• Nenhum resultado encontrado

Reacção emocional negativa ao estabelecimento de trade-offs e heurísticas

Parte III Dificuldade e Acção: Pessoal e Colectiva

Capítulo 8 A Escolha, Apesar da Dificuldade

8.1. Reacção emocional negativa ao estabelecimento de trade-offs e heurísticas

Foi já referido em capítulo anterior que as situações dilemáticas tendem a espoletar reacções emocionais características e que a dificuldade da escolha não resulta apenas dos limites computacionais do sujeito da escolha. Este aspecto tem vindo a ser reconhecido em diversas abordagens à decisão individual, bem como na recente investigação em Neurociências. Em diversos estudos sobre o processo de decisão provenientes da Psicologia, a experiência de emoções negativas por parte de indivíduos levados a contemplar certo tipo de trade-offs é um factor que surge associado à percepção que os indivíduos têm da dificuldade da escolha, influenciando o tipo de estratégia ou procedimento de decisão adoptado (Baron et

al., 1997; Drolet e Luce, 2004; Gigerenzer e Selten, 2001; Luce et al., 1997, 1999; Luce, 1998).

Nos trabalhos de Luce et al. (1997, 1999) e de Luce (1998) procura-se mostrar que as emoções negativas decorrentes da contemplação de trade-offs indesejáveis podem levar os indivíduos a preterirem procedimentos que permitem determinar óptimos unidimensionais ou minimizar o esforço cognitivo, a favor de outros que minimizam a carga emocional negativa envolvida na decisão. A adopção de um ou de outro tipo de procedimento depende dos valores em confronto, sendo a escolha de procedimentos que dispensam trade-offs tanto mais frequente quanto mais importantes forem os valores em confronto para os indivíduos e quanto maior a percepção da perda que resultaria do estabelecimento desses mesmos

trade-offs.

Nas experiências implementadas, quer o conjunto de alternativas de escolha, quer os vários atributos ou dimensões de valor surgem definidos e fixados previamente, não tendo o decisor possibilidade de os modificar. Trata-se então de seleccionar uma determinada alternativa de escolha, sendo que nenhuma das alternativas existentes é dominante, isto é, o decisor está perante uma situação de conflito e de perda inevitável em relação a alguma(s) das dimensões de valor em confronto. Experimentalmente, o tipo de valores que são considerados, a forma como a situação de escolha é descrita e a dimensão de perda relativa associada ao

trade-off são aspectos manipulados de modo a fazer variar a carga emocional da decisão1.

O processo de decisão é assim decomposto num conjunto de variáveis susceptíveis de observação, nomeadamente: (a) a quantidade de informação que é processada pelos sujeitos; (b) o padrão de processamento da informação adoptado pelos sujeitos, designado como “ consistente” quando as diferentes alternativas de escolha são consideradas do ponto de vista do conjunto das dimensões de valor, ou como “ selectivo” quando os sujeitos consideram as várias dimensões de valor em separado; (c) os diferentes critérios de decisão que podem ser seleccionados pelos sujeitos (soma ponderada das várias dimensões de valor, lexicográfico, programação por metas, … ); (d) os vários objectivos ou fins que presidem ao problema de decisão como, por exemplo, a optimização, a minimização do esforço cognitivo associado à escolha, a minimização de emoções negativas decorrentes da decisão ou a maximização da facilidade de justificação da decisão perante os outros.

Os resultados experimentais de Luce et al. (1997) mostram que a carga emocional negativa associada ao estabelecimento de certos trade-offs tem influência sobre o padrão de processamento da informação, a duração temporal do processo de

1 Num dos estudos experimentais conduzidos por Luce et al. (1997), pede-se aos sujeitos que

imaginem que são membros de uma organização de beneficiência cuja missão é providenciar apoio financeiro a crianças necessitadas. É dito aos sujeitos que têm que escolher uma criança de um grupo de cinco, a partir da descrição de cada criança em termos de cinco dimensões de avaliação: QI/capacidade de aprendizagem, idade, personalidade, dimensão da família e condições de vida. A carga emocional negativa associada à decisão é manipulada, formando-se dois grupos de sujeitos experimentais. No grupo associado a um cenário em que as consequências negativas da decisão são tornadas mais salientes é dito aos sujeitos que as crianças a quem é recusada ajuda poderão passar fome e morrer, sendo ainda fornecido a estes sujeitos fotografias das crianças que normalmente recebem apoio financeiro da organização. Aos sujeitos experimentais deste grupo é-lhes ainda dito que anteriormente a organização conseguia providenciar apoio para as cinco crianças, enquanto que presentemente só o consegue fazer para uma e que as outras quatro crianças não têm forma de encontrar apoios alternativos. Aos sujeitos do outro grupo, em que as consequências negativas da decisão são menos salientadas, é-lhes dito que a organização no passado não conseguia oferecer apoio a nenhuma criança e que agora tem a oportunidade de ajudar pelo menos uma. As restantes crianças podem encontrar outras instituições que forneçam suporte financeiro. Num outro estudo experimental, os sujeitos são confrontados com a escolha de uma proposta de emprego de entre um conjunto de cinco alternativas, caracterizadas a partir de quatro dimensões de avaliação. A forma como os atributos estão descritos é manipulada de modo a criar um grupo onde o estabelecimento de trade-offs é mais difícil e um outro grupo onde é mais fácil. No grupo confrontado com trade-offs mais difíceis, as dimensões de avaliação mais importantes para os sujeitos estão associadas a perdas relativas maiores. Os sujeitos experimentais são ainda divididos em dois grupos: um grupo que se caracteriza por um maior conflito em virtude de estar associado a maiores perdas, o outro que se caracteriza por perdas menores experimentando, portanto, um conflito menor.

