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I. 3. O CENTRO EM TRANSFORMAÇÃO E A CHINA

I. 3.2. REALOCAÇÃO GLOBAL DA PRODUÇÃO

A partir da literatura discutida até aqui, destacou-se a importância da estratégia chinesa de crescimento econômico como meio para consolidação de sua soberania nacional e que este processo se construiu em coalizão com interesses geopolíticos estadunidenses. Ademais desses fatores, nos anos subsequentes à recuperação de relações entre EUA e China, evidenciaram-se mudanças no capitalismo após a crise de Bretton Woods, anunciadas anteriormente neste trabalho. No capitalismo internacional financeirizado, intensificou-se a concorrência e orientaram-se as indústrias pela necessidade de maximizar o valor acionário e remunerar o acionista, a dominância dessa lógica pressionou decisões estratégicas da indústria transnacional. No movimento das grandes empresas, percebe-se um fracionamento do processo produtivo em cadeias globais de valor, que reorganizam internacionalmente sua produção. Esse fenômeno das cadeias globais de valor, que também é conhecido por outras terminologias, como outsourcing ou offshoring, contribuiu ao crescimento chinês com mudança estrutural.

O fato de a grande indústria global deslocar sua produção para áreas de mão-de-obra barata e com capacidade de produção em grande escala foi componente central do sucesso do projeto chinês. Note que não se trata de divergir da tese anteriormente discutida que dá ênfase à estratégia chinesa de desenvolvimento em um contexto geopolítico particular. Tampouco se trata de argumentar que o processo de outsourcing explica, per se, o crescimento com mudança estrutural na China, especialmente porque o fenômeno da redistribuição de cadeias produtivas impactou várias regiões do mundo, como o próprio México, a América Central, ou a Índia. Contudo, foi com a China, graças a sua estratégia nacional, que o desenvolvimento prosperou com muito mais destaque e foi a ascensão desse país, e seus elos com a economia

americana, Europa e Ásia, que alterou o centro do capitalismo internacional. Para fundamentar esse ponto, essa seção irá, primeiro, expor a fragmentação da produção por meio da discussão das cadeias globais de valor, quais as principais mudanças na produção e comércio internacional; e, segundo, tentará mostrar como a China se aproveitou da fragmentação de cadeias globais de valor para promover sua estratégia nacional de desenvolvimento.

Na literatura das Cadeias Globais de Valor (doravante CGV), que são parte central da discussão recente sobre a realocação internacional da produção, há trabalhos como Gereffi (1994), Milberg (2004), Gereffi et al. (2005), Milberg e Winkler (2009; 2013), Gereffi e Fernandez-Stark (2011), OCDE (2012), Elms e Low (2013), Hiratuka e Sarti (2015), Taglioni e Winkler (2016), Chesnais (2016), entre outros.Particularmente na literatura de organização industrial e da economia internacional, como apresentam Hiratuka e Sarti (2015), essas capturaram o movimento da fragmentação produtiva e formação de cadeias globais de distintas maneiras e denominações, tais como: cadeia global de mercadorias, rede global de produção, redes de produção modulares, sistemas internacionais de produção.30

A definição mais geral de “cadeia global de valor” seria o conjunto da ampla gama de atividades fragmentadas globalmente para consolidar um produto final, desde a sua concepção ao uso final, exercidas por uma mesma firma ou distintas.31 O crescimento e a profundidade desse processo de offshoring expressam a etapa mais recente da globalização, que possui relação direta com a financeirização (MILBERG, 2004; MILBERG & WINKLER, 2010, 2013; CHESNAIS, 2016; além da seção I.2).

As CGV alteraram a geografia da produção internacional. OCDE (2012) mostra que a consolidação das CGV intensificou a especialização de alguns países, mas de forma diferente que no passado. Isso quer dizer que já não faz sentido pensar apenas na especialização tradicional em “indústrias” (ou setores), como na anedota dos países especializados em vinho ou tecido, a nova forma de organização da produção requer entender a especialização em etapas da produção de uma mesma “indústria” fragmentada pelo globo. Portanto uma mesma indústria possui sua cadeia de insumos fragmentada e as atividades de uma mesma indústria

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Ainda sobre a terminologia, assim como apresenta Elms e Low (2013, p. xv): “The idiom might vary – referring to

trade in value-added, production sharing, supply chains, outsourcing, offshoring, vertical integration, or fragmented production instead of GVCs – but the core notion of internationally joined-up production is the same”.

