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2 DA CONCEPÇÃO A SOCIOLOGIA NO CURRÍCULO E AS

2.3 REALIDADE DO ENSINO MÉDIO E SEUS DESAFIOS

Kuenzer (2002, p. 21) ressalta que devido às transformações ocorridas no mundo do trabalho, a escola está cada vez mais responsável em dar conta de atribuições que vão desde o

[...] desemprego à primeira socialização na rua e ao esvaziamento das funções das diversas instâncias públicas responsáveis pela execução de políticas sociais: a escola faz a primeira socialização, dá banho, alimenta, em muitos casos veste, cura a dor de barriga, leva ao dentista, traz o oftalmologista e às vezes treina para uma ocupação...mas será que ensina?

A escola – particularmente a escola pública – tem sim uma função social específica já identificada, que seria apresentar de forma sistemática, intencional, espacial e temporal os conhecimentos historicamente produzidos pelos homens. Isso não nega que as demais relações sociais sejam desprovidas de conhecimentos, todavia, eles nem sempre se apresentam dessa forma sistemática e intencional, diferenciando-se da educação escolar (KUENZER, 2002). Contudo, no contexto da sociedade de classes fundada no capital, a transmissão de conhecimento feita pela escola responde aos interesses da classe dominante, de forma que continue contribuindo como espaço fecundo para a reprodução das relações alienadas.

Mesmo com essas limitações de classe impostas à escola, Kuenzer (2002, p. 12) ainda identifica na escola pública

[...] como um dos únicos espaços de que dispõe os trabalhadores e seus filhos, bem como os excluídos do mundo do trabalho, para ter acesso a todos os tipos de conhecimento que lhes permitam melhor compreender as relações sociais e produtivas das quais participam, inserir-se no mundo do trabalho como condição de existência e organizar-se para destruir as condições que produzem exclusão.

De fato, a obrigatoriedade e universalização da educação, que hoje se estende por 12 anos (desde os anos iniciais até o ensino médio) é uma conquista social histórica. Mas apropriada pelos interesses do capital

torna-se, especificamente o ensino médio, numa etapa de segregação entre aqueles de darão continuidade aos estudos e aqueles que entrarão no mundo do trabalho. A própria Constituição de 1988, com a Emenda Constitucional n° 146/96, trata do assunto como sendo dever do Estado a oferta de ensino médio, passando a ser um direito de todo indivíduo, ou seja, o acesso está disponível para todos aqueles que desejarem. Já a LDB/1996 reforça que é obrigatório e progressivo o ensino médio, mas trata-se apenas de uma diretriz legal que não tem peso constitucional. Logo, o ensino médio apontado pelos documentos curriculares oficiais como etapa final da educação de caráter geral, que antes era proporcionado apenas às elites, quando se universaliza a todas as camadas da população, desqualifica-se e se precariza, no sentido de baratear os custos da educação para a classe trabalhadora (KUENZER, 2010).

A partir dessa prerrogativa, tivemos no período de 1996 a 2001 um aumento de 32,1% de matrículas no ensino médio, saltando de 5,7 milhões para 8,4 milhões. No entanto, analisando o intervalo de 2000 a 2008 verificou-se crescimento negativo de -8,4% nas matrículas (KUENZER, 2010). A autora, tendo como base os dados no INEP de 2009, demonstra que em todos os demais indicadores (distorção idade- série, taxa de repetência, evasão e tempo médio para conclusão do período) houve crescimento, levando a seguinte conclusão “quanto à expansão do acesso, permanência e sucesso, não houve mudanças significativas, mostrando que, para o ensino médio, o PNE 2000-2010 não aconteceu” (KUENZER, 2010, p. 860), daí o caráter desqualificado do ensino. É nesse ensino público da esfera estadual e federal que se encontram a maior parte das matrículas do ensino médio.

Dentre a população jovem mais da metade, 66% entre 14 a 29 anos, estão no mundo do trabalho ou procurando por trabalho: desses, 15,4% trabalham e estudam e 41,3% apenas trabalham. Os que apenas estudam formam um contingente bem menor, de 20,8%, e aqueles que não estudam, não trabalham e nem procuram trabalho somam 12,7% (CORROCHANO et al., 2008).

Nesse grupo dos 41,3% dos jovens que trabalham é que encontraremos a grande massa dos estudantes filhos da classe trabalhadora, que são impedidos de escolher pela trajetória educacional, em detrimento da profissional, pela determinação social de sua origem de classe. De acordo com Corrochano (et al., 2008), na faixa dos 18 aos 29 anos, 47,1% dos jovens não completaram o ensino médio, recorte etário em que se espera, mesmo com a distorção série-idade, a conclusão desta etapa básica de educação. O estudo nos mostra que a entrada no

mercado de trabalho responde a uma necessidade de sobrevivência das famílias: onde a renda per capita é menor (média da R$ 277,00), o jovem inicia na atividade a partir dos 14 anos, e a escolaridade atingida por 52,5% desse grupo é de ensino fundamental incompleto; aqueles que apenas estudam, têm uma renda familiar per capita acima da média nacional e entram no mercado de trabalho mais tarde, a partir dos 18 anos, e é o grupo onde temos o maior percentual de jovens cursando o ensino superior (faixa etária dos 22-24 anos), com 56,7%.

Assim, essa dualidade na etapa final da educação básica só reflete a organização de classe que temos na sociedade capitalista. Seu caráter perverso, estabelecendo por leis que a dualidade estrutural foi superada – lembrando o Art. 35 da LDB, que fala da preparação para o trabalho e da continuação à formação – não resolve a questão, posto que na realidade a configuração dos interesses da classe dominante não permite que essa superação se concretize. Nesse sentido, Gramsci (1976) trata da função que a escola assume em preparar diferentemente os intelectuais de acordo com o lugar que irão ocupar na sociedade: dirigentes ou trabalhadores.

Essas são algumas particularidades do ensino médio, que no sistema público de educação é oferecido de modo superficial e desqualificado para os jovens ou adultos da classe trabalhadora, contribuindo para a manutenção das desigualdades sociais.

Nesse contexto, o ensino de Sociologia enfrenta obstáculos para realizar suas finalidades educativas. O trabalho docente em condições materiais e pedagógicas precárias dificulta que se concretizem em sala de aula as propostas curriculares oficiais e os planos de ensino dos professores. É o que assinalam os professores de Sociologia entrevistados, como veremos no capítulo a seguir.

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DA ORGANIZAÇÃO. A CONCRETIZAÇÃO DO