deliberação e os critérios de decisão seleccionados. Os sujeitos experimentais, neste tipo de situação de escolha, evitam o estabelecimento de trade-offs explícitos recorrendo a padrões de processamento da informação mais selectivos, organizados em torno da pesquisa por dimensão de valor, e a critérios de decisão como o lexicográfico ou a programação por metas. Paradoxalmente, observa-se que, não obstante a simplicidade computacional dos critérios hierárquicos, a duração dos processos de deliberação é mais longa nos casos em que estes critérios são adoptados. Nestes casos, que são precisamente os que envolvem uma maior tensão emocional, o esforço de deliberação é orientado não para a computação, mas antes para a descoberta de procedimentos que minimizem a carga emocional negativa.

Estas abordagens têm sido justamente criticadas por considerarem as emoções como uma categoria unidimensional, reduzindo a sua variedade a uma escala que as trata como emoções positivas e/ou negativas (Mellers et al., 1998). Facilmente se reconhece que as várias emoções associadas à experiência de situações dilemáticas não são passíveis de serem descritas e abarcadas na sua totalidade por qualquer categoria unidimensional e separadas de factores cognitivos. A consideração de categorias mais diferenciadas pode ser importante para uma melhor compreensão da relação entre emoções e decisão, particularmente se for possível identificar estruturas neuronais subjacentes (Adolphs, 2003). No entanto, a limitação mais importante destas abordagens experimentais deriva do facto das dimensões de valor serem estipuladas ex-ante, como um dado, não havendo lugar para uma participação dos sujeitos na definição das dimensões de valor relevantes e na descrição do problema.

Como tem vindo a ser referido, a reacção dos sujeitos a certo tipo de trade-offs está muito dependente da natureza dos valores em confronto e do significado que estes assumem para os sujeitos da escolha. Tetlock (2000), cujo trabalho já foi referido em capítulo anterior, identifica diferentes tipos de resposta a trade-offs constitutivos de situações de dilema moral: (a) tentar transferir a responsabilidade para os outros (buckpassing); (b) procurar adiar o momento da escolha (procrastination) e (c) tornar pouco explícito a posição pessoal face aos valores em confronto e ao que está em causa (obfuscation).

A procrastinação constitui uma resposta habitual quando a resistência ao estabelecimento de trade-offs é grande. Porém, mesmo nestes casos, Tetlock (2000) mostra que perante a inevitabilidade de se tomar uma decisão, os indivíduos tendem a adoptar uma estratégia de justificação da escolha realizada que passa pela sobrevalorização da importância e do significado dos valores que foram garantidos apesar do estabelecimento do trade-off e pela desvalorização dos outros.

A investigação de Tetlock (2000, 2003) procura fornecer algumas indicações quanto ao modo como os indivíduos efectivamente escolhem em contexto de dificuldade. Tetlock (2003) refere que a reacção negativa dos indivíduos quando confrontados com transacções tabu pode sofrer alteração no caso destas transacções serem redefinidas como transacções de rotina e/ou trágicas. O autor refere como evidência empírica que apesar da maioria dos sujeitos experimentais rejeitar as transacções monetárias no caso de órgãos humanos, 40 % dos inquiridos modificam a sua reacção quando convencidos de que esta é a única forma de salvar vidas humanas que de outra maneira se perderiam, ou quando informados do estabelecimento de algumas medidas que, por um lado, garantissem o acesso dos grupos mais carenciados à compra de órgãos e, por outro lado, prevenissem situações em que estes grupos recorrem à sua venda para obter rendimento. O primeiro tipo de argumento implica a redefinição da transacção tabu em termos de uma transacção trágica, enquanto o segundo procura redefini-la como transacção de rotina num mercado regulado.