31 Nas palavras de Milberg e Winkler (2010, p. 2 [tradução própria]), que fazem uma profunda análise sobre a

globalização e “offshoring”, esses autores definem esse processo da fragmentação da produção como “toda compra de insumos intermediários do estrangeiro, seja por meio de contratos de compra no mercado – o offshore outsourcing –, ou por meio interno da própria empresa multinacional – a transação intrafirma”.

(ou de distintas) se especializam em partes diferentes do mundo para exercer, por exemplo, especialização em P&D, marketing, serviço de atendimento ao cliente, contratos, operação, montagem etc.

No mundo em que a produção se fragmentou em CGV, há diferenças substantivas com relação ao padrão produtivo e comercial que se consolidou ao longo dos séculos XIX e XX, o que alterou a forma com que se deve pensar o desenvolvimento industrial. Há novos desafios para a consolidação de uma indústria nacional e dificulta-se a tarefa de fazer política de desenvolvimento. Um bem final pode ter seu projeto e design elaborados na Califórnia, cujos engenheiros fazem uso de programações e cálculos feitos na Índia, o departamento de RH pode estar na Costa Rica, os advogados em Nova Iorque, o departamento financeiro em Londres, parte dos componentes são feitos no Vietnã, os itens mais elaborados podem ser feitos no Japão, China ou Coreia, finalmente a montagem final se dá na China ou no México (a depender do custo do transporte no momento), com uso de máquinas alemãs. Em caso de reclamações de clientes que falam a língua inglesa, as chamadas são respondidas por atendentes localizados num centro de telemarketing localizado em Trinidad e Tobago, ou no caso de clientes que falem espanhol as atendentes estão em um centro na Nicarágua, que atende a essa empresa e outras.

Nesse exemplo hipotético, quase anedótico, mas não surreal, vê-se que o desenvolvimento das CGV trouxe mudanças importantes na organização e distribuição da produção e dos serviços. Consequentemente isso teve impacto nos padrões comerciais. Primeiro, as estatísticas de comércio bruto carregam consigo (e não capturam) um conteúdo importado cada vez mais substantivo nas exportações – sobretudo nas exportações industriais. Isso altera a forma com que se deve pensar a própria política industrial. Elms e Low (2013), ainda que com visão crítica ao exercício dessa política setorial, traz um ponto importante, qual seja, o de que uma política industrial tradicional que busque uma estratégia de proteger sua indústria local com algo do tipo “beggar-thy-neighbour”, pode em realidade comprometer a própria indústria nacional, se essa for dependente de insumos importados. Poderia, ao final, tornar-se um “beggar-thyself” na medida em que a indústria local é fortemente importadora. Isso quer dizer que pensar o desenvolvimento industrial requer conhecer o nível de fragmentação da cadeia produtiva do setor, sua escala mínima necessária, o respectivo desafio tecnológico e financeiro, para posteriormente, pensar quais (e como) internalizar.

Segundo, as importações feitas por um país contêm crescentemente mais valor adicionado pelo próprio país em etapas prévias de produção. Elms e Low (2013) usam o exemplo de sapatos “chineses” importados pela União Europeia (UE), mercadoria essa que contém valor adicionado entre 50% e 80% da própria UE. Nesse caso, a imposição de regras antidumping contra os sapatos “chineses”, por parte da Comissão Europeia, afetou parte da própria supply chain europeia que adicionava valor aos sapatos supostamente “chineses”.

Terceiro, o comércio bilateral com valores brutos pode superestimar déficits (ou superávits) na medida em que se faz dupla contagem em caso de insumos importados.32 Combater esse déficit (que contém erro de estimativa) por meio de medidas protecionistas tradicionais poderia, ao final, criar problemas para a dinâmica intra-cadeia de ambos os países. Para se ter uma noção do volume de “dupla contagem” no comércio mundial, UNCTAD (2013) estimou que, no ano de 2010, 25% do comércio internacional é fruto de dupla contagem, consequência da contabilização da entrada de um insumo importado, posteriormente com seu valor contabilizado outra vez no bem final exportado.

