exercida, será irregular. Não interessa, no caso, a discussão econômica relativamente à imputação da atividade a certo sujeito, aquele que suporta os riscos derivados, prevalecendo, para fins de imputação a noção jurídica7.

56. Assim, frente ao caso em tela é incontroverso que os produtores rurais, ora Agravados, não possuem registro na Junta Comercial, violando todos os dispositivos e doutrina aqui colacionados. Assim, a r. decisão agravada viola claramente a lei, a jurisprudência e a doutrina, jogando o instituto da Recuperação Judicial à total insegurança jurídica, com risco de abertura de precedentes para outros oportunistas, e isto é extremamente temerário para todo o sistema econômico brasileiro, em particular para o agronegócio, que diante da crise econômico-financeira que o país atravessa, tem sido o único setor ainda em crescimento, justamente por respeitar tais regras.

57. Há que se ressalvar também que a pessoa física dos produtores rurais, ora Agravados, sequer fazem jus à extensão dos efeitos da recuperação judicial das pessoas jurídicas pertencentes ao grupo econômico recuperando, pois o procedimento da recuperação judicial não aproveita aos sócios não solidários das sociedades, eis que tal figura não se confunde com a pessoa jurídica:

JUDICIAL. DÍVIDA PARTICULAR DO SÓCIO. ARTIGO 6º, DA LEI 11.101/05. NÃO PROVIMENTO.

1. Tratando-se de dívida particular do sócio não solidário das obrigações

da sociedade, não há suspensão em razão da recuperação judicial desta.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (...)

Não merece acolhida o inconformismo. Concluiu o Tribunal Estadual que se trata "de ação monitória, ajuizada contra pessoa física - RENI BROILO -,

em razão de contrato de abertura de crédito, cujo beneficiário é a pessoa natural, sendo desimportante, portanto, a preexistência de processo de recuperação judicial, uma vez que as esferas obrigacionais, do particular e da empresa são incomunicáveis" (e-stj fl. 153).

Não há no acórdão recorrido qualquer indicação de que o recorrente é sócio solidário e ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais, de modo que os dispositivos indicados são impertinentes à hipótese em apreço, a atrair a incidência no enunciado n. 284, da Súmula do STF. Ainda que assim não fosse, esta Corte já decidiu que, mesmo quando se cuida de garantia prestada por sócio em benefício da sociedade, como co-obrigado solidário, tal pacto adjeto não é atingido pelo deferimento da recuperação. A saber:

1.- Conforme o disposto art. 6º da Lei n. 11.101/05, o deferimento de recuperação judicial à empresa co-executada não tem o condão de suspender a execução em relação a seus avalistas, a exceção do sócio com

responsabilidade ilimitada e solidária.

2.- Os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial conservam

intactos seus direitos e, por lógica, podem executar o avalista desse título de crédito (REsp 1.095.352/SP, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 3.2.11).

3.- O Aval é ato dotado de autonomia substancial em que se garante o pagamento do título de crédito em favor do devedor principal ou de um co- obrigado, isto é, é uma garantia autônoma e solidária. Assim, não sendo possível o credor exercer seu direito contra o avalizado, no caso a empresa em recuperação judicial, tal fato não compromete a obrigação do avalista, que subsiste integralmente.

4.- Embargos de Divergência acolhidos.(EAg 1179654/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/03/2012, DJe 13/04/2012)

No documento Processo Nº: (páginas 68-78)

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