Quarto, a maior integração produtiva de cadeias pode fazer com que choques macroeconômicos tenham maior capacidade de contágio, como no caso da crise financeira de 2008/09 que restringiu o crédito, sobretudo nos EUA, e isso gerou impacto em fluxos comerciais e em CGV em diversos países (ELMS & LOW, 2013). E, em quinto, compreender a divisão internacional do trabalho também em “tarefas”, fruto das CGV, e não somente pelos “bens finais” comercializados, permitiria decifrar melhor as relações entre comércio e emprego, evitando as distorções de diagnóstico e formulação de política decorrente de análises que observam apenas valores brutos.33

Portanto, uma vez definidas as CGV e explicitadas as principais alterações nos padrões produtivos e comerciais no mundo, é interessante avançar em aspectos da Economia Política para compreender o que move esse processo de fragmentação em cadeias globais.

A fragmentação de cadeias pelo mundo, ou o outsourcing, não são eventos novos na história. O economista Bertil Ohlin na década de 1930 já mapeava complexas segmentações na produção, que iam muito além da simples divisão entre matéria prima ou manufatura. No entanto, foi após a década de 1980 que a escala desse fenômeno ganhou proporções jamais

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Esse problema poderia ser contornado com a mensuração do fluxo de comércio de valor adicionado.

33 Outras alterações no padrão produtivo e comercial internacional, decorrentes das CGV, podem ser vistos na

vistas antes. Para OCDE (2012) isso se deve quase exclusivamente aos avanços tecnológicos dos pós 1980, que permitiram reduzir os custos do comércio e logística, portanto desconsiderando a centralidade da liberalização comercial e financeira empreendida no período. Vale comentar criticamente essa leitura de que o fenômeno das CGV seria mero produto do avanço técnico, ou que a tecnologia seria condição necessária e suficiente para tamanha fragmentação das cadeias. Seria correto afirmar que as tecnologias da informação e o barateamento da logística viabilizaram a fragmentação das cadeias em escala global, mas não são o motor desse processo. É com o advento da liberalização comercial e financeira, com os decorrentes fluxos de IDE, crédito, remessas, bens e serviços, que, assim, viabilizou-se um amplo e profundo processo de fragmentação da produção para além das fronteiras nacionais, cujo objetivo é a redução de custos para sustentar lucros e valores acionários, produto da lógica financeirizada discutida anteriormente na seção I.2.

É importante, também, recuperar a crítica metodológica de Chesnais (2016) ao uso das CGV. Partindo-se dos esquemas marxistas de circulação da mercadoria e criação de valor no capitalismo,34 o autor entende que a análise das cadeias de valor ignora o método marxista de separação entre o capital constante (os meios de produção, que não alteram valor no processo produtivo) e o capital variável (a força de trabalho, que no processo produtivo altera valor por isso é a parte variável do capital). A análise de CGV leva à separação das múltiplas atividades da concepção, desenho, produção, montagem e distribuição da mercadoria, sem considerar os aspectos que Marx ressalta no processo de produção de valor, como se entre o capital inicial (ou o D, dinheiro) e a realização da mercadoria final (venda do M‟, para chegar em D‟) existissem apenas “atividades” e não o esquema de circulação e acumulação do capital em:

D-M-[Processo produtivo]-M‟-D‟.

A despeito dessa fragilidade metodológica de se ignorar a separação marxista entre capital constante e variável, na prática o que é importante absorver é que aquele processo de produção capitalista (ou firma) que realizava todo o processo produtivo, com os próprios meios de produção e contratação da força de trabalho in house (algo ao estilo da indústria automobilística no início do século XX) alterou-se. Essa firma na etapa mais recente do capitalismo globalizado é transnacional, os processos internacionais de fusão e aquisição amplificaram ainda mais os níveis de centralização de capital e os gestores dessa firma estão

condicionados a assegurarem o valor fictício das ações dessas empresas. Finalmente, no processo produtivo, essa firma manteve a atividade de concepção, desenho do produto, mas a produção se decompôs, ganhou ainda mais escala global, se fragmentou, usou-se de outsourcing em profundidade, acessou a mão-de-obra mais barata possível, reduziu custos e, por fim, remunerou os seus acionistas.

Nesse sentido, Hiratuka e Sarti (2015) discutem que a despeito do processo de fragmentação produtiva ter permitido que países em desenvolvimento tenham internalizado etapas da atividade manufatureira em distintas cadeias produtivas, a descentralização da produção não reduziu assimetrias da economia internacional, inclusive as acentuou. Primeiro, porque a internalização apenas de etapas produtivas (não de cadeias produtivas inteiras, ao estilo clássico das industrializações do passado) reduzem substancialmente os efeitos de encadeamento, aprendizado e transbordamentos. Segundo, porque as grandes empresas deixaram atividades produtivas consideradas não essenciais a países periféricos, mas ao mesmo tempo reforçaram seus ativos intangíveis, aumentaram o controle sobre padrões tecnológicos e ampliaram estratégias de aquisição de concorrentes por meio de fusões e aquisições. Nesse processo, segundo os autores, eleva-se o poder de comando das grandes corporações dos países centrais sobre o valor gerado pela cadeia produtiva espalhada pelo mundo e com escala ampliada globalmente. Essa fragmentação produtiva produziu, ao mesmo tempo, centralização e ampliação do poder de comando da grande empresa, nas economias centrais, e isso se tornou fator fundamental na competição internacional.

Desse modo, sem dúvida é crucial destacar o papel da grande empresa transnacional na formação das CGV. UNCTAD (2013) faz um esforço de mapear a adição de valor no comércio internacional em vários países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em suas principais indústrias na nova realidade de ampla e profunda fragmentação de cadeias produtivas. Além da interessante base de dados apresentada, o trabalho é capaz de perceber o papel da grande empresa transnacional. Dada a intrínseca relação entre fluxos de investimento, comércio e a produção internacionais, as redes e CGV intra e inter-firmas, regionais ou globais, são em sua maioria “desenhadas” pelas grandes empresas transnacionais, as quais respondem por cerca de 80% do comércio internacional.

De toda essa discussão empreendida até aqui, que parte das transformações de Bretton Woods e da financeirização, para culminar na fragmentação das cadeias produtivas, é importante destacar um aspecto central desse movimento da globalização da produção. Com

fins de sobreviver à concorrência internacional, ampliar o lucro e remunerar acionistas, a pressão por reduzir custos e ampliar escalas tem “empurrado” a realocação global da produção nas últimas décadas. Sob hegemonia das finanças e com liberdade para fluxos de investimento direto e comerciais, a denominada “arbitragem global de trabalho”35 se apresenta como meio para empresas atingirem seus objetivos na nova realidade da concorrência global. Isso não significa que os movimentos “estruturais” do capitalismo se explicam pelos aspectos do trabalho, ou do “valor trabalho”, subestimando o papel das finanças. Vale insistir, assim como visto na seção I.2, o comando do processo é dado pela esfera da acumulação financeira, que subordina a acumulação produtiva a remunerar os acionistas conforme seus interesses, que em última instância subordina o trabalho. A imposição da lógica do valor acionário, em um mundo com liberdade de fluxos de capitais, comerciais e com grande centralização de capital, levou que a esfera da produção buscasse reduzir custos e, consequentemente, buscasse a arbitragem laboral.

Assim, vale desenvolver o argumento de como a arbitragem global do trabalho (produto do movimento mais geral da financeirização) moveu a estrutura produtiva e de que forma, finalmente, a China se inseriu nessa fragmentação internacional da produção em cadeias e, a partir dela, construiu sua estratégia nacional de desenvolvimento.

Roach (2003), em um relatório do Morgan Stanley, usa-se do termo “arbitragem”, que é tipicamente utilizado no mundo das finanças para referir-se a compra e venda de valores com o objetivo de realizar ganhos econômicos existentes na diferença de preços. O autor propõe a ideia de “arbitragem global de trabalho” para explicitar as razões pelas quais grandes indústrias deslocaram parte de sua produção para regiões do mundo em que o preço da força de trabalho é substancialmente mais baixo que nos países desenvolvidos.36

Roach (2003) discute as forças que na economia global empurram a “arbitragem de trabalho”, fazendo importante destaque à:

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O trabalho de Smith (2010) apresenta um importante debate acerca desse tema.

36 O que não é exclusivo da indústria de transformação, fenômeno semelhante ocorre com os serviços, usando-se, por

“maturação de plataformas offshore de outsourcing. A China simboliza a grande magnitude das novas plataformas de outsourcing para a produção. Construída sobre uma base de fluxos maciços de investimento direto estrangeiro e uma infraestrutura a nível nacional, a indústria chinesa tornou-se um elo fundamental na cadeia de abastecimento global. Mas a China não está sozinha. Padrões de outsourcing semelhantes são também evidentes em outros países da Ásia, no México, Canadá, América do Sul, Europa Oriental e Central. O outsourcing não é um fenômeno novo, mas as plataformas de produção offshore de hoje oferecem a baixo custo, alternativas de alta qualidade de produção e de trabalho em uma escala e com um alcance nunca vistos antes”. (ROACH, 2003, p. 5 [tradução própria]).

No processo de consolidação de plataformas de produção pelo mundo, Roach (2003) argumenta que os imperativos de controle de custos das empresas, em um período de excesso de oferta, nunca foram tão intensos. As corporações têm grande dificuldade para impor margem de preço em seus produtos, ao mesmo tempo em que adquirir margens é demanda central dos acionistas. A particularidade é que a financeirização exacerbou a concorrência.

Diante dessa realidade na produção internacional, não surpreende que a busca por força de trabalho mais barata represente elemento central das estratégias de realocação da produção. As empresas se deparam com o fato de que: “os salários na China e na Índia variam entre 10% a 25% daquilo que trabalhadores de qualidade análoga nos EUA ou no resto do mundo desenvolvido recebem” (ROACH, 2003, p. 5 [tradução própria]). Portanto, a estratégia de produzir com trabalho de baixo custo se tornou crescentemente urgente para a sobrevivência das empresas dos países desenvolvidos.

Análise semelhante a essa foi feita por Milberg (2004), que discute mudanças no padrão global de produção e comércio, apresentando que a globalização da produção ocorre como decorrência dos fluxos de IDE e também por meio da subcontratação de intermediários em distintas partes do mundo.37

O aspecto da transferência de empresas e postos de trabalho dos EUA para a China é registrado por um conjunto amplo de autores, como Bronfenbrenner e Burke (2002) ou Bronfenbrenner e Luce (2004), que estimam que os EUA deslocaram, por exemplo, cerca de 204 mil postos de trabalho em 2001 e 406 mil em 2004 para a plataformas offshore. Outros trabalhos, como o de Dobbs (2004) transitam da análise do processo de globalização produtiva a uma crítica ao discurso de que a globalização da produção é tema de “interesse americano”, uma vez que interessa à corporação estadunidense e não aos trabalhadores. Desenvolve-se, assim, uma crítica ao discurso de que o livre comércio e o offshoring promovem uma situação win-win (em que todos ganham), na realidade essa seria a expressão

de que a grande corporação americana tomou controle do processo político nos EUA, em prejuízo dos trabalhadores. Curiosamente, debate semelhante foi feito na esfera político- partidária desse mesmo país, nas eleições que levaram à vitória de Donald Trump com um forte discurso antiglobalização. Note-se que já nas prévias das eleições presidenciais americanas em 2016, floresciam fortes críticas aos acordos de comércio firmados pelos EUA e a perda de empregos por conta do outsourcing. Seja do partido democrata, com a retumbante crítica de Bernie Sanders, seja do partido republicano, vociferado por Trump em suas agressões à China, ou mesmo ao México, como se esses fossem os causadores (e não produtos) da perda de empregos industriais nos Estados Unidos.

Esse processo de deslocamento da produção de países desenvolvidos para países com oferta de mão-de-obra barata não é exclusivo dos Estados Unidos, ocorreu também na Europa e no Japão, como discutem Milberg e Winkler (2009), Assche et al. (2008) e Baldwin (2006). Esses textos explicitam o processo de outsourcing na economia global nos últimos anos, como parte da estratégia de grandes empresas dos EUA, mas também da União Europeia e do Japão de transferir etapas da produção (em particular aquelas intensivas em trabalho) para a